INOVAÇÃO E TEORIA ATOR-REDE

redes de problematização pluridisciplinares e intertemáticas

Zayr Claudio Gomes da Silva[1]

Universidade Federal de Alagoas

zayr10@gmail.com

Ronaldo Ferreira de Araújo[2]

Universidade Federal de Alagoas

ronaldfa@gmail.com

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Resumo

Sociologia da inovação é uma abordagem transdisciplinar de pesquisa e desenvolvimento cujo arcabouço teórico-metodológico se constitui a partir da Teoria Ator-Rede. O artigo objetiva mapear comunicações científicas produzidas na literatura acerca da inovação e da Teoria Ator-rede (TAR). Enquanto pesquisa bibliográfica, utiliza-se uma abordagem semiótico-material para mapear esses interesses de pesquisa na plataforma de dados científicos Dimensions, buscando explorar suas redes de problematização via coocorrência de palavras e clusterização com o software de análise de redes VOSviewer, além de descrever seus movimentos de translação a partir dos títulos e resumos das próprias pesquisas mapeadas e da própria literatura de algum modo relacionada. São exploradas duas redes de problematização acerca da inovação e da TAR, sendo pluridisciplinar, vide relações entre diferentes campos de pesquisa como saúde, gestão e tecnologias, e intertemática por meio de palavras-ator como “implementação”, “framework” e “conhecimento”. Tais interesses de pesquisa são atravessados pela própria complexidade semiótico-material da produção científica relacionada à TAR e à inovação, performando processos sociotécnicos e político-econômicos de invenção, negociação e comercialização entre atores humanos e não-humanos, de algum modo ligados a diferentes saberes.

Palavras-chave: sociologia da inovação; inovação; ator-rede; comunicação científica.

INNOVATION AND ACTOR-NETWORK THEORY

pluridisciplinary and interthematic problems networks

Abstract

Sociology of innovation is a transdisciplinary approach to research and development whose theoretical-methodological framework is based on the Actor-Network Theory. The article aims to map scientific communications produced in the literature about innovation and Actor-Network Theory (ANT). As bibliographical research, a semiotic-material approach is used to map these research interests on the Dimensions scientific data platform, seeking to explore their problematization networks via word co-occurrence and clustering with the VOSviewer network analysis software, in addition to describing their translational movements based on the titles and summaries of the mapped research itself and the literature itself in some way related. Two problematization networks about innovation and ANT are explored, one being multidisciplinary (see relationships between different fields of research such as health, management and technologies) and the other interthematic (through actor-words such as “implementation”, “framework” and “knowledge”. Such research interests are crossed by the very semiotic-material complexity of scientific production and communication related to ANT and innovation, performing socio-technical and political-economic processes of invention, negotiation and commercialization between human and non-human actors, of somehow linked to different knowledge and domains of scientific and technological knowledge.

Keywords: sociology of innovation; innovation; actor-network; scientific communication.

INOVAÇÃO E TEORIA ATOR-REDE

redes de problematização pluridisciplinares e intertemáticas

Resumen

La sociología de la innovación es un abordaje transdisciplinar de investigación y desarrollo cuyo arco teórico-metodológico se constituye a partir de la Teoria Ator-Rede. El artículo objetivo mapear comunicações científicas produzidas na literatura acerca de la innovación y la Teoria Ator-rede (TAR). Enquanto pesquisa bibliográfica, utiliza-se uma abordagem semiótico-material para mapear esses interesses de pesquisa na plataforma de datos científicos Dimensions, buscando explorar sus redes de problematização vía coocorrência de palavras e clusterização com o software de análise de redes VOSviewer, além de descrever seus movimentos de translação a partir de dos títulos y resúmenes de las propias pesquisas mapeadas y de la propia literatura de algún modo relacionado. São exploradas duas redes de problematização acerca de la innovación y el TAR, sendo pluridisciplinar, vide relações entre diferentes campos de pesquisa como salud, gestión y tecnologías, e intertemática por meio de palavras-ator como “implementação”, “framework” e “conhecimento” . Estos intereses de investigación son atravesados ​​por la complejidad propia de los materiales semióticos de la producción científica relacionada con TAR e innovación, realizando procesos sociotécnicos y político-económicos de invención, negociación y comercialización entre actores humanos y no humanos, de algún modo ligados a diferentes saberes.

Palavras-chave: sociología de la innovación; innovación; ator-rede; comunicación científica.

 

INNOVACIÓN Y TEORÍA DE ACTORES-RED

redes de problemas pluridisciplinar e intertematicas

Resumen

La sociología de la innovación es un enfoque transdisciplinario de la investigación y el desarrollo cuyo marco teórico-metodológico se basa en la Teoría Actor-Red. El artículo tiene como objetivo mapear las comunicaciones científicas producidas en la literatura sobre innovación y Teoría Actor-Red (ANT). Como investigación bibliográfica, se utiliza un enfoque semiótico-material para mapear estos intereses de investigación en la plataforma de datos científicos Dimensions, buscando explorar sus redes de problematización a través de la co-ocurrencia de palabras y la agrupación con el software de análisis de redes VOSviewer, además de describir sus movimientos traslacionales. basado en los títulos y resúmenes de la propia investigación mapeada y de la propia literatura de alguna manera relacionada. Se exploran dos redes de problematización sobre la innovación y la ANT, una multidisciplinaria (ver relaciones entre diferentes campos de investigación como salud, gestión y tecnologías) y la otra intertemática (a través de palabras-actor como “implementación”, “marco” y “conocimiento”). Tales intereses de investigación están atravesados ​​por la propia complejidad semiótico-material de la producción y comunicación científica relacionada con la ANT y la innovación, realizando procesos sociotécnicos y político-económicos de invención, negociación y comercialización entre actores humanos y no humanos, de alguna manera. vinculados a diferentes saberes y dominios del conocimiento científico y tecnológico.

