INOVAÇÃO E USO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO SISTEMA DE JUSTIÇA

uma análise baseada em evidências

Leonardo de Castro Trindade[1]

Fundação Getúlio Vargas

biglleo@gmail.com

 

Marcos Aurélio Pereira Valadão[2]

Fundação Getúlio Vargas

profvaladao@yahoo.com.br

 

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Resumo

O presente artigo explora o impacto da Inteligência Artificial no sistema de justiça brasileiro, com foco nos tribunais superiores. A pesquisa analisa a implementação de Inteligência Artificial em tribunais, abordando seus benefícios, como a maior eficiência e celeridade processual, e desafios, como o viés algorítmico e a necessidade de transparência. O estudo destaca iniciativas como o Victor no STF e o Athos no STJ, que demonstram o potencial da Inteligência Artificial para otimizar a triagem de casos e a automação de tarefas. Contudo, ressalta a importância de uma implementação ética e baseada em evidências, garantindo que a Inteligência Artificial seja utilizada para promover um sistema de justiça mais acessível, justo e eficiente.

 

Palavras-chave: inteligência artificial; sistema de justiça brasileiro; tribunais superiores.; implementação ética; justiça acessível.

 

 

INNOVATION AND USE OF ARTIFICIAL INTELLIGENCE IN THE JUSTICE SYSTEM

an evidence-based an alysis

Abstract

This article explores the impact of Artificial Intelligence (AI) on the Brazilian justice system, focusing on the superior courts. The research analyzes the implementation of AI in courts, addressing its benefits, such as increased efficiency and procedural speed, and challenges, such as algorithmic bias and the need for transparency. The study highlights initiatives such as Victor in the STF and Athos in the STJ, which demonstrate the potential of AI to optimize case screening and task automation. However, it emphasizes the importance of ethical and evidence-based implementation, ensuring that AI is used to promote a more accessible, fair, and efficient justice system.

Keywords: Artificial Intelligence; Brazilian justice system; Superior Courts; Ethical implementation; Accessible, fair.

 

 

INNOVACIÓN Y USO DE LA INTELIGENCIA ARTIFICIAL EN EL SISTEMA DE JUSTICIA

 una análisis basado en evidencias

Resumen

Este artículo explora el impacto de la Inteligencia Artificial (IA) en el sistema de justicia brasileño, centrándose en los tribunales superiores. La investigación analiza la implementación de la IA en los tribunales, abordando sus beneficios, como una mayor eficiencia y celeridad procesal, y desafíos, como el sesgo algorítmico y la necesidad de transparencia. El estudio destaca iniciativas como Victor en el STF y Athos en el STJ, que demuestran el potencial de la IA para optimizar la clasificación de casos y la automatización de tareas. Sin embargo, subraya la importancia de una implementación ética y basada en evidencias, garantizando que la IA se utilice para promover un sistema de justicia más accesible, justo y eficiente.

 Palabras clave: inteligenciaartificial; sistema de justiciabrasileño; tribunales superiores; implementación ética; justiciaaccesible.


1 INTRODUÇÃO

O sistema de justiça tem sido, ao longo dos anos, um pilar fundamental na manutenção da ordem e na resolução de conflitos em sociedades democráticas. No entanto, um dos maiores desafios enfrentados pelos tribunais em todo o mundo, e particularmente no Brasil, é o grande volume de processos judiciais que congestionam o sistema.

De acordo com o relatório "Justiça em Números" de 2021, mais de 75 milhões de casos estavam em andamento nos tribunais brasileiros. Este cenário de superlotação judicial demanda soluções inovadoras que possam aumentar a eficiência e a celeridade dos processos, e a inteligência artificial (IA) surge como uma possível resposta a essa necessidade.

A utilização de tecnologias no sistema de justiça não é um conceito inteiramente novo, mas seu desenvolvimento e aplicação têm acelerado nos últimos anos com os avanços da IA acompanhando os avanços tecnológicos.

Historicamente, os tribunais têm adotado tecnologias em várias formas, desde o uso de computadores para armazenamento e processamento de informações até a implementação de sistemas de gestão eletrônica de processos. A revolução digital proporcionou uma base para a integração de tecnologias mais sofisticadas, como a IA, que promete transformar significativamente a maneira como a justiça é administrada.

No contexto brasileiro, a aplicação da IA no sistema de justiça tem se mostrado promissora. Segundo o "Report Centro de Inovação", 47 tribunais no Brasil já empregam alguma forma de IA em suas atividades, incluindo a Plataforma Sinapse do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Essas iniciativas buscam racionalizar os recursos e lidar com a excessiva judicialização, oferecendo melhores serviços jurisdicionais aos usuários do sistema de justiça.

A pesquisa conduzida pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da Fundação Getúlio Vargas (FGV) destaca que a integração de IA nos tribunais brasileiros está alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU, especificamente o ODS 16, que visa promover sociedades pacíficas e inclusivas com acesso universal à justiça (Salomão, 2024, p. 7).

No cenário global, a adoção de IA no sistema de justiça também tem ganhado destaque. Nos Estados Unidos, por exemplo, o NationalInstituteof Standards and Technology (NIST) desenvolveu materiais educativos sobre IA para juízes, abordando questões como a confiabilidade e a admissibilidade de evidências geradas por IA nos processos judiciais. Estes esforços são fundamentais para garantir que juízes e advogados estejam bem-informados sobre as capacidades e limitações da IA,promovendo um uso responsável e informado dessa tecnologia (Cwik et al., 2022, p. 1).

