PRÁTICAS ÁGEIS NO SETOR PÚBLICO

estrutura de governança do acordo de reparação de Brumadinho à luz do framework Scrum

Luisa Silva Guimarães[1]

Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais

            luisasguimaraes@yahoo.com.br

Giovanna Lunardi Toledo[2]

Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais

giovanna.lunardi@hotmail.com

Karen Christine Dias Gomes Rodrigues[3]

Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais

karen.chrisdg@gmail.com

Patrícia Nascimento Silva[4]

Universidade Federal de Minas Gerais

patricians.prof@gmail.com

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Resumo

Este relato de experiência visa analisar as práticas ágeis adotadas na articulação institucional para implementação do Acordo Judicial de Reparação de Brumadinho, elucidando os desafios e soluções adotadas para promover o avanço contínuo das iniciativas previstas. Por meio da revisão teórica dos conceitos de métodos ágeis – especificamente do framework Scrum, e da contextualização do Acordo Judicial celebrado, foi realizada a observação do processo de consolidação da estrutura vigente, com ênfase aos Anexos I.3 e I.4. Com uma estrutura de governança simplificada, o Acordo pretendeu garantir agilidade e efetividade da tomada de decisão e, consequentemente, de implementação das medidas de reparação, promovendo também o envolvimento de representantes de várias pastas responsáveis pelo manejo dos efeitos do evento. Por sua vez, a atuação conjunta dessas instituições tem demandado a criação de fluxos e procedimentos inovadores, que permitam a cooperação e coordenação, sem prejuízo de suas competências legais e de sua autonomia. O framework Scrum se mostrou aplicável em parte significativa desse “projeto”, sendo possível sua adaptação no contexto analisado. No entanto, para uma maior efetividade, o método precisa ser cultuado e difundido para todos os atores envolvidos. Apesar dos encaminhamentos e resultados alcançados, identificam-se ainda desafios diante desta dinâmica, visando garantir o pleno envolvimento e participação de todos os atores no processo de discussão para as deliberações e tomada de decisão. Para trabalhos futuros, sugere-se expandir a análise das práticas do Scrum no Acordo e também nos projetos relacionados, em especial nos projetos destinados às Comunidades e Povos Tradicionais.

Palavras-chave: Gestão de projetos; Metodologias ágeis; Scrum; Gestão do conhecimento.

AGILE PRACTICES IN THE PUBLIC SECTOR

 governance structure of the Brumadinho repair agreement in the light of the Scrum framework

Abstract

This experience report aims to analyze the agile practices adopted in the institutional articulation to implement the Brumadinho Judicial Reparation Agreement, elucidating the challenges and solutions adopted to promote the continuous advancement of the planned initiatives. Through the theoretical review of the concepts of agile methods – specifically the Scrum framework, and the contextualization of the concluded Legal Agreement, the process of consolidating the current structure was observed, with emphasis on Annexes I.3 and I.4. With a simplified governance structure, the Agreement intended to guarantee agility and effectiveness in decision-making and, consequently, the implementation of reparation measures, also promoting the involvement of representatives from various departments responsible for managing the effects of the event. In turn, the joint action of these institutions has required the creation of innovative flows and procedures, which allow cooperation and coordination, without compromising their legal powers and autonomy. The Scrum framework proved to be applicable in a significant part of this “project”, making it possible to adapt it to the analyzed context. However, for greater effectiveness, the method needs to be cultivated and disseminated to all actors involved. Despite the progress and results achieved, challenges are still identified in this dynamic, aiming to ensure the full involvement and participation of all actors in the discussion process for deliberations and decision-making. For future work, it is suggested to expand the analysis of Scrum practices in the Agreement and also in related projects, especially in projects aimed at Traditional Communities and Peoples.

Keywords: Project management; Agile methodologies; Scrum; Knowledge management.

 

1  INTRODUÇÃO

Em 25 de janeiro de 2019, no município de Brumadinho, no estado de Minas Gerais, Brasil, ocorreu o rompimento da Barragem I (B-I), da Mina Córrego do Feijão, que causou, em sequência, o rompimento das barragens B-IV e B-IV-A. O rompimento gerou um carreamento de aproximadamente 12 milhões de m³ de rejeitos, que se distribuíram na calha do ribeirão Ferro-Carvão e no Rio Paraopeba, propagando-se até o remanso da Usina Hidrelétrica (UHE) de Retiro Baixo, entre os municípios de Pompéu e Curvelo.

O desastre, de significativa dimensão, provocou a morte de 272 pessoas – sendo dois nascituros. Até novembro de 2023, após mais de quatro anos do início da operação de buscas do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) e as ações de identificação do Instituto Médico Legal (IML) da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), três jóias - como são chamadas pelos familiares - ainda não haviam sido encontradas. Além das perdas humanas, outros impactos diversos foram causados, com destaque para os danos socioeconômicos e socioambientais diretos em Brumadinho, em outros municípios da calha do Rio Paraopeba e em todo o estado de Minas Gerais.

Diversas ações emergenciais se iniciaram logo após a ocorrência do desastre. Uma série de instituições se envolveram na execução e no acompanhamento das medidas promovidas nos meses seguintes e, após uma sucessão de debates e negociações, foi firmado um Acordo Judicial de Reparação, em 04 de fevereiro de 2021. Mediado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), o Acordo Judicial tem como objetivo promover a reparação dos danos socioeconômicos e socioambientais gerados pelo rompimento nos 26 municípios considerados atingidos e em todo o Estado de Minas Gerais - tendo como Compromitentes o Governo do Estado de Minas Gerais, o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) e a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG), e como Compromissária a mineradora Vale S.A.

Além de Brumadinho, foram consideradas diretamente atingidas as cidades de Abaeté, Betim, Biquinhas, Caetanópolis, Curvelo, Esmeraldas, Felixlândia, Florestal, Fortuna de Minas, Igarapé, Juatuba, Maravilhas, Mário Campos, Mateus Leme, Morada Nova de Minas, Paineiras, Papagaios, Pará de Minas, Paraopeba, Pequi, Pompéu, São Gonçalo do Abaeté, São Joaquim de Bicas, São José de Varginha e Três Marias.

O Acordo Judicial de Reparação se organiza em anexos[5], além de outras ações específicas previstas em seu texto. Este relato de experiência tem como objeto de análise os processos de coordenação – intra e extra governamental – e a estrutura de governança criada pelo Acordo no âmbito dos Anexos I.3 e I.4[6], inseridos como subitens do Anexo I – que trata do Programa de Reparação Socioeconômica.

