A PÓS-VERDADE PELO VIÉS DA TEORIA DA DISSONÂNCIA COGNITIVA

Barbara Coelho Neves[1]

Universidade Federal da Bahia

barbaracoelho2000@yahoo.com.br

Renan Pereira Oliveira[2]

Universidade Federal da Bahia

emailAutor1@dominio.com

 

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Resumo

O presente artigo visa fazer uma articulação conceitual entre o fenômeno da pós-verdade e a Teoria da Dissonância Cognitiva, criada pelo psicólogo Leon Festinger em 1957 e posteriormente importada pelo campo da comunicação para compreender o processo de seleção/exclusão de informações por parte do público. Festinger apontou no seu estudo empírico que as pessoas tendem a buscar informações para reforçar as suas próprias crenças e opiniões prévias. A proposta aqui é fazer uma aproximação teórico/conceitual como tentativa de identificar um referencial teórico no campo da comunicação e da psicologia para analisar a pós-verdade e o consequente contexto das fake news. Recorremos à metodologia da revisão bibliográfica, de modo a mapear alguns trabalhos já produzidos sobre os temas, principalmente no âmbito da comunicação. Ao final, concluímos que a Teoria da Dissonância Cognitiva se mostrou válida como base teórica, bibliográfica e conceitual para a elucidação, pelo menos em parte, do fenômeno da pós-verdade.

Palavras-chave: Pós-verdade; fake news; dissonância cognitiva; desinformação; teoria da comunicação. 

POST-TRUTH THROUGH COGNITIVE DISSONANCE THEORY

Abstract

The present article aims to establish a conceptual articulation between the phenomenon of post-truth and Cognitive Dissonance Theory, created by psychologist Leon Festinger in 1957 and subsequently adopted by the field of communication to understand the process of information selection/exclusion by the public. Festinger pointed out in his empirical study that people tend to seek information to reinforce their own beliefs and pre-existing opinions. The proposal here is to make a theoretical/conceptual approximation as an attempt to identify a theoretical framework in the fields of communication and psychology to analyze post-truth and the consequent context of fake news. We employed the methodology of literature review to map some works already produced on the topics, mainly in the field of communication. In conclusion, we find that Cognitive Dissonance Theory proves to be valid as a theoretical, bibliographical, and conceptual basis for elucidating, at least in part, the phenomenon of post-truth.

Keywords: Post-truth; fake news; cognitive dissonance; misinformation; communication theory.

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

A Internet e as mídias sociais foram capazes de criar novos arranjos e configurações sociais sem precedentes nas civilizações humanas. Mais do que uma perspectiva tecnológica, este novo cenário deve ser observado também sob a ótica antropológica, já que a mediatização da sociedade ensejou a constituição de uma cultura digital global, ultrapassando o conceito de cultura de massa que marcou o século XX.

Neste novo ambiente cultural, sob a égide das redes de Internet, novas práticas e comportamentos sociais, em todos os níveis e esferas da vida pública e privada, são transformados pelo uso das tecnologias de informação e comunicação. Procurar emprego, ou mesmo trabalhar, buscar um relacionamento afetivo, interagir com amigos, se informar, estudar, fazer escolhas políticas, se agrupar, comprar. Até mesmo o brincar das crianças, tudo isso passou a ser intermediado pelos dispositivos móveis, mais precisamente os smartphones. O viver passou a ser cada vez mais virtual, digital e mediatizado. Neste contexto, produzir, consumir e divulgar informações não escapam deste rol de transformações sociais, assim como o aumento da circulação de desinformação e de fake news pelas redes. Este cenário se sustenta, dentre outros motivos, pelo que se denomina de pós-verdade, onde a verdade perde o seu status de realidade factual, consensual e objetiva, e a mentira, assim, pôde usurpá-la ao ganhar maior aderência e credibilidade por parte da sociedade.

Uma marca discursiva interessante sobre a pós-verdade é sua publicação no dicionário Oxford. Pós-verdade, nos termos do dicionário, é um adjetivo definido da seguinte forma: “Relating to or denoting circumstances in which objective facts are less influential in shaping public opinion than appeals to emotion and personal belief”[3] (Siebert; Pereira, 2020).

