APLICAÇÃO DO MODELO DE GESTÃO DO CONHECIMENTO DE NONAKA E TAKEUCHI PARA A TRANSFERÊNCIA DE KNOW-HOW EM UNIVERSIDADES FEDERAIS

 

Luana Giazzon[1]

Universidade Federal de Santa Maria

contatoluanagiazzon@gmail.com

Lucas Veiga Avila[2]

Universidade Federal de Santa Maria

lucas.avila@ufsm.br

Carmen Brum Rosa[3]

Universidade Federal de Santa Maria

carnen.b.rosa@ufsm.br

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Resumo

As universidades federais desempenham um papel crucial no avanço da pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação no Brasil, impulsionando a produção de conhecimento e tecnologias inovadoras sob o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação (MLCTI). No entanto, a transferência eficaz desse conhecimento para a sociedade e o setor produtivo enfrenta desafios complexos. Nesse contexto, a transferência de know-how se destaca como um elemento-chave para ligar a pesquisa acadêmica à aplicação prática. Este artigo explora o desenvolvimento de um modelo de transferência de know-how para universidades federais, usando o Modelo de Gestão do Conhecimento de Nonaka e Takeuchi como base conceitual. Ao considerar a interação entre diferentes stakeholders, o objetivo é, por meio do modelo, facilitar o processo transferência de know-how, maximizando o impacto das universidades federais na inovação e no desenvolvimento tecnológico do país. O artigo examina o cenário das universidades federais no Brasil, considerando o MLCTI e os desafios e oportunidades na transferência de conhecimento. Destaca a importância da transferência de know-how como componente es da transferência de tecnologia. O desenvolvimento do modelo de transferência de know-how enfatiza as relações entre universidades, pesquisadores e empresas, contribuindo para uma abordagem mais eficaz na promoção da inovação e no desenvolvimento tecnológico.

Palavras-chave: know-how; transferência de tecnologia; modelo de gestão do conhecimento; Universidades Federais.

 

 

 

 

 

APPLICATION OF NONAKA AND TAKEUCHI'S KNOWLEDGE MANAGEMENT MODEL FOR KNOW-HOW TRANSFER IN FEDERAL UNIVERSITIES

Abstract

Federal universities play a crucial role in advancing research, technological development, and innovation in Brazil, driving the production of knowledge and innovative technologies under the Legal Framework for Science, Technology, and Innovation (MLCTI). However, the effective transfer of this knowledge to society and the productive sector faces complex challenges. In this context, know-how transfer stands out as a key element to link academic research to practical application. This article explores the development of a know-how transfer model for federal universities, using Nonaka and Takeuchi's Knowledge Management Model as a conceptual basis. By considering the interaction among different stakeholders, the aim is, through the model, to facilitate the know-how transfer process, maximizing the impact of federal universities on the country's innovation and technological development. The article examines the landscape of federal universities in Brazil, considering the MLCTI and the challenges and opportunities in knowledge transfer. It highlights the importance of know-how transfer as a component of technology transfer. The development of the know-how transfer model emphasizes the relationships among universities, researchers, and companies, contributing to a more effective approach in promoting innovation and technological development.

Keywords: know-how; technology transfer; knowledge management model; Federal Universities.

APLICACIÓN DEL MODELO DE GESTIÓN DEL CONOCIMIENTO DE NONAKA Y TAKEUCHI PARA LA TRANSFERENCIA DE KNOW-HOW EN UNIVERSIDADES FEDERALES

