PERSPECTIVA SOCIOTÉCNICA
uma análise dos papéis do estado e o modo de governança nas políticas municipais de CT&I

Vagner Simões Santos[1]

Instituto Federal da Bahia – IFBA – Salvador/BA – Brasil

vagnersantos.bsi@gmail.com

Eduardo Oliveira Teles[2]

Instituto Federal da Bahia – IFBA – Salvador/BA – Brasil

eoteles@gmail.com

Marcelo Santana Silva[3]

Instituto Federal da Bahia – IFBA – Salvador/BA – Brasil

profmarceloifba@gmail.com

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Resumo

A política de ciência, tecnologia e inovação é essencial para impulsionar a inovação e é moldada pelas contribuições de diversos atores no sistema sociotécnico. No entanto, seu sucesso depende de uma governança eficaz em colaboração com o ecossistema de inovação. Este estudo visa analisar o atual papel do Estado e sua governança nas políticas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) em municípios brasileiros, sob a perspectiva sociotécnica, através da classificação de atos municipais de inovação. A pesquisa adota uma abordagem quali-quantitativa e envolve análise documental de atos municipais de inovação. Os resultados revelam os papéis históricos do Estado, o perfil de evolução dos municípios que se destacaram nesses papéis e os papéis mais contemporâneos alinhados com ecossistemas de inovação robustos. Espera-se que este estudo forneça insights cruciais para a formulação de políticas públicas que considerem o sistema sociotécnico, permitindo que o Estado e sua governança atendam às expectativas dos atores socioeconômicos, colaborando assim para o progresso da CT&I nos municípios brasileiros.

Palavras-chave: Indicadores científicos e tecnológicos. Desenvolvimento econômico. Política de inovação.

SOCIOTECHNICAL PERSPECTIVE:

an analysis of state roles and governance in municipal ST&I policies

Abstract

The policy of science, technology, and innovation is crucial for driving innovation and is shaped by the contributions of various actors within the sociotechnical system. However, its success depends on effective governance in collaboration with the innovation ecosystem. This study aims to analyze the current role of the state and its governance in science, technology, and innovation (STI) policies in Brazilian municipalities, from a sociotechnical perspective, through the classification of municipal innovation acts. The research employs a qualitative-quantitative approach and involves a documentary analysis of municipal innovation acts. The results reveal the historical roles of the state, the evolution profile of municipalities that have excelled in these roles, and the more contemporary roles aligned with robust innovation ecosystems. It is expected that this study will provide crucial insights for the formulation of public policies that consider the sociotechnical system, enabling the state and its governance to meet the expectations of socioeconomic actors, thus contributing to the progress of STI in Brazilian municipalities.

Keywords: Scientific and technological indicators. Economic development. Innovation policy.

1  INTRODUÇÃO

O conceito de Adequação Sociotécnica (AST) permite a adaptação do conhecimento científico e tecnológico aos interesses sociais, através da utilização de tecnologias sociais. Neste contexto, o processo de AST deve ser contínuo para transformar e modificar o local onde está sendo implementado. Para inovar é necessário adotar soluções sociotécnicas, adaptando-as ao contexto local que, com esta prática, geralmente, os resultados alcançam a coletividade, gerando soluções promissoras (Cavalcanti, 2016).

A perspectiva sociotécnica não trata somente de objetos de conhecimento e cenários, mas também das práticas e processos que influenciam a inovação e governança. As tecnologias e soluções esperadas, são elementos relevantes no modo de governança dos processos de CT&I. De um modo geral, a perspectiva sociotécnica combina o cenário tecnocientífico com mudanças sociais esperadas e os novos arranjos sociais (Konrad; Bohled, 2019).