O Anexo I.3 - Projetos para a Bacia do Paraopeba prevê a execução de um montante de R$ 2,5 bilhões em projetos de reparação socioeconômica enquanto, regra geral, obrigações de fazer pela Vale S.A. - situação onde fica definido que a empresa deve executar as ações - a serem distribuídos entre os 25 municípios atingidos, a partir de critérios pré-definidos e explicitados no próprio Acordo Judicial. O Anexo I.4 - Projetos para Brumadinho conta com R$1,5 bilhão para a execução de projetos de reparação socioeconômica, especificamente em Brumadinho, município onde o rompimento ocorreu, também de obrigações de fazer pela Vale S.A, em regra. Tais projetos possuem como premissa o fortalecimento dos serviços públicos existentes, contemplando assim áreas temáticas como saúde, infraestrutura rural e urbana, agricultura, pecuária e abastecimento, desenvolvimento social, entre outras.

O caráter intersetorial das ações necessárias à reparação integral demanda a atuação coordenada de diferentes instituições públicas e a permanente interlocução com diversos atores envolvidos neste processo. Dessa forma, buscou-se a criação de uma estrutura de governança ágil, enxuta e efetiva – sendo, para tanto, instituído um modelo decisório simplificado, contando com uma única instância deliberativa composta pelas instituições públicas, referidas no contexto do Acordo como Compromitentes.

Diante do exposto, destaca-se a existência de diversos desafios para que os processos brevemente detalhados acima fossem colocados em curso. Nesse sentido, tem-se como objetivo geral deste estudo analisar as práticas ágeis adotadas no processo de articulação institucional com vistas a garantir o cumprimento do processo de reparação previsto no Acordo Judicial, elucidando os desafios e as soluções adotadas para garantir o avanço contínuo das iniciativas. Como objetivos específicos, buscou-se: (i) revisar as perspectivas teóricas acerca dos conceitos de métodos ágeis, mais especificamente, do framework Scrum; (ii) contextualizar o Acordo Judicial celebrado, por meio da descrição e análise do processo de consolidação da estrutura de governança vigente, com ênfase aos Anexos I.3 e I.4 e (iii) identificar associações e correlações da estrutura de governança com o Scrum, propondo possíveis agendas posteriores de pesquisa.

Além da perspectiva de pesquisa envolvendo métodos ágeis, destaca-se que este relato publiciza as ações do Acordo para a sociedade e contribui com o registro das ações e a gestão de conhecimento em projetos de natureza complexa, envolvendo diversos atores.

 

2 METODOLOGIAS ÁGEIS NO SERTOR PÚBLICO

Os métodos ágeis emergiram na década de 1990, no contexto de expansão da área de Tecnologia da Informação (TI), com o objetivo de pensar sobre o desenvolvimento de software, metodologias e organizações, de maneiras novas e mais ágeis (Highsmith, 2001). O termo se popularizou e deu origem, nos anos 2000, ao “Manifesto Ágil”, que se consolidou com princípios comuns compartilhados por esses métodos (Agile Manifesto, 2001).

No Manifesto Ágil, os princípios relacionados ao desenvolvimento ágil de software incluem a valorização de pessoas e suas interações em detrimento de processos e ferramentas; a priorização do software funcional mais do que a de um conjunto extenso de documentações; a importância da colaboração com o cliente mais do que o foco na negociação de contratos; e a flexibilidade às adaptações ao invés da adoção de planos rígidos (Pressman, 2006).

O Manifesto é ainda fundamentado em doze princípios, que enfatizam a importância da satisfação do cliente através da entrega rápida e contínua de software, da capacidade de adaptação à mudanças nos requisitos durante a execução, e da comunicação direta com a equipe de desenvolvimento (Agile Manifesto, 2001). Isso se manifesta na forma como os requisitos são criados de maneira flexível, no desenvolvimento evolutivo por meio da colaboração entre a equipe, na autonomia de equipes auto-organizadas, na capacidade de se ajustar a mudanças, e na constante melhoria do processo.

Com o tempo, o rápido desenvolvimento da TI deu base para o surgimento desta e outras práticas ágeis, que foram incorporadas e adaptadas à diversas áreas de trabalho. Alguns métodos priorizaram práticas específicas, como o eXtreme Programming (XP), enquanto outros se concentraram na especificação e desenvolvimento de requisitos, como o Feature-driven Development (FDD). Além disso, algumas abordagens se concentraram no gerenciamento eficaz do fluxo de trabalho, como é o caso do Kanban e do Scrum, por exemplo (Highsmith, 2001).

O Scrum é um framework que auxilia pessoas, equipes e organizações na geração de valor, por meio de soluções flexíveis para problemas complexos. A eficácia do uso do Scrum depende da adoção de cinco valores essenciais, sendo estes: compromisso, foco, abertura, respeito e coragem. Um Time Scrum é composto por três papéis-chave: um Scrum Master (responsável por manter a estrutura do processo do Scrum e oferecer orientação teórica e prática), um Product Owner (encarregado de maximizar o valor do produto e representar as necessidades das partes interessadas) e os desenvolvedores. Dentro desse time, não existem divisões internas ou hierarquias; todos trabalham como uma unidade coesa de profissionais, concentrados em um objetivo de cada vez e no desenvolvimento do produto (Schwaber; Sutherland, 2020).

O produto passa por um processo de desenvolvimento, organizado em iterações –denominadas Sprints, de modo que cada Sprint envolve a realização de um conjunto específico de tarefas, onde ideias são transformadas em valor. O Product Backlog consiste em uma lista de prioridades, que contém todos os elementos necessários para aprimorar e construir o produto. Essa lista é a única fonte de trabalho a ser executado pela equipe Scrum. A responsabilidade pelo Product Backlog, abrangendo seu conteúdo, acessibilidade e priorização, cabe ao Product Owner (Schwaber; Sutherland, 2020).