A utilização de IA no sistema de justiça pode ser dividida em várias áreas, incluindo a análise preditiva de julgamentos, a automação de tarefas administrativas, a triagem de casos e a assistência jurídica.

Por exemplo, a plataforma Litigation Analytics, mencionada por Andrade et al. (2020), utiliza algoritmos de aprendizado de máquina para prever as chances de sucesso de um caso, ajudando advogados a formularem estratégias mais eficazes. Além disso, ferramentas de processamento de linguagem natural (NLP) são usadas para analisar grandes volumes de textos jurídicos, identificando padrões e tendências que podem informar decisões judiciais.

No entanto, a implementação de IA no sistema de justiça não está isenta de desafios. Um dos principais problemas é o viés algorítmico, que pode surgir quando os dados usados para treinar os modelos de IA refletem preconceitos existentes na sociedade. Isso pode levar a decisões injustas, sem contar possíveis erros de agrupamentos de processos similares, mas que tratam de situações fáticas opostas ou distintas, não captadas pela IA.

Além disso, a falta de transparência nos processos algorítmicos, frequentemente descritos como "caixas-pretas", pode dificultar a compreensão e a aceitação das decisões tomadas por IA. Outro desafio é a exclusão digital, onde a falta de acesso adequado à tecnologia pode marginalizar partes da população, exacerbando as desigualdades existentes.

Estudos como o "Artificial Intelligence, Trustworthiness, andLitigation" da AAAS destacam a importância de critérios rigorosos para a avaliação da confiabilidade e validade das evidências geradas por IA. (Cwik et al., 2022, p. 7).

A confiabilidade envolve a consistência com que a IA produz resultados precisos, enquanto a validade refere-se à precisão com que a IA mede ou prevê o que se propõe a avaliar. Para garantir a confiabilidade e a validade, é essencial que os sistemas de IA sejam submetidos a testes rigorosos e que os dados usados sejam representativos e de alta qualidade.

Este trabalho pretende fornecer uma visão abrangente e crítica sobre o uso da inteligência artificial no sistema de justiça brasileiro, destacando a importância de uma abordagem baseada em evidências para o tema. A adoção responsável e ética da IA tem o potencial de transformar a administração da justiça, tornando-a mais eficiente, acessível e justa.

Neste sentido, buscar-se-á investigar o uso da inteligência artificial no sistema de justiça, com ênfase particular na aplicação de evidências, de modo a verificar como elas são utilizadas para apoiar a adoção dessas tecnologias, assegurando que tais inovações sejam fundamentadas em dados robustos e práticas sólidas.

O objetivo é analisar como a IA tem sido implementada nos tribunais brasileiros, especialmente nos superiores, e avaliar os benefícios e desafios associados a essas tecnologias. Além disso, o estudo pretende destacar a importância da utilização de evidências robustas para garantir que a IA seja aplicada de maneira ética e eficaz (accountability).

Visa-se também identificar boas práticas e desafios, analisando estudos de caso e exemplos práticos de implementação de IA nos tribunais, oferecendo uma visão crítica sobre as lições aprendidas e as implicações éticas e sociais do uso da IA no sistema de justiça.

Por fim, o estudo pretende analisar o impacto da IA no sistema de justiça, avaliando como a IA pode aumentar a eficiência, a celeridade e a precisão das decisões judiciais, contribuindo para a redução do congestionamento dos tribunais e melhorando a administração da justiça. A análise se concentrará principalmente nos tribunais superiores do Brasil, destacando os benefícios e os desafios associados a essas tecnologias.

 

2 METODOLOGIA

A metodologia adotada neste artigo é de natureza qualitativa e exploratória, baseada na análise documental de artigos acadêmicos e relatórios especializados sobre o uso da inteligência artificial (IA) no sistema de justiça. O norte da pesquisa visa identificar e examinar as evidências disponíveis sobre a implementação e os impactos da IA nos tribunais superiores no Brasil, bem como exemplos que poderiam ser adotados em nosso país retirados de publicações internacionais.

Para isso, serão analisados vários documentos que fornecem uma visão abrangente das práticas atuais e dos desafios enfrentados na adoção da IA no contexto judicial.

Esta análise de dados será conduzida em várias etapas:1. Revisão de Literatura; 2. Identificação de Estudos de Caso e Análise Comparativa; 3. Avaliação de Evidências, principalmente baseado na avaliação nos critérios de validade, confiabilidade e relevância das informações apresentadas nos documentos.

A metodologia adotada neste estudo permitirá uma compreensão detalhada e crítica do uso da inteligência artificial no sistema de justiça, baseada em uma análise cuidadosa dos documentos selecionados.

 

3 DADOS, ANÁLISE E RESULTADOS

Os dados utilizados nesta pesquisa correspondem a dados obtidos de outros artigos científicos, e pesquisas exploratórias já realizadas, qualificando-se como metanálise.

A análise dos dados e resultados obtidos a partir dos artigos acadêmicos e relatórios de pesquisa focou em identificar as evidências e estatísticas sobre o uso da inteligência artificial no sistema de justiça, destacando as iniciativas nacionais e internacionais, bem como os desafios e benefícios associados.