As políticas de CT&I são influenciadas pelos atores sociais, que resultam de suas preocupações, experiências e cultura. Neste contexto, a pluralidade social será representada nestas políticas e consequentemente na forma com que o Estado irá atuar na governança das expectativas e indicadores sociais esperados. Os imaginários sociais podem distorcer o entendimento das problemáticas atuais, e consequentemente influenciar o debate público e a conveniência na adoção de políticas públicas que atuem para solução e alicerce de soluções futuras. Neste caso, a gestão pública deverá focar no tratamento das divergências e atuar de forma a atender o interesse da coletividade (Konrad; Bohled, 2019; Sorge et al., 2022).

As expectativas sociotécnicas estão dotadas de campos de atuação emergentes, com as constelações de atores e suas necessidades específicas. Independente das suposições sociotécnicas estarem implícitas ou explícitas, o relacionamento entre os diversos atores sociais dentro do ecossistema, permitirá entender a sua dinâmica através das propostas de projetos, previsões, cenários e práticas utilizadas localmente. Através desta relação, os atores políticos e de inovação podem participar através da instituição de políticas públicas que fomentem a adoção de soluções tecnológicas que potencializam a inovação e geram oportunidades socioeconômicas (Konrad; Bohled, 2019).

A governança da CT&I deve se concentrar nos diferentes modos de coordenação entre indivíduos, organizações, subsistemas sociais e estados. Assim, a política consiste na gestão de grupo de atores que contribuem para a governança. Pesquisadores independentes, inventores, empresas, startups, spin-off, instituições de ensino, cidadãos e outros também fazem parte da definição dos processos de inovação, auxiliando assim, nas formas de coordenação e, consequentemente, nos modos de governança da inovação. A governança voltada às perspectivas sociotécnicas, pode auxiliar os tomadores de decisão com ideias úteis sobre a complexidade e a adaptação dos processos e a operacionalização da governança (Konrad; Bohled, 2019; Borrás; Edler, 2020; Sorge et al., 2022).

Na literatura sobre os processos de governança definitiva ou provisória não fica claro a distinção conceitual sobre essas formas de governança. Inicialmente, o modo de governança pode adotar arranjos provisórios, com vistas a criação de espaços de aprendizagem e experimentação, voltados a soluções inovativas (Borrás; Edler, 2020). Nesta fase inicial, o apoio financeiro para a inovação poderá ser utilizado como subsídio local, regional ou nacional para projetos de risco tecnológico (Sorge et al., 2022).

A política de inovação materializa todas as perspectivas sociotécnicas e busca resolver problemas específicos. Sendo assim, essa política não deve se limitar a instituir mecanismos, sistemas e instrumentos que favoreçam a geração de inovações, todavia sua aplicação prática e a mensuração do alcance dos indicadores socioeconômicos. Para o desenvolvimento de políticas de inovação, que objetivem a transformação socioeconômica, os formuladores de política deverão ter a compreensão teórica e empírica sobre os diferentes papéis do Estado (Borrás; Edler, 2020).

Este trabalho se justifica devido à necessidade de estudo sobre as variações de modo de governança sobre a CT&I nos municípios brasileiros, com suas características históricas e culturais diferenciadas, além das interferências de diversos atores governamentais e locais que influenciam no modelo de governança. Delineou-se a questão de pesquisa da seguinte maneira: Qual o papel adotado pelo Estado e o modo de governança das políticas públicas de CT&I nos municípios brasileiros? Nesse contexto, o objetivo deste artigo é analisar o cenário atual do papel do estado e seu modo de governança nas políticas públicas de CT&I nos municípios brasileiros, utilizando a análise dos atos municipais de inovação instituídos nos municípios.

O presente artigo se divide em cinco seções, das quais a primeira é a introdução, que traz a importância dos indicadores para as políticas de inovação nos municípios, seguida da seção que traz informações sobre os resultados bibliográficos e documentais, a seção seguinte transcreve as proposições de indicadores, por fim, a seção das conclusões dos autores.