Resumen

Las universidades federales desempeñan un papel crucial en el avance de la investigación, el desarrollo tecnológico y la innovación en Brasil, impulsando la producción de conocimiento y tecnologías innovadoras bajo el Marco Legal de Ciencia, Tecnología e Innovación (MLCTI). Sin embargo, la transferencia efectiva de este conocimiento a la sociedad y al sector productivo enfrenta desafíos complejos. En este contexto, la transferencia de know-how se destaca como un elemento clave para vincular la investigación académica con la aplicación práctica. Este artículo explora el desarrollo de un modelo de transferencia de know-how para universidades federales, utilizando el Modelo de Gestión del Conocimiento de Nonaka y Takeuchi como base conceptual. Al considerar la interacción entre diferentes partes interesadas, el objetivo es, a través del modelo, facilitar el proceso de transferencia de know-how, maximizando el impacto de las universidades federales en la innovación y el desarrollo tecnológico del país. El artículo examina el panorama de las universidades federales en Brasil, considerando el MLCTI y los desafíos y oportunidades en la transferencia de conocimiento. Destaca la importancia de la transferencia de know-how como componente de la transferencia de tecnología. El desarrollo del modelo de transferencia de know-how enfatiza las relaciones entre universidades, investigadores y empresas, contribuyendo a un enfoque más efectivo para promover la innovación y el desarrollo tecnológico.

Palabras clave: know-how; transferencia de tecnología; modelo de gestión del conocimiento; Universidades Federales.

1  INTRODUÇÃO

As universidades federais desempenham um papel fundamental no avanço da pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação no Brasil. Sob o cenário do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação (MLCTI), essas instituições têm sido impulsionadoras da produção de conhecimento e do desenvolvimento de tecnologias inovadoras que contribuem significativamente para o crescimento do país. No entanto, a eficaz transferência de conhecimento e tecnologia gerada nas universidades para a sociedade e o setor produtivo ainda é um desafio complexo e multifacetado. Nesse contexto, a transferência de know-how emerge como um elemento-chave na ponte entre a pesquisa acadêmica e a aplicação prática do conhecimento.

Este artigo se propõe a explorar o desenvolvimento de um modelo de transferência de know-how para universidades federais, utilizando o Modelo de Gestão do Conhecimento de Nonaka e Takeuchi como base conceitual. Ao considerar a interação entre os diferentes stakeholders, busca-se propor uma abordagem que facilite a transferência de know-how e, assim, maximize o impacto das universidades federais na inovação e no desenvolvimento tecnológico do país. À medida que as universidades federais desempenham um papel crescente na promoção da inovação e no desenvolvimento tecnológico, torna-se imperativo explorar abordagens para a transferência de conhecimento e tecnologia.

Na primeira seção deste artigo, examinaremos o cenário das universidades federais no Brasil, considerando a influência do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação e as oportunidades e desafios que surgem em relação à transferência de conhecimento. Na segunda seção, abordaremos o conceito de transferência de tecnologia, destacando a importância da transferência de know-how como um componente desse processo. Por fim, na terceira seção, abordaremos o desenvolvimento de um modelo de transferência de know-how para universidades federais com base no Modelo de Gestão do Conhecimento de Nonaka e Takeuchi, focando nas relações entre os stakeholders envolvidos nesse processo, universidade, pesquisador e empresa.

 

2 UNIVERSIDADES FEDERAIS E A CONTRIBUIÇÃO DO MARCO LEGAL DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

No Brasil o Ministério da Educação (MEC) define as instituições de ensino superior como faculdades, universidade, centros universitários. As universidades, segundo o MEC, se caracterizam pela indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão. O MEC estabelece em que a criação de universidades federais se dará por iniciativa do Poder Executivo, mediante projeto de lei encaminhado ao Congresso Nacional. Art. 16 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996: “são classificadas como públicas, quando criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Governo Federal” (Brasil, 1996).

Para Rosa (2004), a universidade pública brasileira pode ser considerada uma das instituições mais complexas da sociedade, em razão da sua peculiaridade. Essas instituições, em função do seu caráter público, estão submetidas às normas burocráticas e legais que regem a administração pública em geral. As universidades públicas apresentam realidades diferente das instituições privadas. A gestão dessas instituições identifica-se pela origem orçamentária de recursos públicos e pela rigidez da estrutura administrativa e organizacional. Pelo fato de utilizarem recursos públicos, estão subordinadas às leis dos órgãos públicos e às normas estabelecidas pelos tribunais de contas.  

