O USO DE PLATAFORMAS DIGITAIS PARA PARTICIPAÇÃO SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE INOVAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA

O Caso do Orçamento Participativo de São Paulo (SP)

Tuani Carla Fuzati[1]

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP

tuani.fuzati@gmail.com

Gustavo de Almeida Capellini [2]

Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP)

gucapellini@gmail.com

Marcia Cristina de Carvalho Pazin Vitoriano [3]

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP

marcia.pazin@unesp.br

Elaine da Silva [4]

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP

elaine.silva1@unesp.br

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Resumo

O Orçamento Participativo consiste em uma forma de política de informação que visa inserir o cidadão no debate orçamentário. Esse processo pode se dar de diferentes formas, implicando em diferentes níveis de participação nas etapas do processo orçamentário, ou seja, conforme as características do processo em questão é possível que o cidadão proponha e delibere sobre as propostas, acompanhe sua execução e fiscalize as contas públicas. A literatura relata diversas limitações observadas em processos de Orçamento Participativo ao longo dos anos, sendo que algumas delas podem ter sido profundamente impactadas e beneficiadas com políticas públicas de Ciência, Tecnologia e Inovação. Este artigo objetiva aprofundar o entendimento sobre esse fenômeno a partir de uma análise de conteúdo da plataforma Participe+, a ferramenta através do qual se realiza o Orçamento Participativo na cidade de São Paulo-SP. Observou-se que essa experiência é capaz resolver lacunas observadas em processos anteriores, notadamente pela ampliação da participação impulsionada pela possibilidade de participação à distância, online. Adicionalmente, o modelo proposto favorece o acompanhamento das etapas dos projetos em andamento por parte dos cidadãos, bem como a transparência com justificativas para projetos rejeitados.

Palavras-chave: Orçamento Participativo; Políticas Públicas de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I); Plataforma Digital; Participação Social; Cidadão e Cidadania.

THE USE OF DIGITAL PLATFORMS FOR SOCIAL PARTICIPATION AS A TOOL FOR INNOVATION IN PUBLIC MANAGEMENT

The case of Participatory Budgeting in São Paulo (SP)

 

Abstract

Participatory budgeting is a form of information policy that aims to include citizens in the budget debate. This process can take place in different ways, implying different levels of participation in the stages of the budget process, i.e. depending on the characteristics of the process in question, it is possible for citizens to propose and deliberate on proposals, monitor their implementation and oversee public accounts. The literature reports various limitations observed in Participatory Budgeting processes over the years, some of which may have been profoundly impacted and benefited from public policies on Science, Technology and Innovation. This article aims to deepen our understanding of this phenomenon based on a content analysis of the Participe+ platform, the tool through which Participatory Budgeting is carried out in the city of São Paulo-SP. It was observed that this experience is capable of resolving gaps observed in previous processes, notably by expanding participation driven by the possibility of remote, online participation. In addition, the proposed model makes it easier for citizens to monitor the stages of ongoing projects, as well as transparency with justifications for rejected projects.

Keywords: Participatory Budgeting; Science, Technology and Innovation (ST&I) Public Policies; Digital Platform; Social Participation; Citizen and Citizenship.

 

EL USO DE PLATAFORMAS DIGITALES DE PARTICIPACIÓN SOCIAL COMO HERRAMIENTA DE INNOVACIÓN EN LA GESTIÓN PÚBLICA

El caso de los Presupuestos Participativos en São Paulo (SP)

 

Resumen

El Presupuesto Participativo es una forma de política de información que tiene como objetivo incluir a los ciudadanos en el debate presupuestario. Este proceso puede darse de diferentes maneras, implicando diferentes niveles de participación en las etapas del proceso presupuestario, es decir, dependiendo de las características del proceso en cuestión, es posible que los ciudadanos propongan y deliberen sobre las propuestas, controlen su ejecución y fiscalicen las cuentas públicas. La literatura da cuenta de diversas limitaciones observadas en los procesos de Presupuestos Participativos a lo largo de los años, algunas de las cuales pueden haber sido profundamente impactadas y beneficiadas por las políticas públicas de Ciencia, Tecnología e Innovación. Este artículo pretende profundizar en la comprensión de este fenómeno analizando el contenido de la plataforma Participe+, la herramienta a través de la cual se llevan a cabo los Presupuestos Participativos en la ciudad de São Paulo-SP. Se observó que esta experiencia es capaz de resolver lagunas observadas en procesos anteriores, especialmente a través de la ampliación de la participación impulsada por la posibilidad de participación a distancia, en línea. Además, el modelo propuesto favorece el seguimiento ciudadano de las etapas de los proyectos en curso, así como la transparencia con justificaciones de los proyectos rechazados.

Palabras clave: Presupuestos Participativos; Políticas Públicas de Ciencia, Tecnología e Innovación (CTI); Plataforma Digital; Participación Social; Ciudadano y Ciudadanía.