 

2  DESENVOLVIMENTO

No desenvolvimento da pesquisa exploramos algumas abordagens metodológicas. Inicialmente, nossa pesquisa assume uma natureza explicativa e faz uso principalmente do método documental, com ênfase em fontes primárias representadas pelos atos de inovação. Para compreender a dinâmica dos atos municipais de inovação, conduzimos uma análise retrospectiva e contemporânea, utilizando fontes públicas relacionadas a esses atos.

Durante a fase de análise, empregamos uma abordagem quali-quantitativa para examinar os componentes dos atos de inovação, com o propósito de classificar o papel desempenhado pelo Estado, o modo de governança e suas características, bem como a natureza das ações inovadoras. Durante o decorrer dessa análise, percebemos a necessidade de aprimorar as ferramentas utilizadas, resultando na definição de regras de classificação e na introdução de meios computacionais para lidar com o considerável volume de atos municipais de inovação (AMI).

Como contribuição relevante, nosso trabalho oferece informações essenciais sobre as políticas de inovação e o debate contemporâneo em torno do papel do Estado no desenvolvimento socioeconômico dos municípios. Na análise dos resultados, os AMIs classificados conseguiram refletir o perfil das políticas públicas relacionadas à ciência, tecnologia e inovação (CT&I).

Para classificar os AMIs, conduzimos uma análise quali-quantitativa com uma ótica sociotécnica, visando compreender o cenário das políticas públicas de CT&I em municípios brasileiros. A avaliação abrangeu 371 municípios que apresentaram AMIs, totalizando 567 documentos representando esses atos de inovação, todos disponíveis publicamente na web. A pesquisa e classificação foram realizadas ao longo do período de 01 de novembro de 2022 a 10 de janeiro de 2023.

No processo de classificação ficou clara a complexidade, pois não é uma tarefa tão simples quanto parece, uma vez que requer uma análise das características, afinidades e sentidos que justifiquem sua classificação. O processo de classificar os documentos dentro dos agrupamentos selecionados – a categorização – é uma ação frequente do ser humano quando interage com os elementos concretos e abstratos (Carvalho; Souza, 2013). Neste contexto, a instituição de políticas públicas voltadas à inovação se torna uma tarefa complexa, principalmente devido à diversidade de perfis, papéis de Estado e de modos de governança adotados nas políticas instituídas nos municípios brasileiros.

 

 

 

 

 

2.1  O papel do Estado e os modos de governança

O papel do Estado nos processos de ciência, tecnologia e inovação vem passando por mudanças, esse cenário é percebido nas bibliografias pesquisadas e nos atos de inovação que foram instituídos historicamente. As influências provenientes da participação dos atores do ecossistema de inovação, geram políticas de inovação com perfis dos mais diversos. As literaturas, sobre a participação do Estado, trazem a perspectiva da sua atuação junto às falhas de mercado, entretanto a ação de atuar junto a falha não pode ser entendida como única, pois o Estado representa a coletividade e seus interesses. Neste sentido, a governança deve diferenciar o caráter temporário ou definitivo de determinadas políticas e sempre se nortear na garantia dos interesses e no alcance dos indicadores estratégicos da coletividade (Borrás; Edler, 2020).

Em um estudo inédito, os autores Borrás e Edler (2020) estudaram as mais diversas formas de colaboração e interação entre o Estado e os atores sociais, sob a ótica sociotécnica. Alguns resultados apresentaram o Estado como corretor de falhas dos atores econômicos; e outra abordagem vê o Estado como resolvedor de demandas sociais. Os autores propõem uma definição própria de sistemas sociotécnicos como “conjuntos articulados de elementos sociais e técnicos que interagem uns com os outros de maneiras distintas, são distinguíveis de seu ambiente, desenvolveram formas específicas de conhecimento coletivo produção, utilização do conhecimento e inovação, e que são orientados para fins específicos na sociedade e na economia” (Borrás; Edler, 2014, p.11). A noção de governança permite a diferenciação das motivações da mudança, que podem ser impulsionadas por atores governamentais ou não. Além disso, o modo pode se diferenciar nos papéis de colaboração e responsabilidades das organizações. Neste contexto, os atores citados sugerem quatro tipos de modo de governação: autorregulação, primus inter pares, oligopólio e comando e controle (Borrás; Edler, 2020).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tabela 1 - Resumo dos diferentes modos de governança e seu relacionamento com os papéis do Estado.