O Censo da Educação do MEC contabiliza 68 universidades federais que, por meio de iniciativas públicas, buscam desenvolver a ciência, inovação e a tecnologia. O Marco Legal da Ciência Tecnologia e Inovação (MLCTI), estimulou o desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação. O MLCTI envolve um conjunto de reformas legais (Emenda Constitucional nº 85, Lei nº 13.243/2016 e Decreto nº 9.283/2018) que estabelecem as diretrizes para o desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil. Ele visa principalmente fortalecer a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação em diversos setores da economia, promovendo a competitividade e o desenvolvimento sustentável do país. A lei introduziu medidas para minimizar restrições e definiu o conceito de “Instituição de Pesquisa Científica e Tecnológica” (ICT) como uma solução prática para abranger todos os possíveis formatos institucionais dessas instituições, independentemente de sua natureza legal (Brasil, 2022).

O MLCTI determina medidas para incentivar a cooperação entre Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs) e empresas e outros agentes do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI), além de facilitar a transferência de tecnologia de criações protegidas. Também prevê a criação e a revisão de mecanismos de fomento para ciência, tecnologia e inovação, que podem ser utilizados no financiamento de projetos, programas e políticas de pesquisa.

Outro aspecto do MLCTI é a flexibilização de algumas regras de aquisição de bens, contratação serviços e pessoal para as instituições de pesquisa, para atrair e reter talentos no país. Além disso, o Marco estabelece a possibilidade de concessão de incentivos fiscais para empresas que investirem em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Dessa forma, o MLCTI pode ser considerado um mecanismo para a promoção da pesquisa nas universidades públicas alinhada à inovação e a tecnologia, possibilitando a interação com outros setores da economia.

 

3 TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA EM UNIVERSIDADES FEDERAIS E ASPECTOS DA TRANFERÊNCIA DE KNOW-HOW

Antes de discorrer sobre o termo Transferência de Tecnologia, é relevante compreendermos o conceito de tecnologia. Para Cesar Flores (2008, p.6), a tecnologia é o conhecimento ou a informação que pode ter vantagem competitiva no campo comercial ou industrial. Na definição, o autor relaciona a tecnologia com a informação quando escreve que “todo saber tecnológico, científico, literário ou artístico nos domínios teórico ou prático, enquanto informação é o conjunto de esclarecimentos acerca de procedimento para utilização do conhecimento”.

               O termo Transferência de Tecnologia (TT) pode assumir diversas definições. Essas definições variam conforme o conteúdo e a finalidade das informações tecnológicas que estão em jogo (Mikosz; Lima, 2018, apud Lima, 2004). Ainda, segundo Lima (2004), Transferência de Tecnologia é “a aquisição, desenvolvimento e utilização de conhecimento tecnológico por um outro ambiente que não o gerou. A World Intellectual Property Organization – WIPO, define Transferência Tecnologia:

 

Em linhas gerais, transferência de tecnologia é uma série de processos para compartilhar ideias, conhecimentos, tecnologias e técnicas com outro indivíduo ou instituição (por exemplo, uma empresa, uma universidade ou um órgão governamental) e a aquisição pelo outro de tais ideias, conhecimentos, tecnologias e técnicas. No contexto de transferir tecnologias do setor público e de universidades para o setor privado, o termo “transferência de tecnologia” é às vezes usado em um sentido mais restrito: como um sinônimo de “comercialização da tecnologia” onde conclusões de pesquisas basicamente científicas de universidades e pesquisas de instituições públicas são aplicadas para produtos práticos e comerciais para o mercado por empresas privadas.[4]

 

               Assim, entende-se que conhecimento gerado nas universidades federais pode ser transferido para outros ambientes, por meio de processos que possibilita a transferência.  
 