A Sprint Planning é a cerimônia que dá início a uma Sprint, ao estabelecer as atividades a serem realizadas, sendo este plano desenvolvido de maneira colaborativa pelo Time Scrum. Ao longo da Sprint, ocorrem as reuniões diárias conhecidas como Daily Scrum, cujo propósito é avaliar o progresso em direção ao objetivo acordado, e ajustar o Sprint Backlog conforme necessário, preparando-se para o próximo conjunto de tarefas planejadas. Após a conclusão de uma Sprint, ocorre a Sprint Review, que apresenta os resultados aos stakeholders, e a Sprint Retrospective, que consiste em uma análise do resultado entregue, identificação de melhorias futuras e planejamento de maneiras para elevar a qualidade e a eficiência do processo (Schwaber; Sutherland, 2020).

As metodologias ágeis valorizam, portanto, flexibilidade e a adaptação às mudanças entre os ciclos de desenvolvimento do projeto, assim como promove a transparência e inspeção, tanto para a equipe quanto para o cliente. É importante observar que o foco das metodologias ágeis considera mudanças e valoriza a interação com o cliente, divergindo de métodos tradicionais, que consideravam sumariamente o planejamento inicial e orçamento rígidos, com ênfase no produto final. Essas características propõem uma mudança de mentalidade e do foco do objeto para o sujeito – cliente.

Considerando as características das metodologias ágeis e cenário desafiador da administração pública, onde recursos são escassos, a necessidade de fomentar inovação e criatividade se destaca, demandando esforços colaborativos para viabilizar a mudança. Surge, portanto, a fundamental questão de como transformar os recursos humanos nas organizações públicas, muitos deles há décadas em funções estáticas, em ativos capazes de conferir vantagem competitiva e contribuir com soluções (Vacari, 2015).

Feitosa (1996) aponta que sugestões ou propostas para a implantação de práticas ágeis devem ser precedidas por um profundo entendimento da cultura organizacional, abrangendo a análise de diferentes setores, histórico da organização, projetos anteriores, além de observação atenta da rotina dos colaboradores. No setor público, onde a resistência à mudança é notável, devido à associação entre comodismo e estabilidade, a inovação se depara com desafios adicionais, uma vez que introduz incertezas e turbulências no ambiente organizacional, o que pode resultar em resistência decorrente da transição do indivíduo de um ambiente conhecido para um desconhecido (Feitosa, 2016, p 04).

Assim, no contexto do setor público, particularmente com a expansão da New Public Management[7], surgiram inúmeros desafios. Embora a prestação de serviços públicos continue sendo uma responsabilidade estatal, essa nova forma de administração introduziu mudanças significativas, tratando o cidadão como um cliente e incorporando elementos de e-government e serviços eletrônicos (Bresser-Pereira, 2005). Conforme destacado por Abel (2017), a aplicação de práticas ágeis de desenvolvimento de software, e outros produtos e projetos, em organizações públicas pode ser desafiadora, em grande parte, em decorrência da cultura organizacional existente e da resistência dos seus colaboradores em adotar inovações e ferramentas modernas em um contexto que muitas vezes permanece anacrônico.

 

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Alinhado à proposta da pesquisa, de elucidar as práticas ágeis adotadas para consolidar uma efetiva articulação institucional para garantia do cumprimento do processo de reparação do caso Brumadinho, pode-se dizer que, a partir da definição de Gil (1999), o presente trabalho é classificado como uma pesquisa descritiva. Isso porque tem por finalidade observar, descrever e analisar a realização deste processo, de forma a promover um estudo detalhado, com coleta de dados, análise e interpretação deles.

Quanto à abordagem, a pesquisa é caracterizada como qualitativa, uma vez que abrange um mosaico de orientações, com multiplicidades de interpretações do mesmo evento, os quais serão parte do seu processo de formulação (Yin, 2016). A abordagem qualitativa se justifica por se tratar de uma forma adequada para se entender a natureza de um fenômeno social, sendo o ambiente natural a fonte direta para coleta de dados, e sendo o pesquisador o instrumento-chave (Silva, 2005).

Dentre os métodos utilizados em pesquisas qualitativas, ela se caracteriza como um estudo de caso, pois segundo Creswell (2014) os estudos de caso qualitativos possuem, como características definidoras, o estudo em profundidade de um caso peculiar, que geralmente implica em terminar com conclusões a respeito do significado global do caso. Nesta pesquisa, especificamente, o caso em estudo considera as práticas ágeis adotadas no processo de articulação institucional com vistas a garantir o cumprimento do processo de reparação previsto no Acordo Judicial. Nessa perspectiva, foram reunidas informações detalhadas e sistemáticas sobre o fenômeno estudado, principal propósito de um estudo de caso, segundo Patton (2002). A escolha desta estratégia de pesquisa se justifica em função de seu objetivo de compreender uma situação em profundidade, enfatizando seu significado para os envolvidos (Yin, 2014).

Para tanto, no que diz respeito às técnicas de coleta de dados, três fontes foram utilizadas: a observação participante dos autores, a pesquisa bibliográfica acerca do tema de métodos ágeis de gestão de projetos e o framework Scrum e, por fim, a pesquisa documental do processo, por meio de documentos e informações disponibilizadas em no site oficial do Governo do Estado de Minas Gerais de divulgação das ações do Acordo Judicial[8], e da Auditoria Socioeconômica independente, Fundação Getúlio Vargas (FGV)[9]. Esta documentação compreende as legislações que instituem e regulamentam a estrutura de governança do Acordo Judicial, assim como os dados afetos à execução dos seus Anexos, e resultados já alcançados.  Destaca-se ainda que o Guia Scrum foi um dos documentos essenciais para identificar as definições do Scrum, permitindo o entendimento do método, associações e correlações com o projeto analisado. A relação de materiais utilizados na pesquisa documental é apresentada no Quadro 1 - Documentação Interna.