Modo de Governança

Papel do Estado

Autorregulado

Observador

Warner (Vigilante)

Mitigador

Oportunista

Primus inter pares (Cidades Inteligentes)

Facilitador

Usuário principal

Potencializador

Promotor

Facilitador de engajamento social

Porteiro

Oligopólio

Porteiro

Facilitador

Promotor

Comando e controle

Moderador

Promotor

Potencializador

Fiador

Watchdog (Regulador)

Fonte: Adaptado de Borrás e Edler (2020)

 

No modo de governança de auto-regulação, apresenta-se a legitimidade do sistema sociotécnico em torno de atividades não-regulamentadas, sendo sua aceitação determinada pelo grau de concordância social de seus produtos ou serviços, bem como pelas formas de contestação social dentro do sistema sociotécnico. Dada a natureza dinâmica da criação e uso destes produtos ou serviços, a aceitação social de seus resultados tende a ser dinâmica em si pelos resultados adquiridos. Uma das principais questões é a manutenção da confiança baseada na aceitação social. Alguns exemplos de auto-regulação são: criptomoedas, blockchain, dentre outros. Neste modo de governança os papéis do Estado são: Observador, que monitora tendências dos eventos e como se desenvolve dentro do sistema sociotécnico; Vigilante, que atua monitorando a ocorrência de ameaças e alerta todos as partes interessadas; Mitigador, que atua de forma preventiva através de ações para reduzir ameaças ao sistema sociotécnico; e, o Oportunista que um dos principais beneficiários das mudanças no sistema sociotécnico é o próprio Estado (Borrás; Edler, 2020).

O modo de governança “primus inter pares”, é um modo onde o Estado assume um papel de destaque. As soluções são normalmente fornecidas pela iniciativa privada e visam envolver usuários e cidadãos. As iniciativas podem ser viabilizadas com a renúncia de impostos, com facilitações através de compras públicas, podendo utilizar a modalidade de incentivos à prestação de serviços por empreendedores locais e são baseados no acesso público a informações. Neste modo de governança os papéis do Estado são: Facilitador, que atua como agente de facilitação, apoiando assim, as iniciativas de mudança dos atores; Facilitador de engajamento social, que atua incentivando o relacionamento entre as partes interessadas na inovação; Porteiro, que atua com controle de acesso dos agentes de mudança, através de ações de abertura e fechamento de espaços voltados às atividades de experimentação e transformação; Potencializador, que busca identificar oportunidades e emprega recursos humanos, financeiros e infraestruturais para gerar a transformação do sistema sociotécnico; Promotor, que atua como defensor, proponente e expoente da mudança no sistema sociotécnico; e, Usuário principal, onde o estado atua em soluções específicas, que visam atender a demandas de interesse público e consequentemente atua criando mercados (Borrás; Edler, 2020).

Na governança Oligopólio o Estado media a tecnologia com potencial disruptivo e pode introduzir melhorias nas áreas e sistemas, que apresentem necessidades. Entretanto, o uso desta tecnologia é o fator chave que determina a trajetória da melhoria do sistema sociotécnico. Neste modo de governança, são apresentados três papéis do Estado que são compartilhados também como o modo de governança primus inter pares, são eles: Facilitador, Porteiro e Promotor (Borrás; Edler, 2020).