1  INTRODUÇÃO

Embora previstas na Constituição Federal Brasileira de 1988 (Brasil, 1988), as políticas para Ciência e Tecnologia estão distantes de serem tratadas como políticas de Estado, ainda que seja possível a participação da sociedade civil na implementação de políticas públicas de modo complementar e sob subordinação ao Estado (Aith, 2006).

Neste sentido, Lobato (2006, p. 304) discorre que “[...] a intervenção estatal em forma de política significa uma necessidade dada pela impossibilidade de que essas demandas sejam canalizadas por outros mecanismos, sejam do Estado ou não”. Ou seja, essas intervenções acontecem para que, de alguma forma, as demandas sociais sejam supridas de acordo com o interesse social. 

De acordo com Silva (2002), o reconhecimento do conhecimento como um dos principais insumos para a geração de riqueza e bem-estar social foi intensificado a partir da revolução da informação trazida pela Internet, assim surge a possibilidade de aproximar o cidadão das informações disponibilizadas, e que podem ser acessadas a qualquer momento, fruto de inovações tecnológicas que permitiram a interação e compartilhamento de conhecimentos em diferentes ambientes.

O Orçamento Participativo (OP) é uma das formas de participação social amplamente discutidas na literatura (Celina Su, 2017; Fedozzi; Martins, 2015; Souza, 2001; Sampaio, 2016). Trata-se de um mecanismo que permite inserir o cidadão no debate orçamentário, promovendo uma democracia mais direta, na medida em que ele pode propor e escolher de que forma parte dos recursos públicos serão empregados. De acordo com o Atlas Mundial Orçamentos Participativos (AMOP, 2021) esse tipo de iniciativa pode ser observada em diversos países, em diferentes esferas de governo, com características e níveis de informatização adaptados para cada contexto.

No Brasil não existe legislação nacional, mas os processos de OP são adotados em algumas prefeituras, sendo que “na grande maioria dos casos, os governos atendem às exigências da participação previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal por intermédio de programas de OP” (AMOP, 2021).

Nesta pesquisa será analisada uma iniciativa de OP em nível municipal, na cidade de São Paulo, Estado de São Paulo (SP), denominada Participe+ (Participe Mais). Trata-se de uma plataforma digital que possibilita a participação do cidadão no processo orçamentário, proporcionando um ambiente para a discussão e formulação de políticas públicas municipais de maneira colaborativa entre população e governo (Participe+, 2024).

Para isso, a pesquisa apresenta uma descrição desse processo de OP, evidenciando suas etapas e como elas se refletem na estrutura da plataforma digital. A partir daí é possível definir categorias para desenvolvimento da análise de conteúdo, abordando de forma crítica suas possibilidades e limitações, a fim de contribuir com a literatura para difusão de boas iniciativas e sugestões de melhorias.

A seguir o artigo apresenta três seções de referencial teórico, uma destacando o panorama das políticas públicas de Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I) no Brasil, que culminam com o desenvolvimento e a difusão de sistemas de informações; uma outra abordando a inovação trazida pela transformação digital e o Governo Digital; e uma última, que apresenta a trajetória das iniciativas de OP, com ênfase no contexto brasileiro. Posteriormente, é apresentado o caso do Participe+ no município de São Paulo, a partir do qual serão desenvolvidas as análises e discussões sobre suas implicações, e por fim, são apresentadas as considerações finais do estudo.

 

2  Políticas Públicas de CT&I no Brasil e Sistemas de Informações

Em 1985, o Decreto nº. 91.146 criou no Brasil o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), um marco que trouxe consigo a expectativa de que, a partir daí, os assuntos pertinentes a essa área de conhecimento contassem com uma estrutura mais adequada. Naquele ano, foi realizada uma Conferência de Ciência e Tecnologia, refletindo o interesse da população em geral e da comunidade científica, que desejavam participar mais ativamente das decisões governamentais em todos os níveis, depois de vinte anos de um regime autoritário (Francisco, 2018).

O tema da Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I) ganhou relevância com a Constituição Federal (CF) de 1988 (Brasil, 1988), com destaque para os artigos 218 e 219, que versam sobre o incentivo e o apoio do Estado para o desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação. Após a mudança constitucional, duas grandes conferências para tratar de CT&I foram realizadas, em 2004 e 2005. Em 2010, a IV Conferência Nacional de CT&I deu um importante passo ao enfatizar a discussão dessas políticas enquanto políticas de Estado. Assim, a CF/88 e a IV Conferência Nacional de CT&I são considerados dois marcos para a consolidação das políticas para CT&I como política de Estado no Brasil (Francisco, 2018).

Devido à sua relevância, as políticas de Estado se configuram como permanentes e exclusivas do Estado e, assim, se diferem das políticas de governo, que podem ser delegadas ou terceirizadas. Como as políticas de governo usam uma estrutura estatal já existente para sua execução, devido ao caráter complementar, tornam-se transitórias e podem ser interrompidas pela mudança de governante. Nesse contexto, espera-se que essas políticas sejam cada vez mais priorizadas independentemente do governante que esteja no poder (Aith, 2006).