Em artigo sobre o impacto das novas tecnologias na judicatura (Siqueira; Mendes Junior; Santos, 2023) examina-se como a inteligência artificial tem sido implementada para modernizar o sistema judiciário brasileiro. A digitalização dos processos e a adoção de ferramentas de IA, como chatbots, big data e algoritmos, têm melhorado significativamente a gestão de processos e a tomada de decisões judiciais. Hoje, aproximadamente metade dos tribunais brasileiros já utilizam projetos de IA para aumentar a eficiência e a celeridade na tramitação dos processos.

O texto ressalta que a maioria das soluções em IA em uso nos tribunais, contudo, não são utilizadas na análise de dados e pedidos do bem da vida tutelado, mas sim na coleta e correção de evidência e na identificação de defeitos e contradições nas evidências, com posterior solicitação aos responsáveis pelo caso da devida correção. É uma função feita pelo sistema circunscrita ao auxílio, e não à administração de processos com deferimento ou indeferimento de pedidos” (Siqueira; Mendes Junior; Santos, 2023, p. 7).

Como grande benefício do uso da IA o artigo relata que a otimização de atendimentos aos advogados e ao público, bem como maior segurança decorrente da automação de atividades, resultando também na melhor gestão dos recursos humanos para a atividade-fim do Judiciário,  e o aumento da celeridade na tramitação processual são alguns dos resultados favoráveis obtidos a partir da aplicação de variadas ferramentas da inteligência artificial no Poder Judiciário. De forma muito prudente, contudo, o artigo também destaca a importância de proteger os direitos dos excluídos digitais, garantindo que a tecnologia não amplie as desigualdades no acesso à justiça. (Siqueira; Mendes Junior; Santos, 2023).

Na mesma linha, o segundo artigo colombiano analisado, as evidências favoráveis ao uso de inteligência artificial (IA) no sistema de justiça incluem a melhoria da eficiência e celeridade na tramitação de processos, aumento da precisão nas decisões judiciais e a redução da carga de trabalho dos juízes, permitindo-lhes focar em casos mais complexos. Exemplos incluem a plataforma LitigationAnalytics e o Projeto Prometea, que demonstraram alta eficiência e precisão. Vejamos dados da pesquisa realizada no referido Projeto, constante no artigo(Cárdenas; Molano, 2021, p. 14):

 

Tabela 1 – dias de trabalho para realizar 1.000 expedientes/processos

 

Tipo de Processo

Sem Prometea (dias)

Com Prometea (dias)

Percentual de Eficiência (%)

Procuradoria Geral Adjunta no Contencioso, Administrativo e Tributário de CABA

Amparo Habitacional - Não Autossuficiente

160

38

323

Amparo Habitacional - Pessoa com Deficiência

174

45

289

Amparo Habitacional Pessoa Solteira

164

45

263

Amparo Habitacional - Citação de Terceiro

190

42

357

Procuradoria Penal, Contravencional e de Infrações nº12 de CABA

Processo de Probation

110

26

318

Processo de Julgamento Abreviado

145

33

336

Processo de Requerimento e Julgamento

167

38

338

Fonte: Adaptado de Cárdenas; Molano, 2021, p. 15

 

Conforme Tabela 1 supra, o sistema Prometea, assim, mostrou que pode resolver 1.000 casos judiciais de baixa complexidade em 42 dias, comparado aos 172 dias necessários por humanos, aumentando a eficiência em mais de 300%. (Cárdenas; Molano, 2021, p. 14)

No entanto, evidências contrárias também apontam, como no primeiro estudo, para desafios como o viés algorítmico, a falta de transparência nos processos de tomada de decisão e a exclusão digital, que pode aumentar as desigualdades no acesso à justiça. Essas preocupações ressaltam a necessidade de uma implementação cuidadosa e ética da IA.

Em estudo da Revista Chilena de Direito e Tecnologia, nesta mesma linha, se examinaram o uso de IA para a análise de evidências e a decisão de fatos em processos judiciais. A pesquisa demonstra que as tecnologias de IA, como a análise de big data e o processamento de linguagem natural, têm sido eficazes na identificação de padrões e tendências em grandes volumes de dados judiciais, melhorando a precisão das decisões e a eficiência do sistema judicial. (Correa;Agüero San Juan; Rodríguez, 2021, p. 126)

Ferramentas de inteligência artificial citadas no estudo, como o “CorrectionalOffender Management Profiling for AlternativeSanctions”têm sido utilizadas para calcular o risco de reincidência, demonstrando maior eficiência e precisão. A utilização de IA permite acelerar significativamente os processos judiciais ao automatizar a análise de grandes volumes de dados, resultando em decisões mais rápidas e precisas​. (Correa; AgüeroSan Juan; Rodríguez, 2021, p. 114)

A IA melhora a precisão das decisões judiciais ao reduzir as probabilidades de erro na aplicação de precedentes e normas correspondentes. Por exemplo, o Static-99 é usado para avaliar a periculosidade de autores de delitos sexuais, demonstrando eficácia na avaliação de riscos e na tomada de decisões informadas​.(Correa; AgüeroSan Juan; Rodríguez, 2021, p. 114)

Ferramentas de IA são utilizadas para automatizar tarefas administrativas e acelerar a resolução de casos, descongestionando os tribunais. A identificação de “huellasdigitales” (impressões digitais) e a análise caligráfica são exemplos de tecnologias que melhoram a eficiência do sistema judicial na parte probatória, permitindo que os juízes se concentrem em casos mais complexos​. (Correa; AgüeroSan Juan; Rodríguez, 2021, p. 114)

Contudo, por outro lado, há uma relutância significativa entre advogados e juízes em utilizar IA para decidir fatos em processos judiciais. Esta resistência se deve a preocupações com a perda de controle sobre as decisões judiciais e a integridade das funções profissionais, além do temor de que a especialização profissional seja ameaçada pela automação​.