Palabras clave: Sociología de la innovación; innovación; actor-red; comunicación científica.

1  INTRODUÇÃO

Inovação é produto social do mundo contemporâneo, decorrente do pensamento humano, das ciências e das técnicas, da política, da economia e da cultura. Enquanto temática complexa e transdisciplinar emergente no conhecimento científico e tecnológico, atravessa diferentes saberes, conceitos, teorias e métodos. Logo, nota-se a importância dos fundamentos e abordagens teórico-metodológicas produzidos pela tecnociência capaz de orientar, compreender e analisar ações inovadoras. Tais fundamentos podem assim ajudar a organizar e comunicar sua produção científica, a fim de construir padrões, modelos e explicações dos fenômenos relacionados à inovação.

A importância das teorias para se pensar a inovação reside no papel fundamental que estas desempenham na compreensão, análise e orientação das práticas inovadoras. As teorias oferecem estruturas conceituais que ajudam a organizar o conhecimento, identificar padrões e explicar fenômenos relacionados à inovação. Historicamente, a Teoria Ator-Rede (TAR), também chamada de “Sociologia da Tradução” oferece uma abordagem sociotécnica rica para entender a inovação, institucionalizada por meio do que hoje se denomina como Sociologia da Inovação, especialmente no que diz respeito às relações complexas e dinâmicas de invenção e comercialização entre atores humanos e não humanos, bem como as redes que emergem dessas interações via agências coletivas e mercados públicos e privados.

Historicamente, a inovação é abordada com base na teoria econômica do cientista político austríaco Joseph Alois Schumpeter (1883-1950). Entre 1908 e 1911, lançou duas de suas principais obras, Das Wesen und der Hauptinhalt der Nationaloekonomie (A natureza e a essência da economia política) e Die Theorie der Wirschaftlichen Entwicklung (Teoria do desenvolvimento econômico). Dentre tantas coisas, na primeira obra, ele enfatiza a importância do papel desempenhado pelos empresários no processo de mudança econômica nas sociedades capitalistas; e, na segunda, afirma que a inovação e a competição inovadora entre grandes corporações são os principais elementos da dinâmica do capitalismo.

No entanto, em 1988, a socióloga Madelaine Akrich, o economista Michel Callon e o filósofo Bruno Latour publicaram um artigo em dois volumes em um dos periódicos mais antigos do mundo, o Annales des Mines. Nele, a inovação é fundamentada teoricamente pela Sociologia da Tradução, também chamada de Teoria Ator-Rede (TAR). Isto é, a inovação é concebida como produto social produzido por diferentes atores humanos (pessoas) e não-humanos (artefatos), cujas agências são performadas entre política, ciência, tecnologia, economia, etc. (Akrich; Callon; Latour, 1988).

Assim, a TAR oferece uma abordagem simultaneamente social e tecnológica para entender a inovação, especialmente no que diz respeito às relações complexas e dinâmicas entre atores humanos e não humanos, bem como as redes que emergem dessas interações. Em outras palavras, as inovações passam a ser consideradas como efeitos de produção sociotécnica, permeada de múltiplas identidades, performance e negociações entre pessoas, tecnologias, instituições e outros atores (já em rede). Torna-se, assim, resultado de uma atividade coletivamente tanto modelada quanto performada e não mais o privilégio de um indivíduo inspirado e dedicado, seja um tal Nicola Tesla ou Elon Musk, tal como um inventor solitário, ou o “empreendedor apaixonado” schumpeteriano, nem mesmo de uma empresa, do Estado, ou qualquer instituição que reitera individual e politicamente a gestão de inovações.

Nesse sentido, em consonância com Andrade (2005), compreende-se que a comunicação e produção científicas em torno da inovação precisam revisitar as condições de produção política e epistemológica acerca das ciências sociais em busca de novos referenciais, a fim de se debruçar sobre diferentes dispositivos teórico-metodológicos construídos contemporaneamente.

A partir disso, tem-se como objeto de estudo interesses de pesquisa comunicados cientificamente entre a inovação e a TAR. Ressalta-se, desde já, que, a palavra “interesse” aqui não diz respeito tão somente à possível concepção de natureza subjetiva, cujo efeito parte de uma condição humana, tal como um desejo ou vontade. Mas, sim, a partir de Latour (2000), “aquilo que ‘estar entre esses’, enquanto ação social que conecta atores humanos e não-humanos, tais como pessoas e artefatos, sujeitos e objetos. Isto é, uma conexão entre elementos intersubjetivos e interobjetivos.

O presente estudo trabalha com a seguinte questão de pesquisa: qual o panorama de pesquisas científicas, cujos interesses atravessam a inovação e a Teoria Ator-Rede (TAR)? Diante desse questionamento, determina-se como o objetivo geral mapear interesses de pesquisa correlacionados à inovação e à TAR. Nesse ínterim, vale ressaltar que a pesquisa se fundamenta teórica e metodologicamente em torno da abordagem semiótico-material dos Estudos da Ciência, com base em movimento de “translação” via “redes de problematização” da própria pesquisa (Callon; Law; Rip, 1986; Latour, 2000, 2001). Para tanto, mapeia-se interesses de pesquisa entre a inovação e TAR na plataforma de Dimensions. E, para fins de aplicação procedimental, busca-se explorar e descrever alguns indicadores quanti e qualitativos dessa comunicação científica, mediando-se tecnicamente pela coocorrência de palavras e clusterização por meio do software VOSviewer.