No entanto, há questões sobre como essas políticas são sustentadas, tendo em vista a situação econômica do país que, em diferentes momentos, impactou as fontes de financiamento e impôs restrições orçamentárias. Apesar da tentativa de se construir caminhos para a participação social nas políticas de CT&I, desde o primeiro Congresso promovido seguiram-se turbulências econômicas e políticas que interromperam, por um período considerável, os debates iniciados (Brasil, 2001). Sobre os desafios enfrentados, destaca-se que:

Apesar das várias iniciativas, o estabelecimento de uma infraestrutura para a sistematização da informação depende essencialmente de financiamento, bem como do interesse da iniciativa privada, no sentido de buscar estes recursos e estabelecer efetivamente no país um novo segmento produtivo denominado indústria da informação (Valentim, 2002, p. 1).

A criação dos Fundos Setoriais, em 1999, foi um dos principais acontecimentos na política de suporte e financiamento à inovação no Brasil: “Os fundos pretendiam reduzir a instabilidade dos recursos orçamentários destinados à CT&I, por meio da criação de tributos vinculados, arrecadados de vários setores econômicos, para o financiamento de suas atividades de Pesquisa & Desenvolvimento - P&D” (IPEA, 2021, p. 5).

Atualmente, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) tem como função principal a formulação e a coordenação da política brasileira de ciência e tecnologia, sendo responsável pela execução da maioria das políticas para o setor, utilizando a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e o Conselho de Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) como agências de fomento. Juntos, FINEP e CNPQ representam a maior parte do financiamento da pesquisa científica e tecnológica no país (IPEA, 2021).

Conforme ressaltam Canongia et al. (2004), a promoção da sinergia entre as atividades de CT&I e o desenvolvimento social e econômico requer a adoção de modelos de gestão dessas atividades seja no nível do governo, das organizações e do setor produtivo (Silva, 2019). Na experiência brasileira, um conjunto de políticas públicas suporta a promoção e geração de inovação, visando estabelecer caminhos para a difusão da atividade de inovação no país (Silva, 2019).

Os grandes avanços produzidos na segunda metade do século XX, principalmente do ponto de vista das tecnologias da informação e da comunicação (TIC), propiciaram um conjunto de mudanças, como a internacionalização das culturas, possibilitada pela globalização dos mercados e da economia dos países, que se agregaram em torno de lideranças científicas e tecnológicas. Nesse contexto:

A velocidade das transformações técnicas, intelectuais e sociais chega mesmo a tencionar uma perspectiva temporal linear entre passado e futuro. Os extraordinários avanços da ciência e tecnologia (C&T) trouxeram impactos profundos nos mais variados campos da prática humana. A promessa e aposta da C&T como geradora de bem-estar, de liberdade, igualdade, autonomia e domínio do tempo descortina à sociedade a possibilidade de realização de todo o seu potencial humano (Guimarães, (2005, p. 2).

Com o dinamismo das mudanças, uma parcela do conhecimento produzido torna-se obsoleta rapidamente. Assim, fez-se necessário pensar mais em uma qualificação abrangente, que valorize habilidades de gestão, comunicação, liderança, criatividade, empreendedorismo, inovação, aspectos culturais, multidisciplinares e sistêmicos destacados na economia do conhecimento (Amorós; Bosma, 2014).

Citando Gusmão (2005), Hayashi, Hayashi e Silva (2006, p. 103) dizem que as transformações pelas quais o mundo da pesquisa científica e tecnológica passou “têm exigido a adoção de novos instrumentos de intervenção e, em decorrência, o tratamento mais criterioso e coordenado da informação”. Para os autores, “o crescimento acelerado da produção de documentos e a demanda por sua busca, verificação, recuperação e análise não pode ser atendida pelas ferramentas disponíveis” (Hayashi, Hayashi e Silva (2006, p. 108), sendo necessária a integração dos sistemas de informações disponíveis relacionados ao conhecimento sobre ciência e tecnologia.

Ao abordar o tema da política industrial e tecnológica voltada ao desenvolvimento, Matias Pereira (2003) defende que as estratégias industriais sejam baseadas na redução da assimetria das informações entre os diversos atores, uma vez que há uma tendência de o poder econômico de grandes grupos sobrepujar o interesse estratégico nacional. Nesse sentido, Hayashi, Hayashi e Silva (2006, p. 9) defendem “a importância dos sistemas de informação e dos portais em CT&I para o planejamento e avaliação dos esforços nacionais em ciência, tecnologia e inovação.”

Pode-se considerar um sistema de informação como um conjunto de componentes inter-relacionados que apoia o controle e a tomada de decisão, para isso coleciona/recupera, processa, armazena e distribui a informação em uma organização (Laudon; Laudon, 2004). Sendo assim, os sistemas de informação são de fundamental importância não somente para disseminar informações, mas também para armazená-las e recuperá-las para sua posterior utilização.

Do ponto de vista dos sistemas de informação, a transformação digital e o governo digital tornaram-se mecanismos relevantes em todos os âmbitos de CT&I.

