INOVAÇÃO INCLUSIVA E PROPRIEDADE INTELECTUAL

o caso da patente da paleta aromática de cores para pessoas com deficiência visual

José Josafá Rebouças de Lima[1]

Instituto Nacional da Propriedade Industrial

josafareboucas@gmail.com

Uonis Raasch Pagel[2]

Instituto Nacional da Propriedade Industrial 

uonispagel@gmail.com

Eduardo Winter[3]

Instituto Nacional da Propriedade Industrial

winter@inpi.gov.br

______________________________

Resumo

Este estudo tem como objetivo evidenciar a importância da inovação inclusiva e da propriedade intelectual associadas a uma patente de paleta giratória de tintas aromáticas, desenvolvida como recurso de aprendizado e uso por pessoas com deficiência visual por meio da sinestesia olfativa. A metodologia adotada baseou-se em fontes de informação secundárias, incluindo pesquisa bibliográfica, documental e estudo de caso. O estudo conclui que a paleta de tintas aromáticas vai além de uma simples solução tecnológica,demonstrando como inovação inclusiva e propriedade intelectualpodem atuar em conjunto para gerar impactos positivos, tantona criação de tecnologias educacionais voltadas para a inclusão de pessoas com deficiência visual quanto na proteção dessas criações.

Palavras-chave: inovação inclusiva; deficiência visual; propriedade intelectual; patente.

 

INCLUSIVE INNOVATION AND INTELLECTUAL PROPERTY

the case ofthepatent for thearomatic color palette for people with visual impairments

Abstract

This study aims to highlight the importance of inclusive innovation and intellectual property associated with a patent for a rotating palette of aromatic paints, developed as a learning resource and use by people with visual impairments through olfactory synesthesia. The methodology adopted was based on secondary sources of information, including bibliographic and documentary research and case studies. The study concludes that the palette of aromatic paints goes beyond a simple technological solution, demonstrating how inclusive innovation and intellectual property can work together to generate positive impacts, both in the creation of educational technologies aimed at the inclusion of people with visual impairments and in the protection of these creations.

Keywords: inclusive innovation; visual impairment; intellectual property; patente.

 

 

 

INNOVACIÓN INCLUSIVA Y PROPIEDAD INTELECTUAL

el caso de la patente de la paleta de colores aromáticos para personas con discapacidad visual

Resumen

Este estudio pretende resaltar la importancia de la innovación inclusiva y la propiedad intelectual asociada a una patente de una paleta rotatoria de pinturas aromáticas, desarrollada como un recurso de aprendizaje y uso para personas con discapacidad visual a través de la sinestesia olfativa. La metodología adoptada se basó en fuentes secundarias de información, incluyendo investigación bibliográfica, documental y estudios de casos. El estudio concluye que la paleta de pinturas aromáticas va más allá de una simple solución tecnológica, demostrando cómo la innovación inclusiva y la propiedad intelectual pueden trabajar juntas para generar impactos positivos, tanto en la creación de tecnologías educativas orientadas a la inclusión de personas con discapacidad visual como en la protección de estas creaciones.

Palabras clave: innovación inclusiva; discapacidad visual; propiedad intelectual; patentear.

1  INTRODUÇÃO

A inovação inclusiva é uma abordagem recente e promissora de desenvolvimento, especialmente quando se refere à alfabetização de pessoas com algum tipo de deficiência visual. Ela não se limita apenas àtecnologia, incorporando também metodologias ativas. Essas metodologias consideram que a aprendizagem ocorre por meio de experiências, experimentação e participação direta dos envolvidos (Presser; Silva, 2019). No contexto da alfabetização, por exemplo, é fundamental ensinar cores e promover a habilidade de classificação visual para o desenvolvimento educacional dos indivíduos (Seaberg, 2023).

A transmissão da experiência de cores tornou-se uma questão central na criação de dispositivos inclusivos para pessoas com deficiência visual. Diversas técnicas vêm sendo exploradas, utilizando modalidades sensoriais alternativas para traduzir informações visuais de forma intersemiótica[4] (Dini; Ludovico; Gisbert, 2024).