Nos últimos anos testemunhamos a crise das instituições democráticas. O jornalismo, base fundamental para a democracia, é uma destas instituições que tem visto ruir a sua credibilidade por grande parcela da população. A pós-verdade se intensifica com as mídias digitais justamente pela proporção e velocidade com que a ressonância de sentidos pode acontecer. Por isso os veículos tradicionais de mídia têm dificuldade de manter certo grau de confiabilidade: eles não detêm mais o monopólio da “verdade” (Siebert; Pereira, 2020).

Se outrora era o jornalismo, através dos mass media, que mediava a informação que dava sentido e significado aos acontecimentos da vida cotidiana, cabendo-lhe ações como seleção, produção, interpretação e difusão dos fatos, hoje este fazer jornalístico depende apenas da vontade e do querer do cidadão. Munido de smartphone com câmera, ele coleta e pode distribuir informação à audiências ainda maiores que a mídia tradicional, conforme o alcance viral de tais publicações via mídias digitais. No entanto, a distribuição sem critérios reguladores, inclusive éticos, de uma oferta informacional sem precedentes na história da humanidade, gerando o caos e a desordem informacionais, tem pavimentado o caminho para a distribuição e o consumo em larga escala de desinformação e fake news. Por trás deste fenômeno, um outro fenômeno chama a atenção: a pós-verdade. E setores da política e da economia têm se beneficiado desta nefasta fase da sociedade da informação.

Além  dos aspectos tecnológicos e políticos-sociais, o fenômeno da pós-verdade pode ser compreendido também do ponto de vista da psicologia. Vale destacar que a psicologia já mobilizou esforços desde o início do século XX, através das teorias da psicologia social, para compreender os efeitos dos meios de comunicação na sociedade. O teórico Le Bon é um dos expoentes da também conhecida psicologia das massas. Principalmente Le Bon, considerado o pioneiro, e cujas considerações sobre "comportamento de manada" foram utilizadas na área de comunicação (Jesus, 2013).

Nos anos de 1940, a abordagem empírico-experimental, ou da persuasão, utilizou recorreu aos conceitos, técnicas e métodos da psicologia para compreender os efeitos da comunicação de massa em campanhas eleitorais (Wolf, 2009). Uma das conclusões desta perspectiva psicológica dos processos comunicacionais é de que a persuasão do público é possível, “sob a condição de que a forma e a organização da mensagem sejam adequadas aos fatores pessoais que o destinatário ativa na interpretação da própria mensagem” (WOLF, 2009, p.18). Wolf, discípulo de Umberto Eco, completa sobre esta abordagem psicológica da teoria da comunicação: as mensagens da mídia contém características particulares do estímulo, que interagem de maneira diferente com os traços específicos da personalidade dos membros que compõem o público (Wolf, 2009).

Em seguida, em 1957, o psicólogo Leon Festinger publicou a sua Teoria da Dissonância Cognitiva para compreender, dentre outros objetivos, como as pessoas selecionam e rejeitam determinadas informações, o que acabou sendo incorporada pelas chamadas teorias da comunicação (Sá Martino, 2009).

 

2 PÓS-VERDADE: CONTEXTO HISTÓRICO E CONCEITUAL 

A crise dos discursos de verdade em um contexto de máquinas informacionais já havia sido denunciada por Jean François Lyotard desde os anos de 1970, com a fundação do pensamento crítico pós-moderno (Mattelart; Mattelart, 1999). Em 1981, Jean Baudrillard publicou  a obra Simulacros e simulação, trabalhando com o conceito de hiper-realidade, onde a verdade perde o seu valor para a verosimilhança, através de  informações manipuladas. “No simulacro, a semelhança é de tal ordem que não é possível discernir, à primeira vista, o falso do real, e o conceito de verdade é colocado em suspensão [...]” (Sá Martino, 2009 p.232).

Na atualidade, esta crise pode ser caracterizada pelo binômio pós-verdade/fake news. Pós-verdade e fake news são conceitos que estão intimamente ligados um ao outro.

O uso dessa expressão para designar o momento atual é visto por alguns como algo inadequado, como um modismo, pois se trataria apenas de um novo nome para um fenômeno antigo, e seu uso estaria desconsiderando tudo o que já foi produzido e pensado sobre o assunto. Contudo, para aqueles efetivamente dedicados ao estudo do fenômeno, trata-se, sim, de um processo novo na história, marcado por determinadas características específicas e que exigiria, portanto, categorias de análise próprias. Inclusive, como apontam Aparici e García Martín (2019, p. 09, tradução nossa), “é fundamental a diferenciação entre os conceitos de pós-verdade e notícias falsas (fake news), dimensões que devem ser tomadas separadamente” (Araújo, 2020, p.3).