O modo de governança de 'comando e controle' é predominantemente impulsionado pelo Estado. Isto é assim por várias razões. Neste modo de governança, são apresentados dois papéis do Estado que são compartilhados também como o modo de governança primus inter pares, são eles: Potencializador e Promotor. Os outros três papéis exclusivos de “comando e controle”, são: Moderador, ocorre quando o Estado atua como negociador ou árbitro entre as divergências de interesses nas decisões que envolvem a transformação do sistema sociotécnico; Fiador, que atua financeiramente para mitigar riscos, ou através de garantias de segurança e proteção aos agentes do sistema sociotécnico; e, Regulador, que assume o papel de guardião das normas instituídas coletivamente e que devem ser cumpridas pelos agentes (Borrás; Edler, 2020).

Independente do modo de governança e do papel do Estado, a adoção de políticas públicas de CT&I deve envolver os atores socioeconômicos, além de atender as expectativas sociotécnicas e definir indicadores de resultado. A contribuição mais expressiva deste subcapítulo pode ser assim descrita: uma descoberta sobre os papéis de Estado e os modos de governança, incluindo as suas descrições. Assim, os formuladores de políticas poderão aplicar os conhecimentos aqui descritos, pois abrangem papéis históricos e atuais sobre a relação do Estado com os atores participantes do ecossistema de CT&I, que são os principais beneficiários sociotécnicos.

 

2.2 Análise de cenário dos atos de inovação municipal

Os atos municipais de inovação (AMIs), enquanto políticas públicas, podem estimular o desenvolvimento socioeconômico, favorecendo o cidadão, as empresas tradicionais e os negócios inovadores. Neste sentido, os AMIs podem fortalecer o ecossistema de inovação para o atendimento à sociedade, que se encontra em constante mudança, através de demandas emergentes e desafiadoras (Santos; Teles; Silva, 2023).

O estudo dos cenários é uma atividade em ascensão no Brasil, que ocorre por meio da adoção de técnicas modernas que auxiliam no processo de tomada de decisão. Estes estudos são utilizados com frequência para entender a concorrência e definir as estratégias do negócio, neste contexto, a prospecção de cenários é um procedimento crucial para diversas atividades de planejamento, tanto empresarial quanto governamental. Atualmente, a metodologia de construção de cenários é difundida por instituições acadêmicas e poderá auxiliar na definição de onde estamos e onde queremos chegar (Buarque, 2003).

Para aplicação da metodologia de cenários são necessários conhecimentos, habilidades e organização lógica das informações. A utilização de uma base conceitual é crucial para o sucesso da ação, com o objetivo de identificar incertezas, classificar as informações e analisar as relações entre os elementos analisados (Buarque, 2003).

A classificação dos atos de inovação municipais é de suma importância para o entendimento do perfil de atuação e o modo de governança do Estado. O cruzamento dos AMIs e o perfil de atuação dos atos de inovação, são apresentados neste trabalho, resultando no cenário atual sob a ótica sociotécnica. A Figura 2 contém a distribuição geográfica e o histórico anual dos AMIs instituídos, que versam sobre Ciência, Tecnologia e Inovação nas cidades brasileiras. Essa figura apresenta a evolução histórica dos AMIs de acordo com o Papel do Estado, percebendo-se, inclusive, as áreas e regiões que estão atrasadas no debate de acordo com alguns papéis de Estado mais atuante junto ao ecossistema de CT&I.

 

 

 

 

 

 

 

 Figura 2 – Distribuição geográfica e anual dos AMI´s que versam sobre ciência, tecnologia e inovação para as cidades (1996 a 2022)

Fonte: Elaborada pelos autores deste artigo no PowerBI (2023)

 

A figura 2 apresenta dois períodos de pico na instituição de atos de inovação nos municípios brasileiros, no primeiro período (2008-2011) a predominância foram os AMIs com papel de Fiador, seguidos pelo papel de Promotor. No segundo período de destaque (2017-2022) ficou em evidência o papel de Promotor, seguido dos papéis de Facilitador de engajamento social, Facilitador e Fiador. Neste mesmo período, surgem alguns papéis que merecem destaque, que são: Potencializador, Observador e Regulador.