               Uma das questões centrais relativas à exploração da universidade é como incentivar o corpo docente a participar da tecnologia atividades de transferência (TT).  Para mitigar riscos, motivar os investigadores e reforçar as atividades de TT, as universidades investem cada vez mais na criação de mecanismos internos destinados a reduzir as incertezas, tensões e riscos morais relacionados ao processo de TT (Fini et al., 2011; Good et al., 2019; Grimaldi et al., 2011). O intuito destas iniciativas é incentivar e promover atividades de comercialização, acelerando o processo de transferência de tecnologia. 
               As universidades federais, por meio dos seus Núcleos de Inovação Tecnologica (NIT), Agência de Inovação, ou Pró-reitorias de inovação estruturam seus processos de Transferência de Tecnologia, bem como ações para estimular o processo de inovação e comercialização do conhecimento gerado no âmbito acadêmico. O processo da Transferência de Tecnologia no Brasil é orientado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A autarquia federal brasileira está vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior responsável pelo aperfeiçoamento, disseminação e gestão do sistema brasileiro de concessão e garantia de direitos de propriedade intelectual para a indústria. 
               Entre os serviços do INPI, estão os registros de marcas, desenhos industriais, indicações geográficas, programas de computador e topografias de circuitos, as concessões de patentes e as averbações de contratos de franquia e das distintas modalidades de transferência de tecnologia.  Os tipos de contratos existentes para Transferência de Tecnologias são as cessões e os licenciamentos de patentes, desenhos industriais e marcas, além de assistência técnica e do fornecimento de tecnologia (know-how).  Também são registradas as franquias empresariais, garantindo assim um acordo seguro e conferindo validade perante terceiros. 
               O tipo de contrato para transferência de know-how é denominado como “Fornecimento de Tecnologia”, pelo INPI (2020): 
 
Fornecimento de Tecnologia: contrato que estipula as cond[5]ições para a aquisição de conhecimentos e de técnicas não amparados por direitos de propriedade industrial depositados ou concedidos no Brasil (Know How). Incluem-se os contratos de licença de uso de programas de computador (software), desde que prevista a abertura do código fonte, nos termos do artigo 11 da Lei nº 9.609/98.
 
               O termo know-how “saber fazer”, de origem americana, surgiu pela primeira vez associado à doutrina da propriedade industrial, nos Estados Unidos, em 1916 (Duro, 2015). Conjunto de conhecimentos e técnicas aplicadas para uma determinada atividade; saber como proceder (know-how) no campo da produção industrial. Diferentemente, portanto, das demais espécies protegidas pelos direitos de propriedade industrial e que também sustentam o comércio de tecnologia, o know-how surge como alternativa para os negócios que têm por objeto conhecimentos ou tecnologia não protegidos por direito de propriedade. Equivalem a um monopólio de fato, na medida em que se reconhece a posse da tecnologia e não um real direito exclusivo a que o Estado concedeu proteção de natureza patentária. O contrato de know-how é aquele em que uma pessoa, física ou jurídica, se obriga a transmitir ao outro contraente, para que este os aproveite, os conhecimentos de processo especial de fabricação, de fórmulas secretas, de técnicas ou de práticas originais, durante certo tempo, mediante o pagamento de determinada quantia, chamada royalties, estipulada livremente pelos contraentes (Pereira, 2013).
               O fato de o contrato de know-how ter por objeto tecnologia não protegida, não significa que esta não possa ser patenteável, ou seja, essa espécie contratual pode ser utilizada como estratégia de negócios, conforme definido pela doutrina. Tal possibilidade é compreendida pela doutrina citada no parecer da Comissão de Inovação da Advocacia Geral da União acerca dos Contratos de Transferência de know-how. Nesse sentido,  Luiz Fernando Pereira (2013), observa que tais contratos surgiram inicialmente com a finalidade de proteger os inventos não amparados por patente de invenção e que, passado algum tempo, foram adquirindo uma finalidade estratégica, de acordo com o tipo de invenção, de mercado, do custo, da concorrência, entre outros fatores. 
               Para Duro (2015), ainda, que algumas invenções preencham os requisitos de patenteabilidade, pode ser mais interessante ao inventor não fazê-lo, porque ao tornar a invenção de conhecimento público por meio do registro da patente, acaba-se expondo para concorrência os rumos que a empresa está tomando. Além disso, segundo a autora, como algumas invenções podem ser violadas facilmente, pode ser mais benéfico ao detentor não divulgá-las, o que pode tornar o processo de transferência de know-how, mais adequado e assertivo, nessa perspectiva.
 