 

3 Sistemas de Informação, Transformação Digital e Inovação

No contexto das mudanças propostas por um conjunto de políticas públicas de CT&I, associadas à necessidade de informação qualificada como insumo e também para a disseminação, entende-se que o processo de transformação digital em curso cria oportunidades de ampliar a participação da sociedade na proposição e desenvolvimento de políticas.

A partir de 2015, o governo brasileiro assumiu a inovação como papel do Estado e incluiu na agenda específica os temas da Transformação Digital e do Governo Digital. Com a formulação, em 2018, da primeira Estratégia de Transformação Digital, teve início um longo caminho em direção ao desenvolvimento da indústria e da inovação, tendo como um dos enfoques a ampliação dos sistemas de informação em ambiente digital (Ávila; Lanza; Valotto, 2023). Para os autores:

A Transformação Digital é o processo de incorporar tecnologias digitais em todos os aspectos de uma organização, incluindo processos, cultura e modelo de negócios. Por fim, o Governo Digital é uma estratégia de governo para promover a inovação no setor público, aumentando a eficiência, transparência e participação cidadã por meio do uso de tecnologias digitais (Ávila; Lanza; Valotto, 2023, p. 42).

Aliando as políticas de CT&I à necessidade de ampliação da participação da sociedade, a transformação digital e os mecanismos de governo digital desenvolvidos pelo Estado brasileiro têm contribuído para a criação de novos instrumentos de participação, em que a população tem sido beneficiada com a criação de plataformas para divulgação e acesso a informações e documentos que podem alterar a forma como o cidadão se apropria da informação pública.

Dentre os elementos virtuosos da transformação digital destacados por Ávila, Lanza e Valotto (2023), destacam-se o aumento da capacidade de processamento de dados e informações, a melhoria da colaboração e do compartilhamento de conhecimento, a facilitação na tomada de decisões, a automatização nos processos e o acesso a novas fontes de dados. Do ponto de vista do cidadão, a efetivação da sociedade do conhecimento passa pelo aumento da capacidade de acesso à informação pública, mas também à capacidade de análise dessa informação para a participação na formulação de políticas públicas.

O aspecto inovativo, com reflexos na política de CT&I, está na ampliação do protagonismo social para a compreensão e articulação dos elementos informacionais necessários à tomada de decisão sobre a destinação de recursos para o desenvolvimento científico e tecnológico. Entende-se que, se os sistemas de informação são difundidos e disponibilizados em plataformas digitais acessíveis aos cidadãos, é possível impulsionar a participação social nas políticas públicas. Cristovam, Saikali e Sousa (2020, p. 214) defendem que, “considerando que as tecnologias e a disrupção alteraram a forma dos indivíduos se relacionarem e, igualmente, a maneira como operações comerciais são concretizadas, por óbvio há também impactos nos vínculos que são estabelecidos entre cidadãos e Estados.” Os autores defendem os sistemas de informação utilizados na gestão pública com base nas “[...] TICs podem contribuir para a inovação e o fomento da prestação de serviços públicos adequados e atuais para todos os cidadãos, comportando as dimensões democrática e social impostas pela ordem jurídica constitucional vigente (Cristóvam; Saikali; Souza, 2020, p.230).

Este estudo pretende demonstrar como isso ocorre à luz do Orçamento Participativo implementado em São Paulo (SP), mas antes, é importante compreender a trajetória do OP, que permitirá observar suas origens, fundamentos e principais limitações, incluindo aquelas superadas pelos avanços em CT&I e pela implementação de sistemas de informação.

 

4  Trajetória do Orçamento Participativo

O Orçamento Participativo (OP) é um instrumento reconhecido por ter surgido no Brasil como uma política inovadora na cidade de Porto Alegre, no fim dos anos 1980, tendo se fortalecido a partir da década de 1990, despertando grande interesse internacional e se espalhando pelo mundo ao longo dos anos (Celina Su, 2017).

A característica fundamental dessa forma de política é que o OP, efetivamente, envolve a população no planejamento do orçamento da cidade. Isso implica uma nova forma de debate no processo de elaboração do orçamento, mudando radicalmente a relação entre a administração pública e a sociedade civil. Contudo, para além desse aspecto central, há de se notar que diferentes experiências trazem características particulares. A análise dessas experiências demonstra que o aprendizado com erros e limitações de experiências anteriores podem ser superados e o acesso a recursos tecnológicos mais sofisticados também possibilita novas formas de OP, como é possível observar no caso do Participe+.

Nesse sentido, entender mais profundamente o caso do orçamento participativo da cidade de Porto Alegre pode contribuir para a compreensão da trajetória do OP da cidade paulista, pois trata-se de uma referência amplamente estudada, que determina as bases do OP e revela as principais lacunas e conquistas que orientaram as experiências futuras. Portanto, a seguir aprofundaremos o estudo sobre esse caso.