A pesquisa permite abordar a complexidade teórico-metodológica e pragmática das ações referentes à inovação, tornando-se mais quem um objeto ou tema de uma ciência, mas, sobretudo, como um interesse de pesquisa relacionando-o aos múltiplos atores que constituem o pensamento, as ciências e as tecnologias em diversas correntes da filosofia, da sociologia, e das técnicas. Assim, emerge a importância de estudos que possam compreender as relações entre informação, tecnologia e inovação para além de um campo disciplinar e epistemológico, a fim de chama-los para o debate cada vez mais complicado e controverso entre os saberes e a tecnociência, correlacionando questões de natureza complexa que perpassam de algum modo a inovação, como aspectos comuns e múltiplas diferenças entre ciência e sociedade, política e mercado, indivíduos e empresas, tecnologia e cultura, etc.

 

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Trata-se de uma pesquisa básica de cunho qualitativo e quantitativo. O mapeamento diz respeito à produção e à comunicação científicas disseminadas na literatura cujas informações fazem parte do desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Assim, objetiva-se metodologicamente explorar e descrever informações em torno de alguns domínios temáticos comunicados cientificamente (Prodanov; Freitas, 2013). No caso, mapeia-se comunicações científicas que tratam sobre os temas “TAR” e “inovação” e suas relações, enquanto interesses de pesquisa comunicados e produzidos cientificamente.

Para fins de coleta de dados, utilizou-se a plataforma de dados científicos Dimensions, onde as buscas foram realizadas no início do mês de setembro de 2023, por meio dos seguintes termos (inovação" AND “ator-rede”) OR (innovation AND “actor-network”), em 2 idiomas (português e inglês). Estrategicamente, foram usados operadores booleanos (“AND” (“e”) e OR (“ou”), além de parênteses “()” no termo ‘ator-rede’. Considerou-se 3 critérios de filtragem: a busca por título e resumo (title and abstract), publicações entre 2013 a 2022 (10 anos) e artigos (publication type) de acesso aberto (all open access). Obteve-se um total de 161 pesquisas para fins de análise.

A partir disso, fundamentando-se a partir da abordagem semiótico-material dos Estudos da Ciência, mapeou-se esse panorama de pesquisas científicas sobre inovação e TAR, cuja amplitude metodológica permite desenvolver esse tipo de mapeamento da ciência e da tecnologia via “redes de problematização” e “translação de interesse”. Por um lado, segundo Callon, Law e Rip (1986), a ciência e a tecnologia podem ser mapeadas por meio de “redes de problematização”, que são questões encontradas em artigos científicos, por exemplo, cuja perfomatividade político-epistemológica do fazer científico é inerente à produção (social) das ciências perpassando interesses entre os leitores e os autores da pesquisa. Por outro lado, conforme Latour (2000), “transladar interesses” é um procedimento semiótico-material dado pelos construtores de fatos, tais como cientistas e engenheiros, aos atores que eles alistam e aos seus “interesses”.

Com base nisso, são desenvolvidas translações semiautomáticas e de cunho interpretativo, seja por intermédio da própria base de dados científicos Dimensions, extraindo dados e informações das próprias pesquisas (títulos, autores, resumos, etc.) e indicadores quanti e qualitativos (período de publicação, campos de pesquisa, entre outros), ou da coocorrência de palavras representada em redes de clusters via software de análise de redes VOSviewer. Assim, efetivamente, a semiótica material permite explorar como as práticas no mundo social são tecidas a partir de fios simultaneamente simbólicos e materiais (Law, 2019). E, neste caso, sejam os nomes dos autores, os enunciados apresentados nos resumos das próprias pesquisas, ou palavras coocorrentes são actantes[3] relacionais, porque carregam significados, e, materiais, pois são sobre o material físico apanhado e moldado nessas relações.

Assim, a comunicação científica são efeitos das redes semiótico-materiais tecidas pela produção social do conhecimento científico e tecnológico, onde suas inscrições são efetivadas por meio de enunciados, gráficos, quadros e outros registros do conhecimento. Assim, elas são visualmente representadas por meio de mapas de clusters (agrupamentos) gerados[4] pelo próprio VOSviewer.

Ressalta-se que, segundo Callon, Law e Rip, (1986), transladar não é apenas descrever (falar) em nome dos outros, é também deslocá-los e deixá-los trabalhar para os seus projetos e não para os deles. Para o conseguir isso, deve-se tornar a deslocação desejável ou inevitável do ponto de vista da entidade inscrita – no caso, as palavras em suas redes performadas neste mapeamento, enquanto atores inscritos na pesquisa.

Essas redes de problematização e translação se constroem através de interesses em cadeias desenvolvidos na própria pesquisa, seja considerando sua problemática, seus objetivos, ou, metodologicamente, por intermédio das palavras coocorrentes, dos resumos das pesquisas identificadas na coleta de dados, bem como das inscrições mediadas pela literatura. Isso possibilita descrever tais associações via movimentos de translação estabelecidos pelas redes de interesse em questão. Pois, de acordo com Aka (2019), a TAR, sob o prisma semiótico-material, oferece ferramentas teóricas (análise sociotécnica) e metodológicas (gráfico sociotécnico) para rastrear os mecanismos e checar a dinâmica da produção do conhecimento científico e tecnológico.

Não obstante, ressalta-se acerca da possibilidade que qualquer hermenêutica possa sobrepujar a dupla aplicabilidade teórica-metodológica deste texto. A breve apresentação teórica desses procedimentos efetivados aqui anteriormente na seção 2 não coincide necessariamente com a exposição dos resultados da pesquisa encontrados na seção 3. E, por isso, não se deve confundir o foco no objeto de estudo (“interesses de pesquisa em inovação e TAR”) com os procedimentos metodológicos, ainda que justapostos teoricamente com noções advindas da TAR em sua abordagem semiótico-material, no caso, “translação e inscrição”. Isto é, fazem parte da mesma natureza teórico-metodológica aqui exposta, não precisando ser dobrada nem teórica, nem metodologicamente, mas, tão somente, ater-se ao próprio fluxo de configuração político-epistemológica que perpassa quaisquer produção teórico-metodológica do conhecimento científico, ora mais, ora menos teorética e/ou aplicada.