3 METODOLOGIA

Este trabalho tem como objetivo desenvolver um modelo de transferência de know-how para universidades federais para facilitar esse processo, maximizando o impacto das universidades federais na inovação e no desenvolvimento tecnológico do país. Para alcançarmos o nosso objetivo, empregamos a pesquisa bibliográfica e metodológica.

Para isso, utilizamos o Modelo de Gestão do Conhecimento de Nonaka e Takeuchi como base conceitual. Além disso, consideramos a existência de dois tipos de conhecimentos o tácito e o explícito que apoiaram a elaboração do modelo. Nessa fase, utilizamos a definição epistemológica de Polanyi, que destaca que o conhecimento tácito é aquele presente na mente dos indivíduos, muitas vezes desafiador de ser expresso e compartilhado com outras pessoas. Para Polanyi (apud Nonaka; Takeuchi, 1997) esse tipo de conhecimento compreende aspectos cognitivos e técnicos. Os aspectos cognitivos são representados por "modelos mentais" criados por pessoas para compreender e interagir com o mundo ao seu redor, estabelecendo analogias com suas próprias percepções (Rocha 2003). O conhecimento explícito é passível de ser formalmente transmitido a outras pessoas. Quem possui identifica facilmente e tem igual facilidade para transmiti-lo. Pode ser processado eletronicamente, transmitido ou armazenado em bancos de dados, referindo-se ao conhecimento que pode ser comunicado em linguagens formais ou sistematizadas.

A partir disso, a próxima etapa da pesquisa foi relacionar os conceitos e verificar a forma de aplicação no processo de desenvolvimento do modelo de transferência de know-how para universidades federais. Assim, por meio do mapeamento do processo de transferência de tecnologia do NIT da Universidade Federal de Santa Maria identificamos quais são os principais stakeholders envolvidos no processo e atribuição de cada um, considerando as interações durante as fases da transferência da tecnologia. Por meio da aplicação dos conceitos e mapeamento, a próxima etapa da pesquisa foi a organização das informações obtidas pela equipe do NIT no Modelo de Gestão do Conhecimento de Nonaka e Takeuchi, conectando o conhecimento tácito e explícito.

 

4 DESENVOLVIMENTO DA APLICAÇÃO DO MODELO DE NONAKA E TAKEUCHI PARA A TRANSFERÊNCIA DE KNOW-HOW EM UNIVERSIDADES FEDERAIS

Para o desenvolvimento do modelo de transferência de know-how para uma universidade federal, nesta pesquisa, utilizaremos como base a teoria de Nonaka e Takeuchi (1997) como metodologia. De acordo com Nonaka e Takeuchi o processo de criação de conhecimento nas organizações se relaciona com a interação dos conhecimentos tácitos e explícitos. Nonaka e Takeuchi criaram a “Teoria da Criação do Conhecimento Organizacional”, fundamentada numa metodologia de conversão de conhecimento, nominada por eles como Modelo SECI, que consiste num processo de interação entre os conhecimentos tácito e explícito, composto de quatro etapas que dispõe numa espiral de conhecimento composta por: Socialização, Externalização, Combinação e Internalização.