Em Porto Alegre, o OP teve início quando os cidadãos recebiam informações básicas sobre o orçamento da cidade, participando de reuniões e assembleias organizadas, divididas por distritos. Além das assembleias distritais, havia assembleias organizadas para tratar de tópicos comuns de toda a cidade. Entre os cidadãos participantes, existiam delegados e conselheiros, que eram selecionados entre as pessoas presentes nessas assembleias, e compunham as instâncias representativas: o Conselho do Orçamento Participativo (COP); os Fóruns de Delegados Regionais e Temáticos (Fedozzi; Martins, 2015; Souza, 2001).

Nesse modelo, esses representantes assumem responsabilidades a mais, com um nível maior de engajamento, uma vez que, dentre as atividades desempenhadas por eles está a elaboração de uma lista de prioridades para projetos que devem entrar no próximo orçamento, a partir da consulta com o público em geral e com a própria administração pública. Por um sistema de votação individual, nesses fóruns, eram aprovadas as prioridades orçamentárias, e elegiam-se os conselheiros para formar o COP. Com base no número de indivíduos presentes, se estabelecia a quantidade de delegados escolhidos para formar os Fóruns de Delegados. Esse é um aspecto importante do processo, pois durante o ciclo anual do OP boa parte das decisões ocorriam por meio dessas instâncias de representação (Fedozzi; Martins, 2015; Souza, 2001).

Com base nas diretivas dessas assembleias distritais e das assembleias específicas para temas da cidade, o Conselho do OP ficava responsável por elaborar um projeto de orçamento e um plano de investimento, que seria submetido ao conselho da cidade para avaliação e para tomada de decisão final. O Conselho também definia as regras para o processo de planejamento do próximo orçamento, e para isso, as regras deviam incorporar fórmulas de alocação desenvolvidas a fim de garantir um tratamento imparcial entre os distritos mais pobres e mais ricos (Fedozzi; Martins, 2015; Souza, 2001).

Essa experiência inovadora na forma de se planejar o Orçamento Público permitiu um maior engajamento dos cidadãos, pois percebeu-se que essa forma de incentivo material fez com que eles participassem ativamente da política e se organizassem. Nesse sentido, a participação deu oportunidades para os cidadãos fazerem lobby para conseguir o financiamento de alguns projetos específicos, de demanda popular, que muitas vezes não seriam percebidos ou priorizados pela administração pública. Outro efeito notado foi que a população de renda mais baixa, as mulheres e as minorias étnicas participaram significativamente, em grandes proporções. Em geral, grupos que normalmente eram excluídos no modelo representativo, buscaram seu espaço no modelo participativo. Com isso, também foram notados efeitos redistributivos significativos, pois os distritos mais pobres alcançaram níveis mais altos de investimento público per capita. Consequentemente, em comparação com outras grandes cidades do Brasil, observou-se um aumento significativo no nível de desenvolvimento de Porto Alegre nesse período, notadamente por meio desses projetos de pequena escala adaptados às estruturas locais para atender as necessidades da população (Fedozzi; Martins, 2015; Souza, 2001).

Esse modelo foi replicado e adaptado em diversos municípios brasileiros, mas apesar do sucesso inicial, após alguns anos, o OP perdeu força no Brasil, notadamente com as mudanças políticas observadas no início dos anos 2000, que teriam resultado em uma mudança drástica no direito dos cidadãos brasileiros de participar de forma direta no debate orçamentário (IBP, 2019). Spada (2017) registrou o seguinte levantamento do número de processos de OP em andamento no Brasil: 11(onze) entre 1989/1992; 33 (trinta e três) entre 1993/1996; 66 (sessenta e seis) entre 1997/2000; 133 (cento e trinta e três) entre 2001/2004; 124 (cento e vinte e quatro) entre 2005/2008; 101 (cento e um) entre 2009/2012; e 58 (cinquenta e oito) entre 2013/2016.

Corrobora para esses dados o fato de que o OP costuma funcionar melhor nos anos iniciais, quando a escala ainda é limitada. Já a longo prazo, além da dificuldade de operacionalizar o processo com maior número de participantes, pode ocorrer a chamada 'fadiga de participação', na medida em que as expectativas podem ser frustradas se o OP não for tão bem-sucedido quanto esperado. Isso também se agrava porque os processos bem-sucedidos vão envolvendo mais pessoas, que propõem mais ideias, que requerem mais recursos, e eventualmente isso pode atingir um limite, uma espécie de 'teto de vidro', que por sua vez gera uma situação em que o processamento das ideias fica mais lento, e mais propostas deixam de ser implementadas, interrompendo um ciclo de retorno positivo. Essa situação foi observada repetidas vezes, em muitas cidades que foram incapazes de manter os processos de OP funcionando por mais do que poucos anos. Ou seja, é importante gerenciar as expectativas dos participantes, de tal forma que se busque garantir meios para que os processos de OP não cresçam além de uma escala considerada aceitável e sustentável. Ou ainda, paralelamente, deve-se buscar mecanismos complementares, que sejam projetados para permitir cada vez mais participação, e que sejam capazes de romper o "teto de vidro" (IBP, 2019).