 

 

 

 

 

Quadro 1 - Documentação Interna

Documento

Descrição

Link

Período/

Data

Decreto NE 176

Institui o Comitê Gestor Pró-Brumadinho em decorrência da ruptura da Barragem I da Mina do Córrego do Feijão

http://jornal.iof.mg.gov.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/214887/caderno1_2019-02-27%201.pdf?sequence=1

26 de fevereiro de 202

Decreto 48.183

Institui a regência do Comitê Pró-Brumadinho

https://www.mg.gov.br/sites/default/files/geral/decreto_48.183_2021.pdf

30 de abril de 2021

Resolução SEPLAG Nº 036

Regulamenta a organização e o funcionamento da Coordenação Geral do Comitê Gestor Pró-Brumadinho

https://www.mg.gov.br/sites/default/files/paginas/imagens/probrumadinho/resolucao-seplag_036_13.05.21.pdf

13 de maio de 2021

Decreto nº 48.636

Dispõe sobre a organização da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais (SEPLAG-MG) - a qual pertence o Comitê Gestor Pró Brumadinho

https://www.almg.gov.br/legislacao-mineira/texto/DEC/48636/2023/

19 de junho de 2023

Acordo Judicial para Reparação Integral Relativa ao Rompimento das Barragens B-I, B-Iv E B-Iva / Córrego Do Feijão - Processo De Mediação Sei N. 0122201-59.2020.8.13.0000 Tjmg / Cejusc 2º Grau

Define as obrigações de fazer e de pagar da Vale, visando à reparação integral dos danos, impactos negativos e prejuízos socioambientais e socioeconômicos causados em decorrência do rompimento, e seus desdobramentos, conforme a solução e adequação técnicas definidas para cada situação.

https://aapm.homologacao.prodemge.gov.br/sites/default/files/paginas/imagens/probrumadinho/Minuta%20versao%20final.pdf.pdf

04 de fevereiro de 2021

Resolução SEPLAG Nº 84

Informa representantes indicados pelas instituições públicas Compromitentes do Acordo Judicial

https://www.mg.gov.br/sites/default/files/geral/resolucao_084_seplag.pdf

07 de outubro de 2021

Consulta Popular - Acordo Judicial para Reparação Integral Relativa ao Rompimento das Barragens B-I, B-Iv E B-Iva / Córrego Do Feijão

Todas as informações afetas ao processo e resultados da Consulta Popular  previsto para a execução do Acordo Judicial de Reparação

https://www.mg.gov.br/pro-brumadinho/pagina/consulta-popular-reparacao-brumadinho-saiba-tudo-sobre-o-processo-consultivo

05 de novembro de 2021

Anexo I.3 - Acordo Judicial para Reparação Integral Relativa ao Rompimento das Barragens B-I, B-Iv E B-Iva / Córrego Do Feijão

Todas as informações afetas à execução do Anexo I.3 do Acordo Judicial de Reparação

https://www.mg.gov.br/pro-brumadinho/pagina/reparacao-brumadinho-projetos-de-fortalecimento-dos-servicos-publicos-bacia-do-paraopeba

A partir de janeiro de 2022

Anexo I.4 - Acordo Judicial para Reparação Integral Relativa ao Rompimento das Barragens B-I, B-Iv E B-Iva / Córrego Do Feijão

Todas as informações afetas à execução do Anexo I.4 do Acordo Judicial de Reparação

https://www.mg.gov.br/pro-brumadinho/pagina/reparacao-brumadinho-fortalecimento-dos-servicos-publicos-em-brumadinho

A partir de janeiro de 2022

Fonte: Elaboração Própria

 

Cabe destacar que a observação participante foi possível considerando que três dos autores atuam como servidoras públicas efetivas lotadas no Comitê Pró-Brumadinho, vinculado à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão. Destaca-se a atuação de dois desses autores, especificamente, no Núcleo de Projetos Socioeconômicos para a Bacia do Rio Paraopeba, que atua diretamente no acompanhamento e coordenação para implementação dos projetos dos Anexos I.3 e I.4.

Por fim, o estudo considerou o recorte temporal de 2021, desde o momento de assinatura e homologação do Acordo Judicial - e, portanto, início das ações de execução, até o presente momento, novembro de 2023, considerando os resultados físicos e financeiros apresentados.

 

4 ESTRUTURA DE GOVERNANÇA DO ACORDO À LUZ DO FRAMEWORK SCRUM

Pouco mais de 2 anos após o rompimento, considerando diversas rodadas de negociações, foi celebrado, em 04 de fevereiro de 2021, o Acordo Judicial de Reparação, entre os Compromitentes e Vale S.A – Compromissária, com mediação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no valor econômico de R$37,68 bilhões, contemplando a reparação dos danos coletivos e difusos, não abarcando as indenizações individuais nem as ações criminais (cujos processos continuam correndo normalmente).

É sabido, contudo, que a celebração do Acordo, por si só, não é suficiente para garantir que sua execução ocorrerá e de forma adequada. Ainda que se tenha um instrumento com premissas claras e que haja disposição das partes, diversos fatores influenciam sua implementação. Dentre esses fatores, destacam-se a consolidação de uma estrutura de governança ágil, arranjos institucionais bem estabelecidos, sustentados por interações dinâmicas entre os atores, papéis bem definidos, fluxos de melhoria contínua organizados e realização de entregas incrementais ao processo – com vista à solução de problemas e tomada de decisão, conforme aqui se pretende analisar.

Com isso, foi possível apontar a consonância desta configuração com os preceitos da abordagem ágil, preconizada também pela capacidade de responder às mudanças, equilibrando flexibilidade e estabilidade (Highsmith, 2004). O Acordo Judicial tem o prazo de dez anos para sua conclusão (Minas Gerais, 2021) que engloba, necessariamente, a reparação integral dos municípios atingidos, sob a perspectiva socioambiental e socioeconômica. Dessa forma, compreendendo este período como um tempo considerável e, por vezes longo, sob a perspectiva da população atingida, entende-se que a criação desta estrutura de governança e funcionamento contribui também para que os resultados sejam garantidos de forma contínua. Isso quer dizer que a adoção de uma abordagem simplificada de funcionamento também possibilita a manutenção de um fluxo de priorização de demandas e realização de entregas incrementais – que têm sido efetivas, como será apresentado adiante.

Dessa forma, foi instituído o chamado “Colegiado dos Compromitentes”, composto por representantes dos órgãos públicos signatários do Acordo Judicial – Governo do Estado de Minas Gerais, o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) e a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG) – e com atuação focada na tomada de decisão, direcionamentos e interlocuções que envolvem sua implementação, em especial as obrigações de fazer da Vale S.A, em que a empresa mineradora é responsável pela execução das iniciativas, e projetos que envolvem diretamente as comunidades e municípios atingidos.