O modo de governança é discutido em diversas literaturas, entretanto não consegue demonstrar eficazmente a ação governamental nos processos de transformação na perspectiva sociotécnica. A partir da instituição de marcos Federais e Estaduais de inovação, o Estado é instigado a atuar como promotor, fiador, observador, moderador, regulador, dentre outros papéis. Neste contexto, o estado deverá focar na entrega da transformação requerida pela sociedade. A Figura 3 apresenta o total de AMIs agrupados por modo de governança e legendados pela categoria dos atos de inovação.

 

 

Figura 3 – Distribuição quantitativa dos AMI´s por modo de governança e legendados por Categoria (1996 a 2022)

Fonte: Elaborada pelos autores deste artigo no PowerBI (2023)

 

A figura 3 apresenta o modo de governança Comando e Controle, onde se concentram 457 AMIs, demonstrando assim, que a dinâmica de mudança proposta por estes atos é predominantemente impulsionada pelo Estado. Em relação ao Primus inter pares, é apresentado o total de 131 AMIs, neste modo de governança as soluções são normalmente fornecidas por empresas privadas e tem como objetivo envolver as demandas públicas de usuários e cidadãos. Os outros modos de governança tiveram uma baixa ocorrência, no caso do Auto Regulado e do Oligopólio que possuem 02 AMIs cada.

O Estado é o ator principal que discute a defesa dos interesses públicos, alicerçado na necessidade constante de desenvolvimento socioeconômico. No processo de desenvolvimento, alicerçado por inovações baseadas em tecnologias, o Estado poderá atuar para corrigir gargalos detectados, ou através da observação de tendências, visualizando assim, os cenários externos e atuando na adoção de indicadores socioeconômicos baseados em ciência, tecnologia e inovação. Na figura 4 é apresentado o histórico anual de AMIs que foram instituídos, sendo agrupados pelo Papel do Estado.

 

 

 

 

Figura 4 – Distribuição geográfica e anual da Classe da Categoria dos AMI´s que versam sobre ciência, tecnologia e inovação para as cidades (1995 a 2022)

Fonte: Elaborada pelos autores deste artigo no PowerBI (2023)

 

Com base no histórico de instituição dos AMIs e sua relação com o papel do Estado, percebe-se a mudança no perfil dos AMIs, que apresentam um ápice inicial com destaque do perfil Fiador e Promotor. O papel de Fiador foi estimulado inicialmente através da Lei do Bem, que visou garantir segurança jurídica para o aporte financeiro e fiscal do Estado junto às instituições que atuam com pesquisa, desenvolvimento, ciência e tecnologia. Em paralelo, surgiram alguns AMIs que apresentam um perfil de Promotor, com destaque as infraestruturas que fazem parte dos arranjos promotores de inovação. No período mais recente, houve uma ampliação do perfil do Papel do Estado, onde os Municípios adotaram AMIs mais robustas e mais atuantes junto ao ecossistema de inovação. Os papéis atualmente são: Promotor, Fiador, Facilitador e Moderador.

A figura 5 apresenta o cenário atual com o total de AMIs por Papel do Estado, que demonstram quais os perfis de atuação do Estado, através de atos que buscam promover a CT&I, financiar a atuação de atores em projetos de risco, promover o engajamento social, facilitar as atividades de inovação, moderar ou regular a atuação junto ao ecossistema, inclusive potencializar as ações de CT&I dentro do ecossistema local.

 

Figura 5 – Distribuição quantitativa dos AMI´s que versam sobre CT&I, agrupados por Papel do Estado (1996 a 2022)

Fonte: Elaborada pelos autores deste artigo no PowerBI (2023)

 