 

3 INTERESSES DE PESQUISA ENTRE INOVAÇÃO E TEORIA ATOR-REDE: REDES DE PROBLEMATIZAÇÃO PLURIDISCIPLINARES E INTERTEMÁTICAS

            Os interesses de pesquisa relacionados à inovação e à TAR se apresentam em diferentes aspectos, sejam diferentes temas e conceitos, palavras coocorrentes e usos de alguns fundamentos teórico-metodológicos, conforme vários conteúdos e contextos de aplicação científica e tecnológica. Isso, inclusive, atravessa pontos relevantes da história das ciências e das técnicas, bem como de seus incrementos na vida social, de algum modo, relacionados à produção das ciências e ao desenvolvimento econômico, político e cultural na contemporaneidade.

 

 

 

 

 

 

3.1 REDES DE PROBLEMATIZAÇÃO PLURIDISCIPLINARES (CAMPOS DE PESQUISA)

O quadro abaixo apresenta diferentes campos do conhecimento[5] cujos interesses de pesquisa abordam a inovação e TAR. Isto é, são quantitativos de publicações e citações relacionadas a esses temas comunicados cientificamente na literatura.

Gráfico 1 – Publicações por campos de pesquisa.

Fonte: Dados da pesquisa, 2023.

 

Dentre os campos apresentados, pode-se destacar o número de publicações feitas nos seguintes campos de conhecimento, a saber: Sociedades Humanas (61), Comércio, Gestão, Turismo e Serviços (53), Ambiente de Construção e Design (23) e Informação e Ciências da Computação (19). Respectivamente, englobam disciplinas tais como antropologia, criminologia, demografia e sociologia; marketing, serviços comerciais, finanças, investimentos, relações industriais, turismo, transporte e logística; arquitetura, design, planejamento urbano e regional; e, teoria da computação, computação aplicada, inteligência artificial, cibersegurança, sistemas de informação, engenharia de software, biblioteconomia e estudos da informação, dentre outras (Australian Bureau of Statistics, 2020).

Além disso, pode-se também explicitar algumas pesquisas que representam os interesses desses campos de pesquisa e seus assuntos respectivamente abordados. “Sociedades Humanas” – Turner et al. (2018) utilizam a TAR como “microteoria da inovação”, para auxiliar na compreensão da gestão dos cuidados de saúde, especificamente, o glaucoma, tal como um processo multideterminante e multinível produzido nas relações médico-gestor e recursos em toda a organização). Já Sattlegger (2021) desenvolve uma pesquisa etnográfica com foco na implementação e substituição do filme plástico por produtos orgânicos em um armazém atacadista na Alemanha, problematizando, para além da persistência e do apego ao plástico – tal como objeto tecnológico via TAR –, as formas de ligação e negociação entre atores humanos e não-humanos nesse tipo de produção sociotécnica sustentável ou insustentável, bem como apegada ou desapegada.

Comércio, Gestão, Turismo e ServiçosLawlor e Kavanagh (2015) examinam a evolução tecnológica do mercado inovador de stents[6], como ator-rede imerso em batalhas corporativistas influenciadas pelo “marketing mutável” cuja construção criativa se desenvolveu em lutas antagônicas bem antes da “destruição criativa” de Schumpeter que estabilizaria o mercado “normalmente”. E, em Corsini (2022), a TAR é utilizada como lente teórica para estudar a legitimidade organizacional de makerspace na Etiópia como pontos de passagem obrigatório para construção da inovação local e em rede na África.

Ambiente de Construção e Design – No artigo de Liaoji et al. (2020) discute-se a modalidade endógena como um processo ator-rede de transformação energética, considerando a importância de estratégias locais para revitalização rural na aldeia Dali Shu (em Dandong, nordeste da China) compondo uma força motriz composta por novas tecnologias, novas indústrias e novas formas de negócios tal como serviços experencialmente compartilhados em rede, já que quanto mais centralmente estiver o nó, maior será a transformação energética, o potencial da rede e sua sustentabilidade. Kauffeld-Monz e Fritsch (2013) discutem os sistemas de inovação regionais empiricamente na Alemanha com ênfase na dualidade vínculos locais e globais, mostrando que as organizações públicas de pesquisa, especialmente as universidades, estão mais envolvidas nos processos de intercâmbio de conhecimentos e ocupam posições mais centrais (de intermediários científicos) em suas redes de inovação regional do que as empresas privadas, gerando a necessidade de mais investimento em pesquisa nas empresas e possibilidades de transferência de conhecimento inter-regional via redes de inovação público-privadas.

Informação e Ciências da ComputaçãoDupret e Friborg (2018) utilizam a TAR e dos Estudos de Ciência e Tecnologia (tal como abordagem de pesquisa que a envolve teórica e metodologicamente) em um estudo etnográfico na Dinamarca, para tentar revitalizar a dualidade entre inovação tácita e explícita no trabalho em saúde, revisitando especificamente a dicotomia entre produtores de tecnologia e utilizadores finais de tecnologia, dando ênfase na ligação que o “trabalho invisível” com a falta de neutralidade tecnológica. E Jarrahi e Sawyer (2019) baseiam-se na estrutura conceitual da TAR para teorizar redes heterogêneas entre cientistas, pesquisadores, professores e estudantes de pós-graduação, instituições como laboratórios de pesquisa, fontes de financiamento e empresas de produtos envolvidos na produção de computadores de mesa (table computer, ou simplesmente tabletop) como inovação em rede.