 

Esses quatro modos – que denominamos socialização, externalização, combinação e internalização – constituem o “motor” do processo de criação do conhecimento como um todo. Esses modos são o que o indivíduo experimenta. São também os mecanismos através dos quais o conhecimento individual é articulado e “amplificado” na organização (Nonaka; Takeuchi, 1997, p. 62).

 

Figura 1 - Representação do Modelo SECI Fonte: baseado em Nonaka e Takeuchi (1997, p. 80).

 Diagrama, Desenho técnico

Descrição gerada automaticamente
 

No processo de socialização acontece a conversão do conhecimento tácito em outro conhecimento tácito. Isso pode ocorrer numa simples conversa entre dois indivíduos, quando compartilham suas experiências e conhecimentos pessoais. De acordo com Nonaka e Takeuchi (2008, p. 60) “a socialização é um processo de compartilhamento de experiências e, com isso, de criação de conhecimento tácito – tais como os modelos mentais e as habilidades técnicas compartilhadas”.

Na externalização ocorre a troca do conhecimento tácito em conhecimento explícito por meio de formas mais compreensíveis que buscam facilitar o entendimento. Conforme Nonaka e Takeuchi (2008, p. 64) “entre os quatro modos de conversão do conhecimento, a externalização possui a chave para a criação do conhecimento, porque cria conceitos novos explícitos, a partir do conhecimento tácito”.

No processo de combinação ocorre a conversão do conhecimento explícito em conhecimento explícito por meio de ações que possibilitam a integração de conhecimentos de variadas áreas. Nonaka e Takeuchi (2008, p. 65) explicam que “os indivíduos trocam e combinam conhecimento através de meios como documentos, reuniões, conversas telefônicas ou redes de comunicação computadorizada”.

Na internalização, o indivíduo absorve conhecimento explícito, resultando na aquisição de conhecimento tácito. Assim, Nonaka e Takeuchi (2008, p. 67) explicam que “para que o conhecimento explícito seja tácito, ajuda se ele for verbalizado ou diagramado em documentos, manuais ou relatos orais”.

 

4.1 DESCRIÇÃO DAS FASES DA TRANSFERÊNCIA DE KNOW-HOW EM CADA ETAPA DO MODELO

A partir do modelo SECI e considerando aspectos da transferência de know-how em universidades, aplicaremos o processo para esse tipo de transferência de conhecimento em Universidade Federal. O modelo apresentado na Figura 2, apresenta a interação entre pesquisador, empresa e NIT da Instituição de Pesquisa Científica e Tecnológica, neste artigo definida como uma universidade federal. Para a construção do modelo, foi considerado as principais etapas da transferência de know-how e envolvimento dos stakeholders no processo.

Figura 2 - Modelo de Transferência de know-how para universidades federais a partir do modelo SECI.

Socialização

Comunicado da tecnologia e prospecção

1)    Prospecção Ativa:

Pesquisador        NIT         Empresa

2)    Prospecção Passiva

Pesquisador        Empresa        NIT

 

Externalização

Certificação de que é possível desenvolver e aplicar a tecnologia

Pesquisador        NIT         Empresa

 

Combinação:

Definição do processo da integração dos conhecimentos dos stakeholders

Pesquisador        Empresa        NIT

 

Internalização:

Negociação da transferência da tecnologia para comercialização

Pesquisador        NIT         Empresa

 

 

No processo da Socialização acontece o “Comunicado da tecnologia e prospecção”. Nessa etapa podem ocorrer dois tipos de interação entre os stakeholders que denominamos como “Prospecção Ativa” e “Prospecção Passiva”, considerando a participação do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da Universidade Federal. Na ativa, o pesquisador comunica o NIT sobre sua pesquisa e possível aplicação do conhecimento. A partir disso, o NIT realiza a prospecção de empresas que podem se interessar e desenvolver a tecnologia e aplicá-la para uso e comercialização. Nesse caso, o NIT é ativo e está na parte central dessa relação. Na prospecção passiva, o pesquisador já possuí relação com a empresa e já comunicou sobre a tecnologia que deseja desenvolver em conjunto. Após, o pesquisador ou ambos procuram o NIT para a realização do processo. Nesta relação, o NIT atua de forma passiva à prospecção.