Do total de 567 atos municipais analisados, pertencentes a 371 municípios, destacam-se os que apresentaram os seguintes papéis de governo: 56,67% são Promotores; 47,97% são Fiadores; 12,35% são Facilitadores de engajamento social; 9,70% Facilitadores; 2,82% Potencializadores, 2,65% Moderadores, 1,23% Reguladores e 0,35% são Oportunistas. No recorte da categoria do AMI, quando se restringe a pesquisa a Lei de estímulo à inovação são apresentados 198 AMIs, onde 89,39% tem o papel de Fiador, seguido por 57,53% com o papel Promotor. No caso da categoria de Lei de inovação, apresenta-se 369 AMIs e o papel de Promotor fica em evidência com 57,18%, seguindo do papel de Fiador com 25,75%, Facilitador com 14,09% e Facilitador de engajamento social com 13,82%. Esta análise demonstra que o perfil de atuação do Estado e seu modo de governança, vem passando por adaptações às demandas emergentes dos diversos atores participantes do ecossistema, pois não ficou restrita a subvenção econômica e ao financiamento de atividades de risco nas ações de inovação.

 

 

 

 

 

Figura 6 – Lista com os 14 municípios que mais apresentaram AMIs com papéis de governo diferenciados na área de CT&I (1996 a 2022)

Fonte: Elaborada pelos autores deste artigo no PowerBI (2023)

 

Ao analisar os municípios e os papéis de Governo adotados, destacam-se os municípios com mais de cinco papeis de Estado, que são:

a)     Porto Alegre-RS com 9 AMIs, no período de (1996-2021) com os papéis de Facilitador de engajamento social (1996), Promotor (2013), Moderador (2018), Fiador e observador (2020) e Facilitador (2021);

b)    Jaraguá do Sul-SC com 9 AMIs, no período de (2018-2022) com os papéis de Promotor (2018), Facilitador (2019) e Facilitador de engajamento social, Moderador e Observador (2021);

c)     Niterói-RJ com 8 AMIs, no período de (2005-2021) com os papéis de Promotor (2005), Facilitador de engajamento social (2007), Facilitador (2014), Fiador (2020) e Observador (2021);

d)    Salvador-BA com 13 AMIs, no período de (2005-2022) com os papéis de Fiador (2005), Facilitador (2015), Facilitador de engajamento social (2017), Promotor (2019) e Potencializador (2020); e

e)     Florianópolis-SC com 9 AMIs, no período de (2012-2022) com os papéis de Observador (2012), Potencializador e Promotor (2012), Facilitador de engajamento social e Fiador (2017).

Nas políticas públicas de CT&I vigentes, constata-se que existe uma diversidade grande de papéis que deverão ser assumidos pelo Estado. Neste sentido, há uma necessidade de adoção de papéis múltiplos pelo Estado, que passará por ações de promoção, defesa, fiança, financiamento, facilitação, moderação, observação, potencialização, dentre outros papéis. A maturidade das políticas de CT&I perpassa pelo atendimento às necessidades locais de desenvolvimento socioeconômico, que deverão estar alicerçadas nas demandas dos atores do ecossistema e o monitoramento eficaz através de indicadores de resultado, com base nas metas estabelecidas preliminarmente.

Do ponto de vista da difusão do conhecimento, os resultados apresentados podem ser úteis no processo de formulação de políticas públicas de CT&I. Às vezes, a formulação de políticas ocorre de maneira isolada, sem levar em consideração a diversidade de papéis que podem ser assumidos pelo Estado ou, até mesmo, o modo de governança dos sistemas sociotécnicos. Da mesma forma, às vezes os governos formulam políticas ambiciosas de transformação, sem levar em consideração a dinâmica dos sistemas sociotécnicos, ou até mesmo, desconsideram a necessidade de mobilização e coordenação dos atores do sistema sociotécnico.

 

3  CONCLUSÃO

As transformações geradas pelas inovações são de interesse não apenas dos atores públicos, mas também dos atores socioeconômicos, com um grande potencial de soluções de demandas emergentes. Neste sentido, os papéis adotados pelo Estado visam basicamente atender aos anseios do sistema sociotécnico, que são norteados pela busca de soluções à problemas que, antes, eram inalcançáveis através dos métodos convencionais.