Percebe-se que os interesses de pesquisa acerca da inovação e da TAR estão presentes não apenas em diferentes campos do conhecimento científico, seja nas Ciências Sociais ou nas Ciências da Computação, por exemplo. Mas, no caso, as publicações apresentam uma certa composição entre diferentes disciplinas e áreas do conhecimento, tal como as relações entre a gestão e a saúde, ainda que representando as Sociedades Humanas, ou mesmo Informação e as Ciências da Computação. E, nesse sentido, ocorre em consonância com Jantsch (1970 apud JAPIASSU, 1976), para além de uma multidisciplinaridade – tal como uma relação disciplinar de cunho horizontal e não cooperada – ocorre uma certa composição pluridisciplinar cuja configuração reúne de várias disciplinas de forma cooperada, ainda que não coordenada – tal como a interdisciplinaridade.

Contudo, para além de qualquer epistemologia disciplinar que orienta a construção do conhecimento científico sob uma filosofia do sujeito, demarcando limites e fronteiras de conhecimentos subjacentes e tão somente representativos, reitera-se a importância das relações entre os saberes em sua própria complexidade. E, conforme se apresentam os interesses de pesquisa em torno da inovação e da TAR, isso permite vislumbrar uma abordagem com teor transdisciplinar, sem deixar de ressaltar a existência dos fundamentos teóricos e das estratégias metodológicas encontradas nessas comunicações, como percebido nas publicações em si. Daí, importa-se compreender uma certa intertematicidade nesses interesses de pesquisa sobre inovação e TAR.

 

3.2 REDES DE PROBLEMATIZAÇÃO INTERTEMÁTICAS

Além da rede pluridisciplinar que se constitui uma configuração interrelacional entre disciplinas e campos do conhecimento, nesta seção percebe-se a importância daquilo que Christovão e Braga (1997) chamaram de “intertematicidade plural”. Trata-se, por um lado, de uma conformação entre diferentes temas abordados no conhecimento científico. E por outro, de forma mais extensa, um olhar relativo à interface entre a ciência da informação com a sociologia do conhecimento científico, enfocando perspectivas contextuais entre a informação e as diferentes ciências, bem como novas abordagens acerca da comunicação e produção científicas com vistas à própria sociologia da ciência.

No caso, o gráfico 2 mostra que tais interesses são abordados a partir de múltiplas questões, que, por sua vez, estão conectadas e agrupadas em diferentes clusters expostos aqui visualmente. No caso, observa-se diferentes temas representados por várias palavras, tais como “governo”, “implementação”, “comunidade”, “cidade” e “pesquisa” (cluster vermelho); “sustentabilidade”, “estrutura”, “sociologia”, “países”, “stakeholder” e “oportunidades” (cluster verde); bem como “conhecimento”, “ciência”, “ideias”, “universidade” e “sociedade” (cluster azul). Isso mostra que as pesquisas acerca da inovação e da TAR perpassa diferentes questões regionais, epistemológicas, tecnocientíficas, funcionais, entre outras. É nesse sentido que, para Cavalcanti (2016), as chamadas “redes de inovação” emergem sob interação, mais ou menos democrática, entre a tecnociência, os mercados econômicos e as políticas sociais, estimulando a proliferação de novas identidades, bem como desencadeiam a criação de coletivos inesperados via processos de singularização, reunião, reatividade e adaptação entre tecnologias, ciências, economia, e a vida pública.

 

Gráfico 2 – A rede de interesses entre inovação e TAR.

       Fonte: Dados da pesquisa, 2023.

 

Nesse caso, observa-se que algumas palavras se destacam em termos de ocorrência, relações e links de força, cuja clusterização expõe seu valor representativo diante os demais. No cluster vermelho, a palavra “implementation” (implementação) ocorre 26 vezes, com 31 relações e força de link 138; no verde, “framework” (estrutura) aparece 46 vezes, possui 31 relações e força de ligação 171; e, no cluster azul, vê-se a palavra “knowledge”, sendo, respectivamente, 34, 31 e 156. Isso mostra a importância de cada palavra (ator), as diversas conexões e a força de relacionamentos.

Já, o gráfico 3 apresenta o cluster vermelho e suas conexões com outros agrupamentos. Tendo em vista os dados expostos anteriormente, evidencia-se a palavra “implementation”, possuindo uma conexão forte com outras palavras, conforme dados apresentados acima. No caso, são as palavras “resource” (recurso), “government” (governo), “service” (serviço), dentre outras.

 

Gráfico 3 – Palavra-ator “implementação” e suas redes.

Fonte: Dados da pesquisa, 2023.

 

De acordo com Schramm (2017), o termo “implementação” deve ser visto em torno das questões relacionadas à “implementação tecnológica”, ou mesmo ao “desenvolvimento tecnológico”, como processos geralmente de construção, instalação, configuração, teste e solução de problemas. A despeito, Juliet Webster, ao pesquisar sobre a gestão trabalhista mediada pelos computadores, em publicação aderente à TAR (Law, 1991), afirma que há uma falta de reconhecimento na literatura sobre a utilização e implementação de tecnologias associadas ao trabalho, por não abrirem a caixa-preta das tecnologias e suas condições de produção social efetivadas na organização, e somente concentrarem-se nos seus efeitos sobre os trabalhadores, sugerindo que seus antecedentes residem nas exigências da gestão capitalista de um maior controle sobre os processos de trabalho – seja qual for a forma que esse controle assume.