Nesse cenário, torna-se igualmente essencial impulsionar o desenvolvimento de inovações tecnológicas voltadas para a inclusão social e estimular a proteção dessas criações por meio da propriedade intelectual, promovendo, assim, o avanço tecnológico e a inovação contínua (Teece, 1986).

Dessa forma, este artigo objetivaevidenciar a importância da inovação inclusiva e da propriedade intelectual associadas a uma patente de paleta giratória de tintas aromáticas, desenvolvida como recurso de aprendizado e uso por pessoas com deficiência visual por meio da sinestesia olfativa. Seaberg (2023) define a sinestesia olfativa como uma abordagem que associa o sentido do olfato às cores, permitindo conexões sensoriais únicas para o aprendizado. Por exemplo, explorar o cheiro de diferentes cores pode ser uma maneira criativa de estimular a memória e fortalecer a associação entre letras e cores.

A patente analisada apresenta uma tecnologia de paleta móvel de cores, que permite alocar líquidos aromáticos para o aprendizado de cores e atividades manuais por pessoas com deficiência visual. Esse processo utiliza o olfato como sentido principal, associando aromas específicos à cada cor.

Para tanto, este trabalho está organizado em seis seções, além desta introdução. A segunda seção descreve a metodologia adotada no desenvolvimento do estudo; a terceira seção traça um panorama sobre as pessoas com deficiência no Brasil; aquarta seção discute a importância da inovação e da propriedade intelectual na proteção dos bensintelectuais; a quinta seção detalhaas características da tecnologia desenvolvida para a alfabetização de pessoas com deficiência visual no campo das cores e a patente associada; e a sextaseção traz a conclusão do estudo.

 

2  METODOLOGIA

A metodologia adotada considerou o objetivo delineado, optando-se por uma pesquisa de natureza aplicada, com abordagem qualitativa e finalidade exploratória. Para a coleta de dados, utilizou-se fontes de informação secundárias, por meio de pesquisa bibliográfica, documental e estudo de caso(Lakatos; Marconi, 2001; Gil, 2008).

Inicialmente, a revisão bibliográfica teve como objetivo caracterizar o estudo, concentrando-se em artigos científicos, livros, dissertações, teses e publicações periódicas, abrangendo a literatura nacional e internacional. As principais bases de dados consultadas foram:ScientificElectronic Library Online (SciELO);SciVerse Scopus; Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS); Medlars Online (MEDLINE); Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD); Google Acadêmico; e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS).

Posteriormente, na pesquisa documental, visando fundamentar o trabalho, foram coletados dadosde sites institucionais de órgãos públicos relevantes ao tema,como o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e o Diário Oficial da República Federativa do Brasil.

Por fim, o estudo de caso foi conduzido por meio da análise exploratória de uma patente.

 

PANORAMA SOBRE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL

No Brasil, a Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), conhecida como a Lei Brasileira de Inclusão, estabelece que a pessoa com deficiência é aquela que tem “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (Brasil, 2015, n. p.).

De acordo com o último Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2022, o Brasil possui aproximadamente 209 milhões de habitantes. Dentre eles, cerca de 18,6 milhões têmalgum tipo de deficiência, representando 8,9% da população. Deste grupo, 5,5% apresentam deficiência em apenas umafunção, enquanto 3,4% possuem deficiências múltiplas (em duas ou mais funções). Os estados de Sergipe, Ceará e Piauí destacam-se com as maiores proporções de pessoas com deficiência em relação à população total, com 12,1%, 10,9% e 10,8%, respectivamente (IBGE, 2023; MDHC, 2023).

A pesquisa revela ainda que a maioria das pessoas com deficiência no Brasil é composta por indivíduos negros. Em relação ao gênero, as mulheres representam 57,7% da população. Quanto à faixa etária, quase metade das pessoas com deficiência são idosas, com 60 anos ou mais (47,2%) (IBGE, 2023; MDHC, 2023).