Cwik et al. (2022) em estudo sobre o uso de IA pelos juízes, seguem a mesma linha dos artigos anteriores e, diante da baixa quantidade de espaço para o presente estudo, limita-se a citar o mesmo para futuros estudos, diante do mesmo ser um trabalho profundo, principalmente voltado para o uso de IA nas provas judiciais, servindo o mesmo como guia para juízes e operadores do direito nos EUA.

O referido guia aborda a confiabilidade e a transparência das evidências geradas por IA no contexto judicial. O relatório enfatiza a importância de critérios rigorosos para a avaliação da validade e confiabilidade dos sistemas de IA, destacando a necessidade de testes extensivos e de bases de dados de alta qualidade. A pesquisa mostra que a implementação de IA pode melhorar a precisão e a consistência das decisões judiciais, mas também alerta para os riscos de viés algorítmico e falta de transparência, que podem minar a confiança pública no sistema de justiça.

 

4O USO DE IA NO SISTEMA DE JUSTIÇA NO BRASIL

Após a análise inicial de revisão de literatura sobre o tema e análise comparativa com estudos internacionais, com demonstrações de alguns casos concretos, tem-se como primordial introduzir neste estudo, mesmo que de forma superficial pelo pouco espaço, algumas pesquisas realizadas sobre o tema, inclusive da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Salomão (2022) em relatório do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV apresentou um panorama detalhado do uso de inteligência artificial (IA) nos tribunais brasileiros. A pesquisa mapeia iniciativas e analisa resultados, destacando as implicações da IA na eficiência e na eficácia do sistema judiciário, tudo com base em um questionário criado para que os próprios tribunais respondessem os 49 tópicos apresentados (realizado em 2021 com sistemas que já seriam implementadas em 2022).

Ele analisa o estágio da IA nos tribunais brasileiros, destacando que 47 tribunais já empregam alguma forma de IA em suas atividades. As principais tecnologias implementadas incluem sistemas de processamento de linguagem natural (NLP) e aprendizado de máquina (ML), utilizados para a classificação de documentos e a previsão de decisões judiciais. A pesquisa aponta que essas tecnologias têm contribuído significativamente para a racionalização dos recursos. Cabe aqui reproduzir parte dos gráficos da pesquisa:

Segue número de Tribunais com Projetos de IA em andamento, conforme tabela extraída do relatório "Technology AppliedtoConflict Management WithintheBrazilianJudiciary" do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV:

Gráfico 1 - Número de iniciativas implementadas nos últimos anos

Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Adaptado de Salomão (2022, p. 20).

 

É possível notar que a maioria dos Tribunais desenvolveram e implementaram projetos de IA entre os últimos três anos na época da pesquisa, entre de 2019 a 2021, sendo que naquele momento haviam poucos projetos programados para serem implementados em 2022.

 

Situação dos Sistemas de IA:

 

Gráfico 2 - Situação das iniciativas dos Tribunais

Gráfico, Gráfico de bolhas

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Adaptado de Salomão (2022, p. 22).

 

A grande maioria das iniciativas ainda em desenvolvimento ou as já em produção ocorreram nos Tribunais de Justiça e também nos Tribunais Regionais do Trabalho, não por acaso, os tipos de tribunais com maior volume de processos.

A maioria dos sistemas foram desenvolvidos por equipes internas de TI dos Tribunais:

Figura 1- Equipe Técnica

Fonte: Adaptado de Salomão (2022, p. 25).

 

A maioria dos sistemas foram desenvolvidos, conforme Figura 1, pela equipe interna dos Tribunais, o que demonstra importância de se ter bons profissionais na área de TI.

Em que pese todos os avanços descritos dentro do Poder Judiciário, tais avanços não se limitam apenas ao referido órgão, sendo que outras instituições relacionadas ao sistema de justiça também estão em diferentes estágios de evolução do uso de IA, circunstância a qual, por um lado, é benéfica para o Sistema de Justiça por um todo, por outro lado, os efeitos benéficos da tecnologia acabam por serem mitigados, haja vista o incremento na qualidade, quantidade e velocidade de análise dos processos não se limitam apenas para a parte julgadora, mas também para os polos da ação.

Como exemplo temos o Ministério Público Federal (MPF), o qual apresentou vários sistemas inovadores para melhorar a eficiência e a eficácia das operações[3]. Dentre os sistemas destacados, três se sobressaem: 1) GeoRadar: Ferramentas de apoio à investigação que utilizam IA e análise de dados geoespaciais para mapear e correlacionar eventos e informações. Permite a visualização e o cruzamento de dados de diferentes fontes, facilitando a identificação de padrões e conexões relevantes para investigações; 2) Sistema Único: Plataforma integrada de tramitação de processos judiciais e administrativos dentro do MPF. Este centraliza e padroniza os procedimentos, garantindo maior transparência e rastreabilidade das ações; 3) Simba: Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias, desenvolvido para processar dados financeiros obtidos judicialmente. Permite a coleta, processamento e análise de grandes volumes de dados bancários, facilitando a identificação de movimentações suspeitas.