No processo da Externalização, ocorre a “Certificação de que é possível desenvolver e aplicar a tecnologia”. Ou seja, o pesquisador e a empresa identificam que poderão, em conjunto, trabalhar no desenvolvimento e aplicação da tecnologia. Nessa fase, o NIT, trabalha no centro dessa relação para entender como se dará a interação e aplicabilidade da tecnologia. Dessa forma, o NIT terá conhecimento para a realização da próxima etapa dessa relação entre os stakeholders.

No processo de Combinação, o pesquisador e a empresa unem seus conhecimentos com o objetivo de desenvolver a tecnologia. Nessa fase ocorre a “Definição do processo da integração dos conhecimentos dos stakeholders. Eles comunicarão ao NIT como pretendem combinar seus conhecimentos e quais serão os processos para o desenvolvimento e aplicação da tecnologia. A participação do NIT servirá como uma “ponte” para essa condução, identificando quais serão as etapas do processo para poder formalizar essa relação. Assim o pesquisador, a empresa e o NIT entenderão o envolvimento das partes em cada etapa.

Na Internalização, realiza-se a “Negociação da transferência da tecnologia para comercialização”. Nessa etapa, o NIT atua no centro dessa negociação entre pesquisador e empresa, uma vez que a Universidade Federal e pesquisador comercializarão a tecnologia para a organização. Na negociação, o NIT valorou a tecnologia e elaborou a proposta comercial. Com o aceite das partes, nessa etapa, é elaborado o contrato jurídico que descreve tudo que foi acordado durante a negociação e a destinação dos recursos para o desenvolvimento da tecnologia e comercialização, ocorrendo assim, a transferência de know-how.

 

4.2 ALINHAMENTO DO MODELO SECI COM A PROPOSTA DO MODELO DA TRANSFERÊNCIA DE KNOW-HOW

A base da proposta para o desenvolvimento de um modelo de transferência de know-how em universidades federais, nesta pesquisa fundamentada na teoria de Nonaka e Takeuchi (1997), que descreve o processo de criação de conhecimento organizacional. Esse modelo, chamado de SECI, enfatiza a interação entre conhecimento tácito e explícito, composto por quatro etapas: Socialização, Externalização, Combinação e Internalização. Nesta pesquisa exploramos a dinâmica entre esses tipos de conhecimento na transferência de informações entre os stakeholders.

O modelo de transferência de know-how proposto busca se harmonizar com as fases identificadas por Nonaka e Takeuchi. A fase inicial do processo, equivalente à Socialização, envolve a interação inicial entre pesquisadores, o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) e as empresas, caracterizando a troca de conhecimentos e experiências. Em seguida, a fase de certificação de viabilidade se alinha com a Externalização, onde pesquisador e empresa identificam a possibilidade de colaboração para o desenvolvimento e aplicação da tecnologia, com a participação proeminente do NIT.

Prosseguindo, as etapas de Combinação e Internalização do modelo SECI de Nonaka e Takeuchi encontram paralelos no modelo proposto para a transferência de know-how. A Combinação representa a integração dos conhecimentos entre pesquisador, empresa e a atuação do NIT como uma ponte para esse intercâmbio. Enquanto isso, a Internalização se relaciona com a negociação da transferência da tecnologia, ressaltando a relevância do NIT na formalização do processo. Assim, a proposta de modelo de transferência de conhecimento se está alinhada ao modelo teórico, evidenciando a dinâmica entre conhecimentos tácitos e explícitos durante o processo de transferência de know-how.