Ainda não se sabe precisamente o que é causa e consequência, mas é uma unanimidade que as palavras ficaram recorrentes a partir de 2016, com a eleição nos Estados Unidos de Donald Trump (D'Ancona, 2017; Charaudeau, 2022). Aliás, praticamente todos os estudiosos do tema têm sido unânimes quanto a isto.

A campanha de Donald Trump e sua vitória revelou um novo modus operandi da comunicação política, a partir do uso de informação e dados de internautas/eleitores para o convencimento a partir de mentiras, em detrimento de projetos e debates de ideias. Prevaleceu a incitação ao medo, as mensagens de apelo emocional, em substituição ao racional, com fatos duvidosos, mentiras, manipulações, meias verdades, fake news, desinformação e teorias da conspiração. Sobre as condições de veiculação do termo pós-verdade vemos que, em 2016, passou a ser mais frequente durante as campanhas presidenciais americanas - na eleição de Donald Trump à Presidência da República - e nos momentos derradeiros do referendo que decide pela separação do Reino Unido da União Europeia (Brexit) (Siebert; Pereira, 2020). 

No bojo de todo esse ambiente, digital, diga-se, a pós-verdade serviu de âncora para garantir a erosão da verdade e a quebra do limiar que separava mais claramente a verdade e a inverdade, os fatos e as factóides, unindo mentiras, verosimilhança, simulações e simulacros como elementos para a construção da realidade. E assim o caos se generalizou, capitaneado pelo medo e difundido em larga escala pelos algoritmos, ávidos para atrair cliques e likes de usuários que engajam as redes, não se importando com os impactos altamente destrutivos à sociedade, sobretudo à democracia. O termo pós-verdade, muito utilizado no campo da política, significa que a “verdade” escaparia aos fatos e ganharia mais importância quando ligada a crenças pessoais (Miranda; Caldas, 2021, p.565). A pós-verdade pode ser considerada uma ideologia onde todos os fatos, incluindo mentirosos, podem ser verdadeiros.

A verdade depende das crenças de cada indivíduo, não necessariamente dos fatos objetivos. A emoção tende a falar mais alto do que a razão. Nesta luta entre verdade e mentira, perde a verdade, já que a verdade pode ser mentira, e a mentira, que já é mentira, pode ser verdade, a depender das emoções e crenças dos sujeitos. Nesta ótica, a chance de qualquer mentira ser verdade é de 50%, e vice-versa. A verdade, então, se enfraquece, e a mentira se nutre cada vez mais. Não à toa, as fake news tornaram-se protagonistas nos processos sociais, sobretudo políticos. E as mídias digitais são fundamentais para este fenômeno. Nesse caso, o sujeito saber que é capaz de “errar” é o ponto crucial para o auto questionamento e, por conseguinte, questionar a origem da informação a qual teve acesso é o que lhe pode permitir perceber se está equivocado sobre a informação que tem. .

Em Sociologia Digital, Nascimento (2020, p.10), afirma que

A massiva utilização de redes sociais digitais e de ferramentas de buscas sugerem que o modo como nos relacionamos e buscamos informação foi, desde o aparecimento da rede mundial de computadores (world wide web), completamente alterado. Se nos séculos XVIII e XIX a revolução industrial alterou o panorama e o funcionamento das sociedades, nos dias atuais é a “revolução digital” que estaria modificando os diversos aspectos da vida em comum.

 

Partindo do contexto inglês desta revolução digital, Matthew D´Ancona (2017, p.15) afirma com certa perplexidade que “[…] parece uma afronta à maior revolução da história do conhecimento humano que estejam agora em circulação tanta falsificação, pseudociência e tolice médica”. E completa: "A noção de ciência como conspiração, em vez de um campo de investigação capaz de mudar o mundo, costumava se limitar aos excêntricos” (idem, idem). Mas nos últimos tempos, a excentricidade ganhou adeptos em volume assustador.  Com a ideologia de que tudo é possível ser verdade, de acordo com a interpretação/significação que dou aos fatos, as verdades historicamente consensuais de instituições como a política, a história, a ciência e o jornalismo têm se fragilizado cada vez mais, sobretudo a partir da circulação de narrativas alternativas, e muitas vezes falsas, de fatos e acontecimentos sociais. Com a tendência do apelo às emoções, não há necessidade de convencimento racional, argumentação lógica, coesão e coerência discursivas. O acredite se quiser ou no que o seu coração manda parece ser a tônica desta nova forma de comunicação digital da contemporaneidade.