Por sua vez, o Super Sapiens[4] é a evolução do Sistema de Inteligência Jurídica da Advocacia-Geral da União (AGU), trazendo avanços significativos na triagem, distribuição e produção de documentos jurídicos. Com mais de 100 mil usuários, o sistema possui uma interface moderna e intuitiva baseada no Material Design do Google, permitindo o controle eficiente de demandas. A IA integrada melhora a qualidade das sugestões e automatiza tarefas, cria sugestões de minutas, facilitando o trabalho dos usuários.

A Defensoria Pública da União, órgão com maior possibilidade de incrementar exponencialmente o número de cidadãos atendidos e processos judicializados, assinou recentemente Termo de Convênio com AGU para poder adaptar as funcionalidades de interoperabilidade e inteligência artificial do Super Sapiens para a DPU, o que poderá elevar a produtividade de assistidos atendidos e ações ajuizadas com a mesma quantidade de mão de obra hoje existente, estima-se que o prazo inicial para o sistema estar parametrizado para a DPU seja no final de 2024.

Em artigo sobre a classificação de processos judiciais na Procuradoria Geral da União aborda-se o impacto da inteligência artificial (IA) na classificação e distribuição de processos judiciais na Procuradoria Geral da União (PGU) (Angrisano, 2024).

Implementando-se IA na PGU, especialmente utilizando modelos como o algoritmo de aprendizado, mostrou um aumento significativo na eficiência da classificação de processos judiciais. A abordagem com aprendizado de máquina (ML) melhorou a precisão na alocação dos processos, reduzindo a necessidade de verificação manual.

O Sistema Sapiens, dentro da PGU, recebe diariamente uma média de 2.500 intimações por dia. Desenvolveu-se um sistema automatizo, pré inteligência artificial, que distribui os referidos processos de forma automatizada, onde se obtém 75% de acertos. Vejamos tabela extraída do texto citado:

 

 

Figura 2 – Acerto do Robo Distribuidor (atual)

Fonte: Adaptado de ANGRISANO, (2024, p. 25).

 

A figura 2 apresenta o sistema automatizado de distribuição de processos da AGU, o qual obteve 75% de acertos. Assim, o uso de IA, principalmente o modelo de Support Vector Machine (SVM)-ET registrou acurácia global de 98,19% e uma acurácia balanceada de 88,44%.

O Chatgpt não treinado anteriormente (Zero-Shot Learning) obteve eficiência menor ao modelo automático anteriormente criado sem IA, o que demonstra a importância de, apesar da tecnológica, se adaptar os modelos de IA existentes para os casos concretos e objetivos que se pretende alcançar. Vejamos a comparação final entre os modelos realizados no estudo:

 

Tabela 2 –Comparativo entre os modelos tradicionais com o GPT-4 zero-shotlearning

Fonte: Adaptado de ANGRISANO, (2024, p. 73).

 

A análise da tabela 2 permite uma avaliação quantitativa do sucesso do SVM-ET na categorização correta das entradas, evidenciando sua superioridade em relação ao R2D2.

No estudo sobre o uso de inteligência artificial (IA) no Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (TJMA) fora possível constatar que se começou a adotar ferramentas de IA e automação em meados de 2022, com quatro iniciativas principais: Apollo - Analisador de Precedentes, Apollo - Analisador de Prevenção, Triador (renomeado para Clovis) e Judith. Segundo os pesquisadores, estas ferramentas estão em diferentes estágios de desenvolvimento e visam otimizar tarefas como análise de petições e avaliação de prevenção processual (Carvalho, Viana e Câmara, 2023).

O projeto Triador/Clovis é resultado de uma colaboração com o Tribunal de Justiça da Bahia, demonstrando uma abordagem interinstitucional na inovação judicial. Contudo, os autores também apontam desafios significativos, como a falta de informações públicas sobre algumas iniciativas (por exemplo, o projeto Judith) e a ausência das inclusões do TJMA no Repositório Nacional de Projetos de Software e Versionamento de Arquivos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Os pesquisadores concluem que o caso do TJMA ilustra tanto o potencial quanto os desafios da implementação de IA no sistema judiciário brasileiro. Estes argumentam que, embora haja um interesse claro em adotar tecnologias avançadas para melhorar a eficiência dos processos judiciais, há uma necessidade premente de maior transparência, padronização e colaboração entre os tribunais. Eles ressaltam a importância de uma abordagem mais holística e coordenada na implementação de IA no judiciário, que considere não apenas os aspectos técnicos, mas também as implicações éticas e de governança (Carvalho, Viana e Câmara, 2023).

Em outro estudo, ao seu turno, explora-se o impacto da Inteligência Artificial (IA) na prática jurídica, com foco especial na advocacia pública brasileira. O estudo destaca o potencial transformador da IA para aumentar a eficiência e o acesso à justiça, particularmente em um contexto de alta demanda e recursos limitados. As autoras analisam como a implementação de tecnologias de IA pode automatizar tarefas repetitivas, melhorar a análise de casos e proporcionar um atendimento mais ágil aos cidadãos que necessitam de assistência jurídica gratuita (Loureiro e Nascimento, 2024).