Na intenção de realizar um paralelo com o arcabouço bibliográfico apresentado, entendendo a execução do Acordo Judicial (em sua integralidade) como uma iniciativa e, finalmente, considerando a estrutura ágil de governança apresentada, pode-se sinalizar a similaridade do papel realizado pelo Colegiado de Compromitentes ao desempenhado pelo Product Owner (PO), no framework Scrum. Cabe ao PO representar os interesses dos stakeholders, coordenar as necessidades do cliente às partes interessadas, a fim de agregar valor ao processo, e definir as prioridades de execução, figurando como guardião do processo (Highsmith, 2004) – papel atualmente realizado pelo governo do Estado de Minas Gerais, junto às instituições de justiça.

Para isso, foi estabelecida uma rotina de reuniões, regra geral, semanais, que viabilizam a interação entre os representantes do Colegiado dos Compromitentes, por meio do debate sobre os temas apresentados, da análise sobre as alternativas possíveis, da priorização das ações a serem executadas, do encaminhamento das decisões tomadas e do acompanhamento dos resultados esperados. No geral, busca-se a tomada de decisão por consenso, ouvindo a posição de cada instituição, cedendo no que é possível e, quando o consenso não é obtido, busca-se a formação de maioria por votação. Em relação a similaridades das reuniões, o Quadro 2 - Cerimônias do Acordo Judicial de Reparação Integral de Brumadinho à luz do framework Scrum apresenta a relação de cerimônias do Scrum com as reuniões realizadas.

 

 

 

 

 

 

 

Quadro 2 - Cerimônias do Acordo Judicial de Reparação Integral de Brumadinho à luz do framework Scrum

Cerimônia Scrum

Correspondente ao Acordo

Duração

Atores

Observação

Daily Scrum - Compromitentes

Reunião semanal entre os Compromitentes

1 a 2 horas

Compromitentes - Estado de Minas Gerais (Comitê Pró-Brumadinho e órgãos eventualmente acionados), Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público Federal, Defensoria Pública

Pauta previamente definida, encaminhamentos registrados e operacionalizados na sequência pela Secretaria Executiva do Comitê Pró-Brumadinho

Daily Scrum - Vale

Reunião semanal entre os Compromitentes e a Vale

40 a 60 minutos

Compromitentes - Estado de Minas Gerais, Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público Federal, Defensoria Pública - e Vale S.A

Pauta previamente definida, encaminhamentos operacionalizados na sequência pela Secretaria Executiva do Comitê Pró-Brumadinho e pela Vale S.A.

Sprint Planning

Emissão de ordem de início de projetos

Conforme demanda

Compromitentes e Fundação Getulio Vargas (FGV)

Emissão de ordem de início formalizada por meio de ofício dos Compromitentes acompanhada de parecer da FGV

Sprint Review

Emissão de Relatórios e Apresentação de Síntese de Monitoramento

30 minutos, por mês, em uma das reuniões semanais entre os Compromitentes

Compromitentes e Fundação Getulio Vargas (FGV)

Os produtos de monitoramento elaborados pela FGV contribuem para apresentar resultados parciais aos demais atores e sinalizar pontos críticos

Sprint Retrospective - por projeto

Emissão de pareceres de avaliação ex-post e de quitação

Conforme demanda

Compromitentes e Fundação Getulio Vargas (FGV)

Pareceres de avaliação ex-post dos projetos, emitidos pela FGV, subsidiam a emissão de documentos de quitação pelos Compromitentes à Vale

Sprint Retrospective - momentos-chave da reparação

Realização de eventos que marquem momentos-chave, tais como início efetivo ou entrega de ações relevantes e nos marcos anuais do Rompimento e do Acordo

Conforme demanda

Compromitentes, Vale S.A., representantes políticos

Esforço para melhor comunicação junto aos principais atores, em especial a população atingida

Fonte: Elaboração própria

 

As agendas tem a intenção de ser objetivas, durando cerca de 1 a 2 horas entre os Compromitentes e de 40 a 60 minutos entre os Compromitentes e a Vale. Nesse sentido, guardadas as devidas as proporções, e considerando o alto nível de complexidade das atividades realizadas, mas também observando o papel que esta cerimônia desempenha, é possível fazer uma comparação com a Daily Scrum – entendendo, principalmente, o seu papel chave para a inspeção e a adaptação do processo ágil (Schwaber; Sutherland, 2020).

A partir de uma dinâmica de reuniões ordinárias semanais ou reuniões extraordinárias - conforme necessidade -, com pauta previamente estabelecida, o Colegiado analisa as demandas apresentadas pelos diversos stakeholders envolvidos no processo de reparação, formulando deliberações e propondo encaminhamentos tempestivos, fundamentados em análises técnicas e manifestações dos órgãos competentes ou das auditorias independentes. De maneira similar, são realizadas reuniões ordinárias semanais ou reuniões extraordinárias - conforme necessidade – entre Compromitentes e Vale S.A., de forma a direcionar a atuação da empresa nas ações de reparação, apontar as prioridades de execução, tratar pontos que demandem alinhamento, acompanhar o andamento das ações já em execução, dentre outros. As reuniões possuem agenda fixa às terças-feiras, sendo de 15h às 17h entre os Compromitentes e de 17h às 18h com a Vale.

Outro momento importante na implementação das ações de reparação é a emissão da ordem de início dos projetos, que pode ser entendida como uma cerimônia de Sprint Planning. Após inclusão na pauta da  reunião semanal entre os Compromitentes, ofício que formaliza a autorização para início é assinado por seus representantes e enviado à Vale S.A. em conjunto com parecer emitido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), responsável pela auditoria socioeconômica desses projetos de obrigação de fazer da Vale S.A. Cabe registrar que, para realizar sua análise e elaborar seu parecer, a FGV pode demandar informações complementares da Vale S.A. juntamente com a realização de reuniões com a empresa e o Comitê Pró-Brumadinho ou todos os Compromitentes, conforme necessidade.

A realização de monitoramento por parte da FGV junto à Vale S.A. e a consolidação das informações em Relatórios detalhados e em apresentações sintéticas aos Compromitentes também pode ser vista como parte do modelo de implementação das ações de reparação e pode ser correlacionada ao Sprint Review. Aqui, porém, observam-se oportunidades de melhoria em relação à efetiva utilização do relatório para compreensão do status dos projetos, considerando que sua grande extensão (cerca de 600 páginas, todo mês) e sua linguagem limitam o interesse dos leitores. Têm sido oferecidas diversas sugestões de aprimoramento e de elaboração de apresentações mais sintéticas e focadas em problemas a serem deliberados pelos Compromitentes, também de forma mensal. Na percepção dos autores, tais melhorias ainda estão em curso, com espaço para se tornarem ainda mais aderentes às metodologias ágeis.