Araújo (2020), com base em Habermas, situa a problemática da pós-verdade causada pelo avanço da polarização e isolamento nas bolhas, da diminuição do jornalismo de investigação e aumento do sensacionalismo e da lógica das redes sociais em que o objetivo é ter curtidas e compartilhamentos e não o aumento do conhecimento sobre a realidade.

“A informação correta”, descrevem Conci e Lopes (2021, p.359), “não pressupõe uma única possibilidade ou um único resultado a ser buscado”. Para os autores, a construção da percepção por parte do cidadão exige uma argumentação coerente, em detrimento da mentira manipuladora. Já Peroso (2017, apud Santaella, 2018) aponta que a indústria das notícias falsas torna-se terreno fertil para o império da pós-verdade. Segundo a autora, a polarização política, a descentralização da informação e o ceticismo generalizado do público são fatores para este contexto de pós-verdade e fake news, onde as crenças pessoais são mais importantes do que os fatos objetivos.

Conforme aponta Charaudeau (2022, p.148), a crença é um conceito estudado pelas ciências humanas e sociais, e na psicologia cognitiva é analisada a partir das diferentes funções cerebrais, tais como a percepção sensorial, motricidade, planejamento, emoção, memória, linguagem, etc. “Assim”, concluiu Charaudeau, “incerteza, conflito interno, confiança e entusiasmo afetivos são estados mentais que associados à força criadora da nossa inteligência, engendram a crença”. Nos ateremos ao conflito interno, pois é do que trata a Teoria da Dissonância Cognitiva. O nosso interesse é buscar um referencial teórico para compreender o fenômeno da pós-verdade, através do comportamento humano. O próprio Charaudeau, em seu recente livro A manipulação da verdade, Charaudeau (2022) fala da dificuldade em determinar de modo preciso os motivos que levam as fontes de notícias falsas, mas certamente há motivações ideológicas/políticas, sem negligenciar as econômicas.  Para o sociólogo francês, “seria preciso haver investigações psicológicas e sociológicas” (Charaudeau, 2022, p.144). O autor chama de verdades alternativas a oposição às verdades factuais ou científicas, onde o sujeito considera verídico o que ele sabe ou pensa que sabe. “Desse ponto de vista, a questão é se o autor das contraverdades está consciente (mentira), parcialmente consciente (má-fé) ou não consciente (denegação)” (Charaudeau, 2022, 145). 

 

3 PÓS-VERDADE SOB O VIÉS COMUNICACIONAL/PSICOLÓGICO DA TEORIA DA DISSONÂNCIA COGNITIVA

Como vimos, o campo das pesquisas em comunicação tradicionalmente importa teorias de outras áreas, na tentativa de explicar os seus fenômenos e responder aos seus questionamentos comunicacionais. Neste sentido, a Teoria da Dissonância Cognitiva formulada no âmbito da psicologia por Leon Festinger (1975), em 1957, também foi incorporada às prateleiras das chamadas teorias da comunicação (SÁ MARTINO, 2009), já que apresenta um respaldo teórico/conceitual para entender as motivações dos sujeitos na escolha de determinados produtos informacionais. Conforme nos lembra Conci e Maia,

Já é de longa data que os seres humanos se sentem mais confortável quando entram em contato com informações que corroboram suas visões de mundo do que outras dissonantes, capazes de confrontar suas percepções e seus entendimento da realidade (Conci; Maia, 2021, p.367 e 368).

No nosso entendimento, o grande problema da pós-verdade é incluir como opção de informação para reforçar as crenças individuais as fake news e demais categorias de desinformação. McIntyre (2019), dedicou-se ao estudo dos fatores que conduziram à pós-verdade e apontou cinco, que aconteceram de maneira paralela. São eles:

Quadro 1 - Fatores que conduzem a pós-verdade

Negacionismo científico

Viés cognitivo do ser humano

Queda de importância dos meios de comunicação tradicionais

Auge das redes sociais

Relativização da verdade promovida pelo pós-modernismo

autoridade da ciência questionada por pessoas comuns

crenças e visões de mundo sem se basear na razão e nas evidências

acompanhamento de notícias e informações por meio das redes sociais

tornaram o ambiente privilegiado para notícias

movimento artístico, cultural e filosófico

origem na década de 50

mais peso às informações que confirmam nossas crenças pré-existentes.

fenômeno conhecido como desintermediação. A profusão de conteúdos baseados em opinião

construídas a partir de algoritmos que selecionam o que provavelmente as pessoas querem

ideia de existência de uma verdade absoluta

quando estudos científicos são financiados para gerar dúvidas

propensão formar suas crenças sem ter em conta a razão e as evidências.