A pesquisa apresenta casos concretos de aplicação da IA no sistema jurídico brasileiro, como o software FAZ utilizado no Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Federal de Mato Grosso e o Tramitação Inteligente, empregado na advocacia previdenciária. Estes exemplos demonstram como a IA pode otimizar a gestão processual, o controle de prazos e a análise de direitos previdenciários, contribuindo para uma prática jurídica mais eficiente e precisa.

O Estudo aborda os desafios éticos e práticos associados à implementação da IA no campo jurídico. Embora reconheçam os benefícios potenciais em termos de produtividade e redução de custos, Loureiro e Nascimento alertam para questões como o viés algorítmico, a privacidade dos dados e a necessidade de garantir que os sistemas de IA respeitem os direitos humanos fundamentais. O estudo enfatiza a importância de um debate amplo e inclusivo para assegurar uma implementação responsável e ética da IA no sistema de justiça.

Por fim, a pesquisa conclui que, apesar de sua aplicação atual ainda ser limitada, a IA tem o potencial de revolucionar a prática jurídica, acelerando processos e aumentando significativamente o acesso à justiça. Os Autores argumentam que a otimização do tempo e dos recursos através da IA pode resultar em um processamento mais eficiente das demandas judiciais, permitindo uma resolução mais rápida dos litígios e, consequentemente, uma melhor proteção dos direitos dos cidadãos, conforme previsto na Constituição Federal. As autoras ressaltam, contudo, a necessidade de continuar desenvolvendo e aprimorando essas tecnologias, garantindo que sua implementação esteja alinhada com os princípios fundamentais do direito e da justiça (Loureiro e Nascimento, 2024).

Já na última parte do presente estudo, passa-se ao estudo concreto dos Tribunais Superiores brasileiros que fazem uso da IA, principalmente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal.

A implementação de sistemas de inteligência artificial (IA) no Supremo Tribunal Federal (STF), segundo outro trabalho acadêmico (Sousa et al., 2022), especialmente através do sistema Victor, tem mostrado um aumento significativo na eficiência da triagem de casos. O Victor foi desenvolvido em parceria com a Universidade de Brasília e emprega técnicas de Processamento de Linguagem Natural e Redes Neurais Artificiais. Desde sua implementação, o sistema ajudou a acelerar o processo de reconhecimento de repercussão geral, reduzindo o tempo de análise manual de casos​.

O sistema Victor tem uma taxa de acurácia de 85% na triagem de casos de repercussão geral. Isso significa que 85% das decisões automatizadas pelo sistema são corretas, o que representa um avanço significativo em comparação com métodos manuais, embora ainda haja espaço para melhorias.

Anualmente, o STF recebe cerca de 80 mil recursos extraordinários (EA). Destes, aproximadamente 20 mil são devolvidos aos tribunais de origem devido a obstáculos processuais. O uso do Victor na triagem automatizada permitiu a identificação e retorno de cerca de 8 mil casos de temas já julgados, contribuindo para a redução do volume de processos pendentes no STF.

O uso de IA na triagem economizou cerca de 1467 horas de trabalho manual por ano, o que equivale a uma redução significativa no tempo de processamento dos casos. Essa economia de tempo permitiu que os funcionários do tribunal focassem em atividades de maior complexidade, melhorando a eficiência geral do sistema judicial.

O referido artigo traz um resumo clarificador sobre as formas que a IA podem auxiliar o Poder Judiciário, inclusive baseado em pesquisas internacionais, conforme tabela extraída do referido texto:

 

TABELA 3- Estrutura com representação consolidada do impacto da IA no julgamento rápido

Interface gráfica do usuário, Texto, Aplicativo, Email

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Adaptado de Sousa et al., (2022, p. 9).

 

A tabela 3 traz informações interessantes sobre o tipo de impacto que a IA pode ter no funcionamento do judiciário, onde o Autor colocou inclusive sua fonte teórica de embasamento em cada tipo de impacto encontrado.

O Supremo Tribunal Federal (STF)[5] está concluindo os testes de uma nova ferramenta de Inteligência Artificial (IA) chamada VitórIA, projetada para melhorar a análise e o julgamento de processos. A VitórIAidentifica e agrupa automaticamente processos com temas semelhantes, agilizando a triagem e garantindo maior segurança jurídica. A ferramenta visa ampliar a capacidade de análise e promover julgamentos mais rápidos e consistentes, evitando tratamentos diferentes para processos similares. Junto a outros projetos de IA como RAFA 2030 e Victor, a VitórIA reflete a crescente maturidade institucional do STF no uso de tecnologias para melhorar a eficiência e a economia dos trabalhos judiciais.

Por fim, no STJ, o uso de inteligência artificial possui o Projeto Athos como principal sistema. Conforme trabalho apresentado por Alexandre Araújo Costa, intitulado “Projeto Athos: um estudo de caso sobre a inserção do superior tribunal de justiça na era da inteligência artificial”, este foca na implementação de IA para a automação de tarefas administrativas e a melhoria da gestão de processos. A análise revela que o uso de chatbots e sistemas automatizados para triagem de casos tem reduzido significativamente o tempo de processamento de processos simples, liberando os juízes para se concentrarem em casos mais complexos.