Por fim, é possível correlacionar a cerimônia de Sprint Retrospective a dois momentos na implementação das ações de reparação socioeconômica. O primeiro diz respeito à conclusão individual de cada projeto, na qual a Vale S.A. encaminha documentações comprobatórias e demais informações à FGV, que realiza a chamada “avaliação ex-post” buscando identificar o cumprimento do objetivo do projeto no custo e prazo acordados, os resultados entregues e eventuais melhorias futuras; parecer emitido pela FGV que subsidia a emissão, pelos Compromitentes, de comprovante de quitação daquela obrigação, cuja soma tende a atestar o cumprimento global do Acordo Judicial. Outro momento que pode ser visto como Sprint Retrospective são marcos-chave na reparação, que acontecem conforme identificação da oportunidade e demanda, tais como início efetivo de algum projeto relevante, como obras de maior porte, ou a realização de entregas efetivas à população atingida, além dos marcos anuais do Rompimento e da celebração do Acordo Judicial; nesses momentos, normalmente são realizados eventos, de menor ou maior porte, envolvendo os atores interessados, em especial a população atingida e seus representantes, funcionando como uma forma mais efetiva de comunicação do andamento das ações de reparação e, em alguns casos, como oportunidade de realização de um balanço geral do cumprimento do Acordo.

À luz do Scrum, e considerando o papel que cabe à Vale S.A – de executora dos projetos de reparação, pode-se identificar a empresa mineradora como time desenvolvedor. Aqui também emerge fortemente a necessidade de coordenação para compreensão das questões a serem debatidas, das alternativas possíveis, com seus prós e contras, e, preferencialmente de forma prévia, é fundamental a realização de alinhamento entre os Compromitentes para que o posicionamento “azeitado” do Poder Público siga mostrando força e coerência diante da empresa. Nesse sentido, é reafirmada a valorização dos indivíduos e interações em detrimento ao cumprimento puro de processos e ferramentas, previsto na abordagem ágil (Pressman, 2006).

Na esteira deste raciocínio, é possível também trazer a ideia do Product Backlog, compreendida como uma lista ordenada do que é necessário para desenvolver e melhorar no produto, sendo a fonte do trabalho a ser desenvolvido pelo Time Scrum (Schwaber; Sutherland, 2020) – aqui já apontado como o time da Vale S.A, que deve executar o montante financeiro previsto nos Anexos I.3 e I.4 do Acordo Judicial. Para que ocorra a aplicação desse recurso, as comunidades atingidas e as prefeituras municipais tiveram um período pré-estabelecido para o encaminhamento de propostas de projetos, que foram somadas às já previstas no texto do Acordo - estruturadas pelos órgãos públicos estaduais. A partir da consolidação de todas essas propostas, foi realizada uma Consulta à população atingida para fins de priorização, conforme também previsto pelo próprio Acordo, visando subsidiar a tomada de decisão dos Compromitentes, reforçando aqui o papel deste colegiado como Product Owner, em relação aos projetos de reparação socioeconômica a serem executados. O Quadro 3 - Papéis desempenhados na estrutura de governança do Acordo Judicial de Reparação Integral de Brumadinho à luz do framework Scrum sintetiza os atores Scrum no contexto do Acordo.

 

Quadro 3 - Papéis desempenhados na estrutura de governança do Acordo Judicial de Reparação Integral de Brumadinho à luz do framework Scrum

Papel Scrum

Papel correspondente no Acordo Judicial

Observações

Product Owner

Colegiado de Compromitentes do Acordo Judicial de reparação - considerando, portanto, o Governo do Estado de Minas Gerais, o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) e a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG).

Esta correspondência se justifica, principalmente, pelo papel de priorização desempenhado pelos Compromitentes, frente às propostas disponibilizadas para execução dos projetos de reparação socioeconômica.

Scrum Master

Secretaria Executiva do Comitê Pró-Brumadinho

O papel desempenhado pela Secretaria Executiva garante que as equipes sigam os procedimentos burocráticos e metodológicos de execução das ações do Acordo Judicial, buscando remover quaisquer impedimentos que possam afetar a produtividade e o sucesso desta frente.

Time de Desenvolvimento

Vale S/A

À luz do Scrum, e considerando o papel que cabe à Vale S.A – de executora dos projetos de reparação, pode-se identificar a empresa mineradora como time desenvolvedor.

Cliente

População dos municípios atingidos

Considerando o objetivo do Acordo Judicial e as condições que levaram à sua criação, pode-se entender que o cliente final da realização das iniciativas previstas, à luz da abordagem ágil analisada, é a população atingida pelo rompimento da barragem.

    Fonte: Elaboração própria

 

Entre os dias 05 e 22 de novembro de 2021, o processo de priorização no âmbito da Consulta Popular foi realizado por 10.843 cidadãos participantes, de 26 municípios, totalizando 162.645 prioridades indicadas. O resultado completo e consolidado, por município, foi publicado na íntegra no Portal Pró-Brumadinho[10]. Contextualiza-se que a priorização envolveu a indicação de temas e subtemas prioritários que, conforme definição do Acordo, dão suporte à definição, pelas instituições Compromitentes, dos projetos. Entre julho e setembro de 2022, os Compromitentes realizaram a segunda etapa do processo consultivo, dessa vez de forma focalizada e específica para os Povos e Comunidades Tradicionais da região atingida. O Acordo Judicial tem como premissa a observância às especificidades e singularidades destes povos e comunidades, que puderam participar ativamente na indicação de prioridades, que levaram à definição de novos projetos a serem detalhados e implementados pela Vale.

Conforme já mencionado, é a partir deste Product Backlog, que surge a noção de Sprint como o período durante o qual uma equipe de desenvolvimento trabalha para criar um incremento de um produto potencialmente entregável Scrum (Schwaber; Sutherland, 2020). Dessa forma, não é possível afirmar que a estrutura atualmente vigente prevê a realização de Sprints padronizadas: nem sempre um período dedicado à implementação de uma seleção de itens advém de um único item constante no Product Backlog. Apesar disso, permanece a lógica de que as equipes primam pela entrega de valor incremental de forma consistente ao longo do tempo. É possível ainda ponderar que os tempos de entrega são realizados conforme as exigências do Acordo Judicial, mediante as priorizações do Colegiado de Compromitentes.