É nesse sentido que Sattlegger (2021) aborda como a inovação não consiste simplesmente na implementação e substituição de tecnologia por atores humanos, mas na negociação de ligações que os humanos têm em relação a objetos dentro de agrupamentos sociotécnicos. Assim, a implementação tecnológica interessada tanto à inovação quanto à TAR traz consigo a necessidade de sua compreensão para além de um determinismo tecnológico, enquanto condição da produção capitalista resultante de tarefas mais ou menos finalística de criação, arrumação e desenvolvimento tecnicista sobre as pessoas. Comumente, inclusive, os economistas se perguntam se é a oferta tecnológica ou a procura social que impulsiona a inovação (Flichy, 2007). E, porquanto, implementar tecnologicamente em inovação trata-se de mecanismo de articulação política e ontológica entre as pessoas e os artefatos concebidos e produzidos social e tecnologicamente, cujos interesses são também produtos de invenção, negociação e comercialização advindos das relações sociais do trabalho existentes e remodeladas nas organizações públicas e privadas.

Já o gráfico 4 mostra os interesses relacionados à palavra “framework” que é representada no cluster verde, além de suas outras conexões. Nota-se que essa palavra possui conexões com outros atores, tais como “insight” (entendimento, compreensão), “stakeholders”, “sustainability” “innovation process” (processos de inovação), etc.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Gráfico 4 – Palavra “framework” e suas redes.

 

Fonte: Dados da pesquisa, 2023.

 

Segundo Rico (2019, p. 58), framework é “uma estrutura de apoio em torno da qual algo pode ser construído”. Assim, traz-se possivelmente um sentido relacionado à reunião, à formatação e/ou à forma de algum conjunto social ou material, tal como pessoas corporalmente juntas, ou um pedaço de madeira aparentemente amorfo. No entanto, para Latour (2012), uma das tarefas primordiais da TAR é reestabelecer a funcionalidade simbólica e objetiva do que se convencionou chamar de “estrutura social”, tal como “sociedade”, a fim retomar a tarefa de descobrir associações (supostamente materiais e sociais, ou naturais e culturais).

A respeito, Trianggono, Wiloso e Sasongko, (2018) compreendem a importância da “Teoria Ator-Rede (TAR) como referencial analítico, [para] descrever o papel dos atores no desenvolvimento do turismo em TSPK” [Top Selfie Pinusan Kragilan - TSPK]. Ressalta, inclusive, que, embora o processo pioneiro de inovação desse novo destino turístico em Magelang Regency, na Indonésia, funcione perfeitamente, seus processos de translação e intermediação experimentam a dinâmica das relações da rede turística e fora dela, e durante seu período de desenvolvimento não pode funcionar perfeitamente devido ao conflito, ou seja, instituir-se tal como uma estrutura turística de inovação tecnicista, amorfa, ou até pessoal (Ondendaal, 2014).

Entende-se a importância tanto com a ideia de framework na inovação quanto com a necessidade de sua desarticulação, como algo que pudesse ser explicado a partir de alguma “estrutura’ ‘social” mais ou menos inovadora. Pois, para Akrich, Callon e Latour (1988), a criação de estruturas e seu modelo orgânico, de inspiração biológica, parece ser insuficiente para se garantir o sucesso da inovação por descrever um clima organizacional, sem o qual as evoluções necessárias para o desenvolvimento de novos projetos tornam-se difíceis, mas nada diz sobre o processo de inovação em si.

Por fim, o gráfico 5 demonstra o destaque da palavra “knowledge” e suas conexões no cluster azul. Essa categoria se relaciona com palavras como “society” (sociedade), “science” (ciência), “university” (universidade), “ideia”, dentre outras.

 

Gráfico 5 – Palavra “knowledge” e suas redes.

Fonte: Dados da pesquisa, 2023.

 

Para Schramm (2017, p. 112), “No contexto da inovação, conhecimento refere-se a factos, informações e compreensão que foram adquiridos através da educação e/ou experiência, com garantia razoável da sua validade”. Todavia, chama-se atenção para apreendermos as causas que tanto validam empiricamente esse conhecimento quanto as condições de sua produção socialmente justificada. Para Callon (2021), ainda que a densidade do conhecimento inovador se constitua por acréscimos a um conjunto maior de resultados tecnologicamente comercializáveis pelo mercado, ao permanecer irrevogavelmente associados, de modo que parece impossível separá-los, isso depende integralmente das relações de produção cultural, política e moral.

Resta compreender as conexões que o conhecimento produz quando atravessa as relações que vão desde o empreendedor apaixonado por sua invenção até a comercialização da tecnologia consumida pelo cliente, e entre eles o dinheiro “da” entidade financeira pública ou privada, a produção teórica e técnica dos pesquisadores da universidade etc. Nesse sentido, (Söderholm e Söderholm (2020) tratam sobre “a importância do desenvolvimento do conhecimento, das redes de atores e das instituições (incluindo políticas) para o progresso e a difusão de novas tecnologias relacionadas com a utilização de energia”.

Essas inscrições que emergem a partir da palavra “knowledge” se destacam em torno das mediações entre ciências, políticas e tecnicalidades, cujas aproximações ocorrem por diferentes atores, áreas, instituições etc. Os interesses de pesquisa em torno do conhecimento, da inovação e da TAR pode perpassar as relações de saber e poder constitutivas de qualquer aprendizado, ensino, pesquisa e produção de conhecimentos. Isto é, deve-se estar atento às redistribuições relacionadas à inovação que permeiam as relações entre pesquisadores, gestores, empresários, financiadores e consumidores, precavidos às amarras entre as ciências e os poderes da vida social. Pois, nem sempre estamos atentos as práticas sociais que tentam validar ou justificar as causas da caixa-preta da “Economia do Conhecimento”, por exemplo, a qual impulsiona a inovação, sem compreendermos as relações de produção técnica e social de um conhecimento inovador, de fato.