Outro fenômeno que merece destaque e contribuiu significativamente para a descontinuidade de diversos processos de OP foi a Pandemia COVID-19, visto que 55% dos OP pelo mundo foram suspensos (AMOP, 2021). O Atlas Mundial do Orçamento Participativo referente a 2020/2021 mostra que havia 36 (trinta e seis) iniciativas de OP no Brasil, sendo 32 (trinta e dois) em governos locais, uma queda significativa, uma vez que a versão anterior do Atlas, referente a 2019, apontava um total de 436 (quatrocentos e trinta e seis) processos de OP, sendo 435 (quatrocentos e trinta e cinco) em governos locais (AMOP, 2021; 2020).

Dentre os fatores associados à pandemia, deve-se destacar que os governos enfrentaram restrições orçamentárias, mas também, restrições para a circulação de pessoas e encontros presenciais. Sobre o segundo aspecto, a literatura sugere que os orçamentos participativos eletrônicos (e-OPs) podem oferecer novos caminhos (Sampaio, 2016). Ou seja, os avanços tecnológicos possibilitam novas formas de participação, por meio virtual, que poderão ser cada vez mais exploradas por governos, como o exemplo do Participe+.

 

5  O Caso da Plataforma Participe+

A plataforma Participe+ é uma ferramenta de Orçamento Participativo na cidade de São Paulo, que consiste em um ambiente digital para a discussão e formulação de políticas públicas municipais de maneira colaborativa entre população e governo (Participe+, 2024).

A Participe+ é gerida pela equipe de Governo Aberto da Cidade de São Paulo, que faz parte da Secretaria de Governo. Ela surge a partir do Compromisso 3 do 2º Plano de Ação, criado com extensa participação social em 2018 e implementado entre 2019 e 2020 pela Prefeitura e pela sociedade civil representada no Fórum de Gestão Compartilhada, sob coordenação da equipe de Governo Aberto. Nesse Plano de Ação está previsto que a Prefeitura e a sociedade civil devem trabalhar juntos para melhorar a transparência, a participação social, a inovação e a prestação de contas públicas na cidade.

O desenvolvimento do Participe+ se deu a partir de uma cooperação entre a Prefeitura de São Paulo e a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). O portal utiliza o software livre CONSUL, elaborado pela Prefeitura de Madri e utilizado por dezenas de governos e instituições ao redor do mundo. Isso significa que qualquer município, estado, nação ou instituição pode usar livremente o código e fortalecê-lo (Participe+, 2024).

O portal é descrito como “a casa dos processos participativos online do município”, cuja missão é proporcionar um ambiente de participação social online para a discussão e formulação de políticas públicas municipais, que são divididas por subprefeituras, sendo 32 (trinta e duas) no total. A disponibilidade das informações no site é orientada para que o usuário navegue e localize as informações sem grandes dificuldades, sendo possível extrair informações relevantes no contexto da transparência orçamentária que possibilitam a participação do usuário.

É preciso ter um cadastro para participar. Além de enviar propostas, a plataforma sugere outras formas de participação, como por exemplo, a votação em propostas de interesse já enviadas por outros usuários. Para localizar as propostas que mais interessam aos usuários, há um mecanismo de busca através de palavras-chave.

Em uma apresentação geral, o site conta com informações sobre consultas públicas, com a possibilidade de participar dos processos abertos e consultar a etapa em que se encontram. Há informações sobre os conselhos, seus representantes e suas funções, destacando os conselhos: I) Consultivo - de caráter opinativo, ouvido pelos governantes, que por sua vez, podem ou não agir de acordo com as indicações deste conselho; II) Deliberativo - age em conjunto com o governo e demanda uma ampla participação, tanto da sociedade civil quanto de membros do poder público, pois decide diretamente sobre a formulação e implantação das ações; e III) Participativo - monitora as ações e gastos públicos, e sugere ações e políticas públicas, exercendo e fomentando o controle social de forma ampla e participativa (Participe+, 2024)

Há uma seção na plataforma destinada às Votações, onde é possível selecionar as propostas de interesse, se estiverem abertas para votação, e consultar as propostas encerradas, bem como os resultados das votações. Adicionalmente, na aba do site referente ao Governo Aberto é possível acompanhar os projetos e ações em andamento em São Paulo, e conhecer outras formas de participação social nas políticas públicas por meio de participação direta online, com consultas públicas, votações ou audiências públicas (realizadas no portal), além da participação direta presencial em audiências públicas e oficinas, ou ainda, com a participação indireta, através das dezenas de conselhos municipais cuja lista fica disponível no Portal da Transparência. Por fim, cabe destacar o conteúdo destinado ao Orçamento Cidadão, que contém informações sobre como funciona cada etapa do orçamento participativo.

 

6  Análise do Conteúdo no Portal Participe+

A análise de conteúdo consiste em uma metodologia que pode se utilizar de diversas fontes, dentre elas, documentos públicos, artigos, leis, atas, relatórios, registros institucionais escritos fornecidos por instituições governamentais, entre outros (Chaumier, 1989; Gil, 2019). O método pode ser entendido como:

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (Bardin, 2016, p. 48).