A profusão de conteúdos baseados em opinião

Disparos em massa

qualquer declaração de verdade seria um ato autoritário

utilizada por atores industriais e políticos

Base na teoria cognitiva

Surgimento e expansão da mídia partidária, sobretudo de extrema direita, menos preocupada com os fatos e mais focada no engajamento ideológico dos públicos por meio do emocional.

“efeito bolha”

não haveria “verdade”, apenas “fatos alternativos”.

Fonte: Produção elaborada com base em Festinger (1975), McIntyre (2019), Araújo (2020), Conci e Maia (2021).

Em seu livro Teoria da Comunicação, Ideias, Conceitos e Métodos,  Luís Mauro Sá Martino (2009) nos mostra que a Teoria da Dissonância Cognitiva, aplicada ao campo da comunicação, “no contato com uma fonte de informações, as pessoas apresentam uma tendência a buscar informações que reforcem os seus pontos de vista, evitando, por conseguinte, dados que possam fortalecer opiniões diferentes da suas” (Sá Martino, 2009 p.80). Novos conhecimentos e informações não são capazes necessariamente de mudar a opinião das pessoas. “Ao contrário, mesmo diante de evidências, os indivíduos buscam reforço para as suas ideias" (Sá Martino, 2009 p.80). Sá Martino continua:

Festinger mostrou que existe uma dificuldade das pessoas em enfrentar situações onde suas opiniões, práticas e crenças são confrontadas de maneira direta com uma informação contrária. Esse choque entre conhecimento antigo e o novo é a dissonância cognitiva […]” (Sá Martino, p.81).

As políticas internas das big techs que norteiam os seus sistemas de algoritmos conhecem bem o conceito de Festinger (1975) aqui discutido e no qual se baseiam os nossos referenciais. Vejamos o que nos diz Conci e Maia:

Com base neste conhecimento e na ambição de lucros incessantemente crescentes com a venda de publicidade, as plataformas digitais utilizam seus sistemas algoritmos preditivos para selecionar e apresentar aos usuários apenas aqueles conteúdos que não gerem neles a dissonância cognitiva (Stark el al., apud Conci; Maia, 2021, p.368).

 

Tal procedimento institucionalizado pelas plataformas digitais, ao fazer uma curadoria e apresentar apenas conteúdos que despertem interesse nos usuários, manteriam-os por mais tempo conectados às redes, criando uma massiva audiência cativa, que gera lucros às empresas de mídia.

 

4 CONCLUSÃO

Com análise dos materiais bibliográficos aqui apresentados e na articulação lógica-conceitual no campo das teorias da comunicação, da ciência da informação e da psicologia, foi possível identificar que a Teoria da Dissonância Cognitiva de Leon Festinger pode ser incorporada como um dos referenciais teóricos para a compreensão do fenômeno da pós-verdade e das fake news.

Compreendemos que o fenômeno, como bem aponta Charaudeau, deve ser visto por diversas áreas para uma visão holística do fenômeno da pós-verdade, e o campo da psicologia apresenta conceitos e teorias que podem alargar o entendimento da pós-verdade na contemporaneidade. Desta forma, acreditamos que o presente trabalho pode contribuir com debate sobre o tema, inclusive com a sua bibliografia, pluralizando pontos de vista que o assunto requer para o seu melhor entendimento.

A Teoria da Dissonância Cognitiva se apresenta como uma das possibilidades teóricas para analisar a pós-verdade, mas somente ela, sem levar em consideração outras questões e abordagens de outros campos do conhecimento científico, não seria capaz de compreender as diversas dimensões históricas, sociais, políticas, filosóficas e tecnológicas da pós-verdade.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Professora na Universidade Federal da Bahia.

[2] Doutorando em Ciência da Informação (PPGCI-UFBA).

[3] Tradução livre: Relacionado ou denotando circunstâncias em que fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e crença pessoal.