Outra importante estrutura prevista no próprio Acordo Judicial, que impacta a lógica da governança e promove a coordenação, é a Secretaria Executiva, responsável por articular as ações do Colegiado de Compromitentes, assim como a comunicação formal junto à Vale e demais atores do processo (sendo prefeituras municipais, órgãos estaduais, assessorias técnicas independentes, atores políticas, entre outros). A Secretaria é exercida pelo Poder Executivo Estadual, com o papel de articular as ações dos Compromitentes, por meio da coordenação do Comitê Gestor Pró-Brumadinho (Minas Gerais, 2021). É papel dessa instância formar a pauta das agendas semanais, organizar a preparação prévia do material a ser discutido nas reuniões, propor o ritmo do processo decisório, registrar os encaminhamentos dados durante as reuniões, assim como gerar os artefatos de formalização das reuniões, coletar as assinaturas que formalizam tais decisões, enviar aos destinatários e estruturar a organização dessas informações de forma a deixá-los disponíveis a eventuais demandas, assim como garantir a transparência e a publicidade das informações à respeito das intervenções de responsabilidade do Poder Executivo Estadual no tocante ao rompimento.

Destaca-se que, para que a atuação da Secretaria Executiva seja efetiva, é fundamental a capacidade de articulação de todos os atores envolvidos em cada tema a ser pautado, com o alinhamento prévio de posicionamentos, identificação de pontos de dúvida ou de resistência e formulação de informações técnicas de qualidade para subsidiar a tomada de decisão. Dessa forma, a cada encontro, os Compromitentes conseguem compreender os temas que estão sendo postos para decisão, os problemas e as propostas de solução, buscando as decisões consensuais ou, se necessário, por votação e obtenção de maioria, sempre tendo como premissa a importância do alinhamento dos posicionamentos. Observando o Scrum, a Secretaria Executiva realiza um papel semelhante ao Scrum Master visando a facilitação dos processos, apoio à tomada de decisão e garantia de transparência.

Considerando o objetivo do Acordo Judicial e as condições que levaram à sua criação, pode-se entender que o cliente final da realização das iniciativas previstas, à luz da abordagem ágil analisada, é a população atingida pelo rompimento da barragem – representada pelas prefeituras dos municípios atingidos e Assessorias Técnicas Independentes, no caso dos Povos e Comunidades Tradicionais. Considerando este contexto, é importante chamar a atenção ao fato de que se trata de atores que não estão explicitamente representados na estrutura de governança apresentada – uma vez que não constam como signatários do Acordo, mas são indicados no Quadro 2, por participarem das cerimônias e interagir com os atores principais.

Dessa forma, compreendendo a importância elementar da representatividade e participação destes sujeitos no processo decisório, bem como agentes demandantes das ações de reparação socioeconômica, foram criados dois Núcleos dentro da estrutura do Comitê Gestor Pró- Brumadinho. O Núcleo de Projetos Socioeconômicos para a Bacia do Paraopeba, foi instituído para realização do contato intenso e direto com representantes das prefeituras, em especial pela característica dos projetos de fortalecimento do serviço público, legado e eventual demanda de custeio posterior. Nesse caso, foram definidos membros da equipe responsáveis por determinados municípios, permitindo identificação específica, maior conhecimento dos projetos e dos pontos focais, disponibilidade de atendimento, inclusive por meio de visitas presenciais, dentre outros.

Considerando o alto grau de complexidade do processo envolvido, um dos principais obstáculos ao sucesso das iniciativas, está em compreender e satisfazer as demandas do cliente. Frequentemente, o cliente não possui uma visão clara sobre a concepção do produto, o que torna essa tarefa ainda mais desafiadora. Nesse contexto, uma das opções para lidar com os desafios potenciais no processo de desenvolvimento é valorizar a sua participação ativa e o comprometimento. Isso implica na criação de um ambiente de interação com a equipe do projeto, permitindo uma gestão mais eficaz das mudanças, com entregas frequentes e em pequenas iterações (Vacari, 2015).

Por outro lado, o Núcleo de Articulação Social possui forte atuação de diálogo, escuta, absorção, compreensão e endereçamento de demandas das comunidades atingidas, familiares de vítimas fatais e as Assessorias Técnicas Independentes, buscando uma aproximação entre o Poder Público e a sociedade civil atingida e organizada. Além disso, espera-se a atuação das Instituições de Justiça enquanto defensoras e promotoras dos direitos difusos e coletivos.

Ainda no sentido de primar pelo constante diálogo e interação com os clientes do Acordo, foi consolidado o Portal Rio Paraopeba[11]. A promoção de transparência e publicidade se dá, dessa forma, por meio do site criado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) exclusivamente para apresentação das informações afetas às iniciativas contempladas nestes anexos. Fazendo um paralelo com o Scrum o site poderia ser associado ao quadro Scrum, onde o progresso das atividades planejadas pode ser acompanhado por todo o time. Desta forma, a dinâmica entre FGV, Núcleo de Projetos Socioeconômicos do Comitê Gestor Pró-Brumadinho e Compromitentes é também bastante próxima e composta por intensas discussões acerca das metodologias a serem adotadas, do andamento dos projetos e das métricas de mensuração de execução. É essencial que este arranjo funcione de forma coesa e alinhada, para que as decisões sejam tomadas de forma técnica e segura para garantir a execução dos projetos, deliberação em eventuais alterações e autorização de conclusão.

Diante todo contexto apresentado, observaram-se grandes avanços no âmbito da reparação socioeconômica do território atingido, principalmente no que diz respeito ao início de ações e entregas no território. A partir dos dois processos de participação popular, foram definidos até novembro de 2023, 200 projetos para a região atingida, sendo 165 projetos a serem executados do Anexo I.3 (25 municípios atingidos), 34 especificamente em Brumadinho (Anexo I.4) e 1 projeto definido para ambos.

Do total de projetos já definidos, 113 destes já tiveram seu início aprovado pelos Compromitentes do Acordo Judicial, sendo 3 já concluídos, 5 já com entregas já concluídas que atualmente estão em análise final pela Auditoria, e os demais 105 estão em fases preliminares à aprovação de execução do projeto, tal como elaboração de detalhamento do projeto pela Vale, análise pela Auditoria Socioeconômica de tal detalhamento, entre outros. Ademais, ainda no que tange o quantitativo geral de projetos definidos, 60 deles são de responsabilidade de execução pela empresa Vale, 48 projetos são executados pelas prefeituras e 5 são de responsabilidade de execução pela Vale e pela prefeitura em ações distintas de um mesmo projeto.