A análise dos dados dos anos de 2020 e 2021 mostra que o Sistema Athos conseguiu uma significativa redução no recebimento de recursos especiais, indicando um impacto positivo na gestão de processos judiciais. Uma das principais evidências destacadas no relatório é a capacidade da IA de classificar automaticamente os recursos de acordo com listas predefinidas de categorias processuais. Essa automação não apenas agiliza o processo, mas também reduz a carga de trabalho dos servidores. Além disso, a IA proporciona uma maior consistência nas decisões, minimizando a variação que pode ocorrer com diferentes julgadores humanos.

O estudo também aponta que, apesar dos avanços, a aplicação de IA ainda enfrenta desafios significativos. A integração de sistemas de IA requer grandes volumes de dados de alta qualidade para treinar os modelos, e a falta de dados consistentes pode limitar a eficácia das soluções implementadas. Além disso, há uma necessidade contínua de desenvolvimento e ajuste dos algoritmos para garantir que eles continuem relevantes e precisos conforme a legislação e as práticas jurídicas evoluem​.

Em 2023, a então presidente do STJ[6], ministra Maria Thereza de Assis Moura, destacou que o uso de IA para automatizar tarefas repetitivas no Judiciário tem acelerado os processos. Durante um evento promovido pelo Instituto dos Advogados de São Paulo ela mencionou que um projeto de catalogação e agrupamento de processos com similaridade semântica resultou na abreviação de 2.390.000 processos.

Desde a implementação do convênio com a Advocacia-Geral da União (AGU) em 2020, o número de Agravos em Recursos Especiais (AREsps) protocolados pela AGU diminuiu em 28%, e houve cerca de 4.850 desistências de processos com recurso no STJ. A ministra celebrou a IA por trazer celeridade ao automatizar atividades repetitivas, mas alertou sobre os desafios na adaptação dos funcionários e enfatizou a necessidade de diretrizes éticas rigorosas, especialmente em relação à privacidade de dados e discriminação algorítmica. Ela afirmou que, embora a IA marque uma nova era, nunca substituirá a função humana.

O uso de IA pelo STJ, segundo artigo publicado no Site Conjur[7], avançou significativamente em 2023, ajudando a processar recursos repetitivos. O Sistema Athos identificou 72% dos temas repetitivos para julgamento, facilitando a tramitação de processos. O STJ fixou 34 temas e afetou 59, contribuindo para a redução do tempo entre a afetação e o julgamento dos recursos. A IA também ajudou a diminuir a quantidade de AREsps e melhorar a eficiência processual.

Para comprovar os dados apontados no referido site consultou-se o Relatório Estatístico oficial de 2023 do STJ, o qual destaca várias evidências sobre o uso da IA e o crescimento do Judiciário. A análise dos dados revela que o número de processos recebidos pelo STJ em 2023 aumentou em 14,02%, totalizando 452.910 processos. Esse crescimento é atribuído principalmente aos processos oriundos dos tribunais de justiça, que apresentaram um aumento expressivo de 21,40%. Além disso, a implementação de sistemas de IA contribuiu significativamente para a eficiência no processamento dos casos.

O tempo médio de tramitação dos processos caiu para 14,60 meses, uma redução de 10,59% em relação a 2022. A utilização de IA foi fundamental para essa melhoria, permitindo uma análise mais rápida e precisa dos casos. A série histórica mostra que a maioria dos processos baixados envolvem direito civil e penal, com crescimento contínuo desde 2017, tudo conforme o Relatório Estatístico de 2023 do STJ.

Em resumo, a aplicação da IA no Judiciário tem mostrado resultados positivos, com aumento da eficiência no processamento de casos e redução do tempo de tramitação, contribuindo para um sistema mais ágil e eficaz. Aponta-se algum dos gráficos apresentados neste Relatório.

Gráfico 3 – Série histórica dos processos recebidos pelo STJ.

Fonte: Adaptado de Superior Tribunal de Justiça, (2023, p. 9)

 

É possível depreender do Gráfico 3 o aumento contínuo do número de novos processos no STJ, com pequena diminuição apenas em 2020, primeiro ano da pandemia.

 

Gráfico 4 - Processos distribuído por UF em 2023:

Fonte: Adaptado de Superior Tribunal de Justiça, (2023, p. 12)

 

No gráfico 4 é possível verificar os Estados que mais acessam o STJ, havendo diferença substancial de estados menos populosos, mas os quais recorrem mais aos Tribunais Superiores.

Em que pese o aumento de casos julgados ano a ano, o número de processos distribuídos também aumenta no mesmo período e em 2023 não fora possível julgar mais processos do que os recebidos:

 

Gráfico 5 – Série histórica das decisões terminativas no Tribunal e decisões em recursos internos (AgInt, AgRg e EDcl).

Fonte: Adaptado de Superior Tribunal de Justiça, (2023, p. 15)

 

Ao seu turno, o Gráfico 5 apresenta a mesma linha de raciocínio do Gráfico 3, um aumento constante de processos julgados no decorrer dos anos (com exceção de 2020 por conta da pandemia). Tal aumento de produtividade está intimamente ligado ao início de funcionamento de sistemas de IA no recebimento, distribuição e tratamento dos processos no Tribunal.

 

Gráfico 6 – À esquerda decisões terminativas e distribuídas em 2023. À direita terminativas e distribuídas por classe em 2023.