Os AMIs analisados apresentam um perfil inicial, onde foi predominante o papel de Fiador, entretanto nos últimos anos se destacou o papel de Promotor seguido ao de Fiador. Esse cenário demonstra que ainda há uma ausência de investimentos em inovação pelos atores privados. Neste sentido, os AMIs estudados assumem o papel de mitigador dos gargalos socioeconômicos, através da instituição de fundos municipais e programas de incentivos à inovação, a exemplo das agências de fomento, que subsidiam o ecossistema através de financiamento, subvenção econômica, além da participação societária, que permitem o subsídio à novas soluções.

Durante a classificação dos AMIs, as ferramentas precisaram ser aprimoradas através de recursos computacionais complementares, para dar maior celeridade às etapas operacionais. A base de dados dos atos municipais de inovação está sendo atualizada constantemente, porque os municípios brasileiros estão instituindo ou aperfeiçoando suas políticas públicas de CT&I. Neste cenário, a adoção do processamento computacional dos atos municipais de inovação foi um fator chave, que permitiu o sucesso na gestão da grande massa de informações. Por fim, foram analisados qualitativamente os AMIs através dos conceitos, ementas, instrumentos instituídos, dentre outros. Com adoção destas tecnologias foi possível focar os esforços na análise qualitativa dos AMIs e seu relacionamento com o papel do Estado e o modo de governança.

Na perspectiva das políticas de CT&I, o método aplicado foi importante, pois resultou no cenário histórico e contemporâneo das políticas públicas adotadas pelos municípios brasileiros. Esta análise dos papéis do Estado e do modo de governança dos municípios enriqueceram a discussão e demonstraram que, embora seja atualmente predominante o papel de Promotor, os municípios atuam em algum momento com o papel de Fiador, pois a inovação, em si, está envolvida em cenários de risco, principalmente quando buscam resolver problemas coletivos e complexos.

A política pública de CT&I que tenha o foco na solução de problemas, pode estimular o desenvolvimento socioeconômico, coadunando com os anseios dos atores socioeconômicos, fortalecendo o ecossistema de inovação que poderá atender as demandas emergentes de uma sociedade em constante mudança. Este artigo, reflete um trabalho contínuo para geração de informações que auxiliem os formuladores de políticas públicas municipais, tendo o resultado das classificações dos AMIs apresentado de modo resumido e a base de informações disponibilizada nas referências do artigo.

Essa análise de cenário, dos AMI que instituem o ecossistema de CT&I nos municípios brasileiros, é importante para o entendimento dos papéis de Estado e modos de governança assumidos pelos municípios. Neste contexto, o resultado deste trabalho poderá ser aperfeiçoado de duas formas: a primeira através da obtenção de informações mais detalhadas, a partir de fontes primárias nos executivos municipais. A segunda forma é com o cruzamento entre esta base de dados e os repasses financeiros e convênios realizados pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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BORRÁS, S.; EDLER, J. The governance of change in socio-technical and innovation systems: three pillars for a conceptual framework. In: The governance of socio-technical systems. Edward Elgar Publishing, 2014. p. 23-48. Disponível em https://www.elgaronline.com/display/edcoll/9781784710187/9781784710187.00011.xml. Acesso em 08 dez. 2022.

BUARQUE, S. C. Metodologia e técnicas de construção de cenários globais e regionais. Brasília: Ipea, 2003. Disponível em https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/2865/1/TD_939.pdf. Acesso em 11 jan. 2023.

CARVALHO, M. de L. G.; SOUZA, M. Categorização/Classificação. Cadernos CESPUC de Pesquisa Série Ensaios, Belo Horizonte, n. 23, p. 13-18, 2013. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/cadernoscespuc/article/download/8298/7179. Acesso em: 11 jan. 2023.

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[1] Mestre em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação pelo Instituto Federal da Bahia em 2022.

[2] Doutor em Engenharia Industrial pela Universidade Federal da Bahia em 2016.

[3] Doutor em Ciências pela Universidade Estadual de Campinas em 2007.