Conforme já mencionado, no tocante ao aspecto financeiro da reparação socioeconômica, foi prevista a execução de um montante de R$ 4 bilhões em projetos de fortalecimento do serviço público. Corrigido monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) desde a data de assinatura do Acordo Judicial, o montante de recurso corresponde a R$ 4,8 bilhões, dividindo-se em R$ 3 bi para os 25 municípios e R$ 1,8 bi para Brumadinho. Nesse sentido, considerando que os projetos cujo início já foi autorizado pelos Compromitentes somam mais de R$ 2,6 bilhões, verifica-se que mais da metade do recurso já foi destinada à reparação, dos quais R$ 826 mil estão sendo executados pela Vale e R$ 1,8 foram repassados para execução pelos municípios.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou analisar as práticas ágeis adotadas no processo de articulação institucional com vistas à garantir o cumprimento do processo de reparação previsto no Acordo Judicial de Reparação dos danos causados pelo rompimento das barragens da Vale S.A. em Brumadinho, firmado em 04 de fevereiro de 2021, elucidando os desafios e as soluções adotadas para garantir o avanço contínuo das iniciativas até novembro de 2023. Sob a perspectiva bibliográfica, essa análise foi subsidiada pela noção de metodologia ágil e sua origem, assim como pelas práticas e ferramentas utilizadas pelo framework Scrum.

Neste sentido, foram apresentadas as principais instituições participantes do processo, assim como os papéis realizados por cada uma, além da dinâmica de trabalho e interação entre elas, com fins à execução das ações e projetos previstos para garantia da reparação integral aos municípios atingidos.

Com o avanço das ações, em especial a celebração do Acordo Judicial de Reparação, foi identificada a necessidade de construção de uma dinâmica sistemática de atuação, que garantisse a atuação coordenada de diferentes instituições públicas e a permanente interlocução com diversos atores envolvidos neste processo. Para tanto, buscou-se a criação de uma governança ágil, enxuta e efetiva. Dessa forma, ficou claro que a instituição de um modelo decisório simplificado, foi essencial não só para a centralização da tomada de decisão, mas também para potencializar a agilidade de execução das medidas necessárias.

Quase dois anos após a celebração do Acordo, nota-se que, apesar do volume extremo de temas e de demandas – que se somam às demais atribuições institucionais dos representantes –, as relações de confiança vêm sendo reforçadas e o nível de empenho e comprometimento das instituições vem sendo mantido. Esta estrutura, materializa também as boas práticas no enfrentamento de problemas complexos, ao observar a completude dos efeitos do rompimento sob a perspectiva de vários atores com temáticas distintas, configurando também uma inovação no tocante à estrutura organizacional no âmbito da administração pública: a criação de um fórum responsável por uma problemática e não um tema, validado pelo Governador, que decreta sua criação. 

No entanto, para além dos encaminhamentos e resultados alcançados, foi possível identificar que ainda há desafios diante desta dinâmica, no sentido de garantir o pleno envolvimento e participação de todos os atores no processo de discussão para as deliberações e tomada de decisão. Dentre eles, destaca-se a manutenção contínua da participação efetiva, informada, alinhada, engajada e resolutiva entre as instituições Compromitentes, considerando o grande volume de informações, de diversas temáticas, que o processo demanda em relação à disponibilidade semanal dos atores considerando suas demais atuações institucionais. Nesse sentido, o framework Scrum se mostrou aplicável em parte significativa do projeto, sendo possível sua adaptação no contexto analisado. No entanto, para sua maior efetividade, o método precisa ser cultuado e difundido para todos os atores envolvidos. Como sugestão de análises futuras, sugere-se o aprofundamento da aplicação das estruturas de governança e coordenação envolvendo mais práticas do Scrum no Acordo e também nos projetos aplicados a Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs), considerando suas especificidades e a importância de garantir uma participação livre, consentida e informada, que, portanto, requer uma dinâmica ainda mais inovadora; projetos que envolvam propostas apresentadas diretamente pelas comunidades atingidas.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Pós Graduada em Gerenciamento de Projetos, pela Fundação Getúlio Vargas (2022) e graduada em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (2017). Desde 2019 é servidora pública, membra da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Estado de Minas Gerais. Atualmente atua no Comitê Gestor Pró-Brumadinho, vinculado à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais.

[2] Pós Graduada em Gerenciamento de Projetos, pela Universidade de São Paulo (USP) (2022) e graduada em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (2019). Desde 2019 é servidora pública, membra da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Estado de Minas Gerais. Atualmente atua no Comitê Gestor Pró-Brumadinho, vinculado à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais. 

[3] Doutoranda Profissional em Políticas Públicas pela Escola Nacional de Administração Pública (2021-2025 previsão). Mestre em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (2015-2017). Especialista em Gestão de Projetos pela PUC Minas (2014). Bacharel em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (2012). T

[4] Professora Adjunta no Departamento de Organização e Tratamento da Informação na Escola de Ciência da Informação (ECI) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Gestão & Organização do Conhecimento (PPGGOC) ECI/UFMG.

[5]As informações oficiais do Acordo Judicial são disponibilizadas pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em: https://www.mg.gov.br/pro-brumadinho

[6]As informações oficiais de execução dos Anexos I.3 e I.4 são disponibilizadas pela Auditoria Socioeconômica independente, Fundação Getúlio Vargas (FGV), em: https://www18.fgv.br/projetorioparaopeba/

[7]O termo foi cunhado para descrever o movimento de reforma na administração governamental, que teve início na década de 1980. Essa abordagem buscou introduzir maior eficiência e agilidade na gestão pública, rompendo com os princípios da burocracia de Weber, que tradicionalmente orientavam a estrutura governamental(Carneiro, R., and Menicucci, TMG, 2013)

[8] Disponível em: https://www.mg.gov.br/pro-brumadinho

[9] Disponível em: https://www18.fgv.br/projetorioparaopeba/index.html

[10] https://www.mg.gov.br/pro-brumadinho/pagina/consulta-popular-reparacaobrumadinho-saiba-tudo-sobre-o-processo-consultivo

[11] https://www18.fgv.br/projetorioparaopeba/