Portanto, os interesses de pesquisa entre a inovação e TAR possibilitam, dentre outras coisas, compreender a complexidade coexistente entre a produção e comunicação científicas do que convencionalmente chama de Ciência da Informação, para além de um espectro disciplinador construído política e institucionalmente pela sua própria epistemologia. Pois, a socialização do conhecimento tecnocientífico “dentro e fora” dela é efeito da performance da própria produção (social) da ciência, atravessando os meandros tanto da informação (tal como inter-esses, mais que objeto de alguma ciência) quanto da tecnologia (para além de um poder instrumental de teor tecnocrata).

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Esse mapeamento do panorama de pesquisas científicas sobre inovação e TAR permitiu apresentar diferentes interesses comunicados na literatura internacional, principalmente, configurando duas redes de problematização interdependentes. As primeiras redes explicitam interesses de pesquisa em diferentes áreas do conhecimento e disciplinas, sejam as Ciências Humanas e Sociais, Ciências da Computação e da Informação, Gestão, Turismo, Arquitetura, bem como a conformação de relações entre tais saberes, ainda que não de forma coordenada. As outras, abordam vários temas como domínios do conhecimento representados por palavras coocorrentes, indo do governo à pesquisa, bem como da sustentabilidade às partes interessadas do mercado. Tais pesquisas realizadas atualmente acerca da inovação consideram-na uma questão complexa, cuja abordagem teórico-metodológica e pragmática necessita compreender as relações de produção constitutivas do mundo contemporâneo. Assim sendo, os interesses de pesquisa mapeados acerca da TAR e da inovação apresentam redes de problematização pluridisciplinares e intertemáticas, gerando uma produção científica diversificada, mas, de algum modo, interconectada com aspectos comuns em termos de fundamentos epistemológicos e políticos comunicados cientificamente.

Especificamente, a partir da clusterização de palavras coocorrentes, foi possível evidenciar visualmente palavras-ator mais influentes. Logo, consolidam-se múltiplas redes de problematização acerca da inovação e da TAR, cujos interesses semiótico-materiais dizem respeito, principalmente, em torno de “implementação”, “framework” (estrutura) e “conhecimento”. Em relação à primeira, ressaltou-se sua importância literária em torno do desenvolvimento tecnológico, todavia, que suas condições de produção social advêm das relações nem tanto simétricas entre humanos e não-humanos, cuja prática produz elementos de natureza (simultaneamente) social e técnica.

Além disso, que, dada a acuidade da estrutura (framework) como base para construção de algo inovador, é preciso justamente encontrar as associações que perdemos de vista quando “recoberta” as máquinas que registram e os humanos que informam por uma sociedade controversa, ora da informação, ora da desinformação. E, que, embora o conhecimento de cunho inovador seja considerado como fatos ou informações empiricamente representadas, validadas e justificadas socialmente, tal consistência “social” reitera por si relações de poder e saber – sempre interdependentes das condições materiais de produção da economia, da política e da própria ética humana.

Conclui-se que tais resultados contribuem para as discussões que giram em torno da inovação. Ciente de que se trata de um assunto em evidência nas ditas “Sociedade da Informação” e “Economia do Conhecimento”, ao abordá-la cientificamente requer compreender as condições de produção social via abordagem sociotécnica. E, nesse sentido, a TAR tanto apresenta uma série de questões para diferentes comunidades científicas e profissionais interessados, quanto fornece um aparato epistemológico que possa auxiliar em novas produções científicas.

De algum modo, isso diz respeito também à importância de continuar se descortinando algumas questões interdependentes, mas sempre ligados ao que Latour chama de “epistemologia política”, ora mais, ora menos presente na chamada Ciência da Informação. Trata-se da politização material dos discursos científicos que aclamam siglas modernistas, tal como TIC (Tecnologias da informação e da comunicação), Informação, Ciência e Tecnologia (ICT), ou mesmo Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Obviamente, isso não diz respeito apenas em deixar de usar as siglas. Isso pouco importa, na verdade. O mais importante, a nosso ver, é tentar se afastar tanto das bases antropocêntricas quanto tecnicistas que permeiam os tropos “informação” e “inovação”, bem como seus meandros representacionistas produzidos consequentemente pela Ciência (com “c” maiúsculo) e pela tecnocracia emergente do poder da tecnologia instrumental e ideológica. Assim, por um lado, se trata a informação como fenômeno ideal sob o prisma da filosofia do sujeito, ou mesmo um objeto sob uma roupagem representacionista ou tecnicista do “dado”, tal como algo amorfo, sem sentido. E, por outro, ao condicionar a inovação como algo determinante pela imaginação das pessoas, a luz criativa e ideal, ou mesmo como efeito de uma produção instrumental materialmente determinada por máquinas, como se a tecnologia, tal como qualquer “arte-fato” não fosse produto de uma série de interesses e negociações entre pessoas e diferentes não-humanos. E, nesse sentido, deve-se considerar a importância dos escritos dos Estudos da Ciência e da própria TAR, especialmente, Law (1991), Latour (2012) e Callon (2021), podendo auxiliar teórica, metodológica e empiricamente para tal desconstrução, visto que, por exemplo, visa expor ontologias políticas relacionais dos seres e suas agências, sejam da própria noção de “social”, da tecnologia e da Ciência, sem esquecer suas limitações, complicação e contradições inerentes. Logo, não se assume a realidade como dada, mas modelada, tal como resultado de práticas, relações e efeitos de diversos atores humanos e não-humanos, que se associam e desassociam em diferentes arranjos. Isto é, nesses termos, tanto a informação quanto a inovação são efeitos sociotécnicos, de relações entre pessoas, artefatos/máquinas e instituições.