Nesse tipo de análise, portanto, é possível por meio de procedimentos técnicos, encontrar e analisar as diversas faces que um conteúdo pode ter, e a partir daí fazer apontamentos sobre as informações contidas e a percepção que se tem delas em determinado contexto. No quadro a seguir estão descritas as etapas do processo de OP no Participe+, destacando também o cronograma desenvolvido no ano de 2024, referente ao orçamento 2025:

Quadro 1 – Etapas do processo do Orçamento Participativo 2025

Etapa do Processo

Descrição da etapa

Recepção das propostas

01/04/2024 a 29/04/2024

Anualmente, a Prefeitura recebe propostas dos munícipes para incorporação no Projeto de Lei Orçamentária Anual. As propostas são recebidas em audiências públicas presenciais ou online, neste período também é possível apoiar outras propostas.

Priorização das propostas

30/04/2024 a 22/05/2024

Propostas recebidas na Subprefeitura são encaminhadas para o Conselho Participativo Municipal (CPM) de cada Subprefeitura. Cada CPM deve priorizar pelo menos 10 propostas vindas da população e elaborar até 5, considerando as demais que não foram selecionadas. Ao final, 15 propostas serão encaminhadas para a próxima etapa.

Análise de viabilidade

29/05/2024 a 01/07/2024

As propostas priorizadas e elaboradas pelos CPM são enviadas pela Secretaria da Fazenda aos órgãos municipais para a análise de viabilidade. Os critérios para análise são técnicos/jurídicos e orçamentários.

Recurso

22/07/2024 a 26/07/2024

Nesta etapa são recebidos recursos sobre as análises de viabilidade, visando possível correção e/ou melhor definição do objeto da proposta. Apenas conselheiros do CPM podem apresentar os recursos. O cidadão pode recorrer se discordar de alguma análise e contatar um conselheiro.

Revisão de recurso

29/07/2024 a 09/08/2024

Nesta etapa os recursos recebidos são avaliados pelos órgãos municipais.

Votação popular

16/08/2024 a 04/09/2024

As propostas são colocadas para votação pelas subprefeituras na plataforma Participe+. Todos que possuem cadastro no site podem escolher as suas propostas favoritas e votar nelas online. Cada pessoa pode votar em até 5 propostas.

Devolutiva

 01/10/2024 a 29/12/2024

Nesta etapa de audiências, a Secretaria Municipal da Fazenda se junta aos demais órgãos municipais e apresenta o resultado do processo. Todas as análises de viabilidade são explicadas em um espaço de diálogo entre a Prefeitura e os munícipes. Os encontros acontecem online e são realizados em data definida.

Monitoramento

01/01/2025 a 29/12/2025

Após a devolutiva é possível acompanhar a implementação das propostas aprovadas no Orçamento Cidadão pelo portal Participe+.

Fonte: Adaptado da Plataforma Participe+, 2024.

Para desenvolvimento da análise, a seguir apresenta-se a categorização de aspectos a serem observados no conteúdo da plataforma, trata-se de uma classificação de elementos fundamentais que constituem o conjunto. A interpretação de informações pelo viés qualitativo “trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (Minayo, 2010, p.21-22). Essa etapa do estudo visa organizar a análise conforme os objetivos da pesquisa e, a partir daí, observar inferências para compreender as questões levantadas no trabalho em relação às informações disponíveis no portal.

Quadro 2 – Inferências a partir das categorias propostas

Categorias

Inferências

Qualidade das informações

Analisar a clareza das informações do portal e se ela possibilita a compreensão por parte do cidadão e sua participação.

Retorno das propostas

Verificar se as propostas analisadas são respondidas ao público conforme sua viabilidade, com as devidas justificativas.

Capacidade de acompanhamento

Verificar a possibilidade de acompanhamento da evolução das propostas aceitas e sua situação a longo prazo.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2024.

Em relação à categoria qualidade das informações, pode-se observar a utilização de uma linguagem clara e mais simples do que aquela normalmente utilizada em documentos que constam informações orçamentárias emitidas pelos órgãos públicos. A apresentação do conteúdo recorre à utilização de informações mais objetivas, com uma estruturação de tópicos curtos que resumem temas diversos com pouco aprofundamento conceitual, sem complexidades e problematizações.

Sobre o retorno das propostas, verificou-se que o portal é constantemente alimentado com respostas aos cidadãos para feedback sobre as propostas enviadas, elucidando os motivos pelos quais foram aceitas ou não, evidenciando um procedimento padrão que demonstra certo cuidado para que os cidadãos não fiquem sem respostas.

Quanto ao acompanhamento das propostas aceitas, no portal é possível acompanhar as ações das prefeituras de acordo com suas fases, através de gráficos que evidenciam as etapas de execução, desde o início até a conclusão dos projetos.