Fonte: Adaptado de Superior Tribunal de Justiça, (2023, p. 15)

 

No Gráfico 6 é possível constarmos que o número de processos distribuídos, mesmo com o aumento constante da produtividade, ainda é inferior ao número total de processos julgados, valor esse inferior em mais de 4% (18.229 processos).

Tal fato, como já apontado anteriormente, se deve ao uso também de IA pelas demais Funções Essenciais da Justiça, sendo que muito pior seria se o judiciário não estivesse se atualizando para receber e julgar as referidas demandas da mesma forma que elas estão sendo produzidas.

Desde o início da série histórica do relatório o tempo médio de tramitação de um processo no STJ caiu de quase 21 meses para 14,6 meses, ressaltando-se a diminuição mais acentuada em 2020 em diante, quando se iniciou o uso de IA:

Gráfico 7 – À esquerda série histórica do tempo médio de tramitação, escala a partir de 14 meses. À direita ano de recebimento dos processos em tramitação.

Fonte: Adaptado de Superior Tribunal de Justiça, (2023, p. 31)

Por fim, o Gráfico 7 apresenta estatística relevante ao demonstra que desde 2017 o número de meses médio em que um processo permanece no STJ diminuiu de 20,78 meses para, em 2023, 14,60 meses, restando evidente que desde a implementação de IA a taxa de congestionamento dos processos no Tribunal tem caído.

 

5CONCLUSÃO

 

A análise dos artigos e relatórios revela que a implementação de inteligência artificial no sistema de justiça tem potencial para transformar significativamente a administração da justiça, tornando-a mais eficiente, acessível e justa. Os estudos mostram que a IA pode aumentar a previsibilidade das decisões, otimizar a alocação de recursos e reduzir o congestionamento dos tribunais. No entanto, também é evidente que a adoção dessas tecnologias deve ser acompanhada de uma avaliação rigorosa das evidências e uma consideração cuidadosa das implicações éticas e sociais.

Os desafios, como o viés algorítmico, a falta de transparência e a exclusão digital, precisam ser abordados para garantir que a IA seja implementada de maneira justa e equitativa. As evidências sugerem que, com a aplicação de melhores práticas e a utilização de dados robustos, a IA pode melhorar significativamente a eficiência e a qualidade das decisões judiciais, podendo esta parte ser mais desenvolvida em estudos futuros.

Portanto, é fundamental que diretrizes sejam formuladas com base em evidências sólidas, garantindo que a implementação de IA no sistema de justiça seja realizada de maneira ética e eficaz. A continuidade de estudos e de pesquisas, bem como a criação de parâmetros claros serão essenciais para aproveitar plenamente os benefícios da IA, enquanto se mitiga os riscos associados.

Em suma, a inteligência artificial apresenta uma oportunidade sem precedentes para modernizar o sistema de justiça, mas sua adoção deve ser cuidadosamente planejada e monitorada para assegurar que todas as partes interessadas, especialmente as mais vulneráveis, se beneficiem dessas inovações tecnológicas, bem como o poder decisório permaneça sempre nas mãos humanas.

Por fim, o uso de IA, como seria esperado, não se limita apenas ao poder judiciário em si, mas também as funções essenciais à justiça correlacionadas, ou seja, MPF, AGU, PGU, DPU e Advocacia Privada também passam a utilizar a Inteligência Artificial em seu trabalho cotidiano, situação a qual mitiga os benefícios da IA, pois, por exemplo, mas não se limitando al, aumenta-se a quantidade de recursos protocolados, sua qualidade e complexidade, bem como o número de pessoas que passam a ter acesso à justiça. A solução então deve ultrapassar o limite tecnológico e alcançar o cultural, onde a própria sociedade deverá buscar a solução de seus conflitos sem a necessidade do ajuizamento de ações estatais.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Mestrando em Políticas Públicas e Governo da Fundação Getúlio Vargas em Brasília-DF. Especialista em Direito Constitucional pela PUCSP. Bacharel em Direito pela PUCSP. Defensor Público Federal

[2] Doutor em Direito (SMU, EUA). Mestre em Direito (UnB). Consultor jurídico e advogado. Professor da EPPG, Fundação Getúlio Vargas (Brasília-DF).

[3] PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA. Sistemas do MPF são apresentados na 7ª Mostra de Soluções de Inovação e Tecnologia do MP. Ministério Público Federal, 2023. Disponível em: https://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr2/2023/sistemas-do-mpf-sao-apresentados-na-7a-mostra-de-solucoes-de-inovacao-e-tecnologia-do-mp. Acesso em: 29 maio 2024.

[4] ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. Super Sapiens. Disponível em: <https://www.gov.br/agu/pt-br/sapiens-1/super-sapiens>. Acesso em: 29 maio 2024.

[5] STF finaliza testes de nova ferramenta de Inteligência Artificial. Disponível em:

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=507120&ori=1. Acesso em: 29 maio 2024.

[6] JOTA. IA ajudou a abreviar a tramitação de 2 milhões de processos, diz presidente do STJ. Disponível em: https://www.jota.info/justica/ia-ajudou-a-abreviar-a-tramitacao-de-2-milhoes-de-processos-diz-presidente-do-stj-21082023. Acesso em: 29 maio 2024.

[7] CONJUR. À espera da relevância, STJ vê repetitivos avançarem com ajuda de robô. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-dez-19/a-espera-da-relevancia-stj-ve-repetitivos-avancarem-com-ajuda-de-robo. Acesso em: 29 maio 2024.