Contudo, deve-se considerar tanto a importância desse tipo de trabalho para a prática de inovações tecnológicas, quanto sua complexidade coexistente entre a teoria e a prática, que vai além de qualquer processo de disciplinarização do saber. Pois, a gestão da inovação diz respeito a diferentes questões, como invenção, negociação e comercialização cujo empreendimento sociotécnico atravessa múltiplos atores e áreas do conhecimento já em suas redes de produção social e tecnológica, sejam empreendedores e empresas, pesquisadores e universidade, gestores e política, entidades financeiras e economia, clientes e sociedade. Nesse sentido, em consonância com Sena (2020), essas discussões podem impulsionar a inovação tecnológica local, regional e global, em termos de fontes de informação e produção de conhecimentos em inovação.

Fato é que a sociologia da inovação pode se configurar como importante objeto de estudo para futuras investigações. Os primeiros estudiosos dessa abordagem, como Madelaine Akrich e Michel Callon, guardadas as diferenças de programas de pesquisa, ainda continuam com laboratórios e grupos de pesquisadores produzindo novas investigações que podem fornecer leituras pertinentes acerca dessa temática. Trata-se também de uma abordagem científica que permite relacionar o arcabouço teórico das ciências sociais com a inovação, bem como fundamentar a percepção crítica em torno da criação de processos, produtos e serviços, tais como artefatos e tecnologias mais ou menos inovadoras na contemporaneidade.

Especificamente, à luz da sociologia da inovação, pesquisas acerca da inovação e TAR possibilitam compreender sua importância para a ciência, a tecnologia e a inovação. Por um lado, tendo em vista a possibilidade de perceber que a gestão da inovação ocorre como qualquer tipo de ação social efetivada na contemporaneidade, cujas condições de produção perpassam questões de natureza intersubjetiva e interobjetivas. E, por outro, que a TAR, não se deixa fundamentar-se tão somente como uma “teoria” que se enquadra às realidades contextualizadas, sem perceber que a inovação pode ser uma caixa-preta, complicada a ser reagrupada no mundo social contemporâneo, cuja acuidade se efetiva criticamente entre o empreendedor “apaixonado” schumpeteriano e o cliente consumidor da sociedade ansiosa da informação, por intermédio de pessoas, empresas, tecnologias, dinheiro, instituições científicas, desejos, entre outros atores humanos e não-humanos. Resta continuar apreender como se dá a formação e o desenvolvimento da inovação, ao configurar-se por meio de fluxos de interesse entre pessoas, coisas e instituições, como agências e mediações atravessadas por limites e avanços característicos de uma ou mais ação de invenção, negociação e comercialização.

Compreende-se, portanto, que as formas de criação, desenvolvimento, estruturação e compreensão de algum fato social, de algum modo, relacionado à inovação estão ora mais, ora menos atentos à complexidade epistemológica e política coexistente nesse tipo de ação efetiva por humanos e não-humanos. Pois, a inovação não se coloca tão somente como uma ação dita “social”, ou meramente tecnicista, como se um produto de inovação fosse efeito de uma relação assimétrica entre as pessoas e as máquinas. “ao contrário, sua lógica interna é que pode explicar alguns traços daquilo que faz uma associação durar mais e estender-se por um espaço maior” (LATOUR, 2012, p. 25).

Portanto, parece ser evidente a complexidade que cada ator envolvido com inovação traz em suas múltiplas redes de associação, de algum modo referenciada pelo conteúdo ou contexto. Isto é, uma pessoa e a invenção, um secretário de ciência e tecnologia e a política, um empresário e o mercado, um pesquisador e a tecnociência, ou mesmo o cliente e a sociedade. Questiona-se, então: é a inovação um efeito da natureza, da política, da tecnologia ou cultural? Ou mesmo, uma malha cujos tecidos são mais ou menos inovadores?

Pois, finalmente, já se compreende que a inovação não é apenas o resultado de imaginação e ideias, nem algo simplesmente novo. É um efeito de relações cujos atores humanos ou não humanos e agências coletivas, como pessoas, tecnologia e instituições performam entre processos de criação, negociações e comercialização.

 

REFERÊNCIAS

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AGRADECIMENTOS

 

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL) e à CAPES pelo subsídio financeiro concedido nessa pesquisa em andamento sob o registro PDJ2022121000022.

 



[1] Doutorado em Gestão e Organização do Conhecimento (Ciência da Informação) pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestrado em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba. Graduando em Filosofia pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Graduado em Biblioteconomia pela UFAL. `É professor voluntário do Curso de Biblioteconomia da UFAL e Pós-doutorando pelo Programa de Ciência da Informação (PPGCI) da UFAL.

[2] Doutor e Mestre em Ciência da Informação (2009) pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É Professor Adjunto do Curso de Biblioteconomia do Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes (ICHCA), Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

[3] Actante é um termo utilizado pelos pesquisadores dos Estudos da Ciência, como John Law e Bruno Latour, que vem da semiótica de Algirdas Greimas para referir-se a qualquer pessoa, animal ou coisa presente na ação social.

[4] Porém, ressalta-se que, durante a verificação semiautomática da seleção das palavras coocorrentes, alguns termos não puderam fazer parte da amostragem terminológica final, como “innovation”, “ant”, “actor-network”, “actor network theory”, além de conjunções e preposições, para não influenciar a materialidade semântica da representação geral.

[5] Essa categorização de campos de pesquisa é apresentada na própria base de dados Dimensions e advém da chamada “Classificação Padrão de Pesquisa da Austrália e da Nova Zelândia”, com sigla inglesa ANZSRC. É um padrão de classificação de campos de conhecimento usada para medição e análise de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) na Austrália e na Nova Zelândia (Australian Bureau of Statistics, 2020).

[6] Endoprótese inserida no corpo humano, tal como um tubo perfurado comumente colocado no coração, para auxiliar no fluxo sanguíneo.