Adicionalmente, cabe destacar que, a cada etapa do processo os dados do portal Participe+ são atualizados, dando destaque aos temas mais atuais ou considerados mais relevantes, notadamente no que diz respeito à execução das propostas aceitas. Nesse sentido, a ferramenta parece estar orientada para que os cidadãos entendam o processo de priorização dos gastos públicos, possibilitando uma inserção mais qualificada no debate orçamentário.

7  Considerações Finais

A análise do portal Participe+ da cidade de São Paulo possibilitou observar alguns aspectos fundamentais discutidos na literatura de Orçamento Participativo, aprofundando o entendimento sobre a participação social no orçamento público, notadamente por meio de uma plataforma online. Entende-se que as estratégicas de transformação digital utilizadas pelo Governo Digital para aproximar a população dos processos de tomada de decisão conte mpla um forte componente de inovação para a gestão pública.

Nesse sentido, há uma evidência de que as políticas públicas de Ciência, Tecnologia e Inovação podem contribuir, por meio de ferramentas adequadas, para a disseminação de informações da gestão pública, como é o caso das informações orçamentárias, e até mesmo possibilitar que os cidadãos se aprofundem e participem mais ativamente do debate orçamentário em diferentes etapas, seja propondo ou deliberando sobre projetos, acompanhando a execução dos projetos escolhidos e fiscalizando a prestação de contas.

Sobre o aspecto da transparência, foram identificadas características que corroboram com a busca de uma linguagem mais clara e objetiva, favorecendo o entendimento dos cidadãos participantes. As informações são disponibilizadas por áreas de atuação das câmaras e subprefeituras, com gráficos de fácil entendimento, contribuindo para interpretações, o que pode estimular a participação e engajamento, num processo de inovação desejável, que contemple as dimensões democrática e social determinadas pela sociedade brasileira.

A pesquisa mostrou que embora o conteúdo possibilite disseminar informações e promover a participação do cidadão no processo orçamentário, o nível de participação ainda é baixo em relação à população total naquela esfera de governo. Nesse sentido, é necessário que se promova a disseminação da ferramenta, ampliando a participação. A plataforma Participe+ (2024) indica que a participação para o Projeto de Lei Orçamentária de 2024 contou com 5751 (cinco mil setecentos e cinquenta e um) participantes, com a seguinte distribuição por gênero: 57,78% feminino; 41,11% masculino; 0,33% não-binário; e 0,78% não declarado. Por sua vez, a distribuição dos participantes por raça registrou: 2,94% amarela; 60,32% branca; 0,57% indígena; 24,08% parda; e 11,91% preta. Essa estatística é contrária à expectativa de que o Orçamento Participativo esteja associado a maiores proporções de participação de minorias étnicas, conforme já observado na literatura (Fedozzi; Martins, 2015; Souza, 2001).

Como limitação, cabe também destacar que alguns projetos deixam de ser executados sob a justificativa de inviabilidade orçamentária. O OP preza pela participação do cidadão, para que ele oriente à ação direta dos governos na implementação de projetos que sejam efetivamente propostos e escolhidos pelos próprios cidadãos, então, na medida em que essa limitação se agrava, o OP pode se tornar mais um processo consultivo e de compartilhamento de informações, que mantem sua formalidade, mas sem efetivamente “empoderar” os cidadãos, sem incluí-los nas escolhas públicas.

Por fim, observou-se através desse processo de OP uma espécie de combinação entre elementos da democracia direta e da democracia representativa, na medida em que aumenta a discricionariedade dos cidadãos para definição do gasto público. As mudanças possibilitadas pelo uso de ferramentas do Governo Digital com o objetivo de ampliar a participação social na gestão pública, no nosso caso da construção do orçamento por meio do acesso à informação e da participação ativa da população contempla um aspecto de inovação social que tende a ampliar a capacidade da sociedade brasileira de ampliar os esforços de desenvolvimento científico e tecnológico em outras instâncias. Nesse caso, a utilização do aumento da capacidade de processamento de dados e informações e a consequente disseminação do conhecimento proporcionando a melhoria na colaboração para a tomada de decisão, como elementos proporcionados pela transformação digital contribuem para o estabelecimento de uma nova dinâmica de participação social na gestão pública. Espera-se que, ao contribuir para a literatura de OP e políticas públicas em CT&I, este trabalho promova a difusão de boas iniciativas e oriente melhorias em processos existentes.

 

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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[1] Mestranda em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Especialista em Gestão Pública pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) com Residência Técnica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Graduada em Administração pela Universidade de Marília (UNIMAR).

[2] Doutor e Mestre em Controladoria e Contabilidade, graduado em Ciências Contábeis, pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP).

[3] Professora Associada, Livre-Docente em Gestão da Informação orgânica pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Doutora e mestre em História Social, bacharel e licenciada em História pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Organização de Arquivos pelo Instituto de Estudos Brasileiros - IEB/USP.

[4] Professora Assistente, Pós-Doutora, Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Especialista em Gestão Empresarial (Univem) e em Uso Estratégico das Tecnologias de Informação (Unesp). Graduada em Biblioteconomia (Unesp).