 

5 CONCLUSÃO

Este artigo se propôs a desenvolver um modelo de transferência de know-how para universidade federal, por meio da aplicação do modelo de gestão do conhecimento de Nonaka e Takaeuchi, considerando a relação entre os stakeholders. O modelo oferece uma abordagem sistemática para aprimorar a eficácia da transferência de conhecimento, especialmente no contexto acadêmico. A interação dos quatro modos do Modelo SECI - Socialização, Externalização, Combinação e Internalização se mostraram crucial para a construção de uma base de conhecimentos entre a relação universidade e empresa.

Esse modelo oferece uma estrutura que considera ativamente a interação entre pesquisadores, empresas e NIT, estabelecendo um processo estruturado que pode servir de guia para a eficiente transferência de conhecimento em universidades federais. Ao considerar a dinâmica e os interesses dos stakeholders, a abordagem proposta busca maximizar o impacto das universidades federais na inovação e no desenvolvimento tecnológico, contribuindo para o progresso do país e o avanço do conhecimento. Portanto, a aplicação do Modelo SECI de Nonaka e Takeuchi para a transferência de know-how é significativo no campo da gestão do conhecimento e na promoção da inovação. É importante mencionar, no entanto, algumas limitações identificadas durante o processo. A complexidade do envolvimento de outras unidades da universidade, além do NIT, e de escritórios da empresa e os processos burocráticos que podem impactar significativamente a fluidez e o tempo do processo de transferência de know-how, requerendo abordagens mais detalhadas para compreender e lidar com esses desafios entre os stakeholders

Consideramos que o modelo proposto pode ser uma “ilustração” dessa relação. A descrição de cada fase para a realização do contrato da transferência de know-how e responsabilidades de cada stakeholder pode ser descrito em estudos futuros acerca da temática, delineando claramente as responsabilidades de cada stakeholder. Uma análise mais detalhada e específica das interações entre pesquisadores, empresas e o NIT durante cada etapa do processo pode fornecer insights valiosos para otimizar a eficácia da transferência de conhecimento. Como sugestão para estudos futuros, é relevante explorar estratégias para mitigar as complexidades burocráticas identificadas pode ser crucial para agilizar o processo de transferência, proporcionando um ambiente mais favorável para a inovação e colaboração entre universidades e o setor empresarial. Essas sugestões, podem contribuir para um entendimento mais abrangente dos desafios enfrentados na transferência de conhecimento e auxiliar no aprimoramento contínuo do modelo proposto, garantindo uma transferência eficaz de know-how e fortalecendo a relação entre universidades e empresas para o avanço do conhecimento e da inovação.

 

REFERÊNCIAS

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WORLD INTELLECTUAL PROPERTY ORGANIZATION. Transfer of technology. Geneva: WIPO, [2024]. Disponível em: https://www.wipo.int/technology-transfer/en/ Acesso em: 1 nov 2023. (Tradução nossa).



[1] Jornalista e Mestranda no Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa (UFSM), Santa Maria, Brasil.

[2] Doutor em Administração (UFSM). Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis (PPGCC/UFSM), Departamento de Ciências Contábeis, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, Brasil.

[3] Doutora em Engenharia Elétrica (UFSM). Professora no Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa (UFSM), Santa Maria, Brasil.

[4] WORLD INTELLECTUAL PROPERTY ORGANIZATION. Transfer of technology. Geneva: WIPO, [2024]. Disponível em: https://www.wipo.int/technology-transfer/en/ Acesso em: 1 nov 2023. (Tradução nossa).

 

 

[5] BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Contratos de transferência de tecnologia: Mais informações. Brasília-DF: INPI, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/inpi/pt-br/assuntos/contratos-de-tecnologia-e-de-franquia/transferencia-de-tecnologia-mais-informacoes. Acesso em: 1 nov. 2023.