A dificuldade para enxergar é a segunda deficiência mais relatada pelos brasileiros, afetando 3,1% da população. Ela é superada apenas pela dificuldade para andar ou subir escadas, que atinge 3,4%, e é seguida pela dificuldade para aprender, lembrar-se das coisas ou se concentrar, que afeta 2,6% das pessoas (MDHC, 2023), conforme se verifica no Gráfico 1.

Gráfico 1 – Proporção de Brasileiros com Deficiência por Tipo de Dificuldades Funcionais (%)

Fonte: MDHC (2023)

É relevante destacar que, segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) da OMS,a função visual é dividida em quatro níveis: visão normal, deficiência visual moderada, deficiência visual grave e cegueira. Essa classificaçãoutiliza duas principais métricas oftalmológicas para avaliar a deficiência visual. A primeira é a acuidade visual, que mede a capacidade de reconhecerobjetosa umadeterminada distância. A segunda é o campo visual, que avalia a extensão e a amplitude da área visível ao redor do ponto focal(OMS, 2023).

Para simplificar os dados, este trabalho agrupa as dificuldades funcionais relacionadas à função visual em duas categorias: cegueira total e cegueira parcial (baixa visão ou dificuldade severa para enxergar).

Entre as pessoas com deficiência no Brasil, 6.056.654 relataram algum tipo de deficiência visual. Deste total, cerca de 506.377 pessoas (8,36%) declararam ter cegueira total, congênita ou adquirida, causada por catarata, glaucoma, retinopatia diabética, cegueira infantil e degeneração macular, enquanto aproximadamente 5.550.277 (91,63%) relataram enfrentar dificuldades graves para enxergar, incluindo cegueira parcial, baixa visão ou dificuldade severa(IBGE, 2023), conforme ilustrado no Gráfico 2.

Gráfico 2 – Dificuldades Funcionais Relacionadas à Deficiência Visual

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de IBGE (2023)

Dado o elevado número de pessoas com deficiência visual no Brasil, torna-se imperativo e urgente fomentar o desenvolvimento de inovações tecnológicas assistivasque promovam a inclusão social desses indivíduos.

Nesse sentido, a Lei Brasileira de Inclusão define como tecnologias assistivas todas as inovações voltadas a promover autonomia, independência e qualidade de vida das pessoas com deficiência. Isso inclui produtos, equipamentos, dispositivos, metodologias, recursos, estratégias, práticas e serviços que viabilizem a acessibilidade digital para deficientes visuais (Brasil, 2015). Além disso, o Decreto nº 51.045/1961 estabelece o dia 13 de dezembro como o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Visual, também conhecido como “Dia do Cego” (Brasil, 1961).

 

4 A IMPORTÂNCIA DA INOVAÇÃO E DA PROPRIEDADE INTELECTUAL NA PROTEÇÃO DOS BENS INTELECTUAIS

Inovar é decifrar e montar um quebra-cabeças complexo que abrange diversas áreas do conhecimento humano, envolvendo criatividade e compreensão das necessidades sociais. A inovação é um processo gradual, dinâmico, cumulativo e não linear, fruto de interações contínuas entre instituições, onde o fluxo de conhecimento e o aprendizado desempenham papéis centrais (Feison, 2003).

A criação de um novo produto, processo ou serviçonão se reduz a um momento de inspiração genial, mas constitui uma jornada que envolve a compreensão profunda das necessidades e preferências do mercado, além de uma análise das dinâmicas socioeconômicas e dos elementos culturais que moldam a sociedade.

Bessant e Tidd (2019) argumentam que quanto mais estruturadas e assertivas forem as políticas e os sistemas de inovação, maiores serão as chances de alcançar resultados concretos no desenvolvimento tecnológico e naimplementação de soluções que atendam à sociedade.Além disso, uma base tecnológica e científica sólida é essencial, pois a inovação não ocorre de forma independente; ela é sustentada pelo conhecimento acumuladoe impulsionada por novas descobertas.

Nas palavras de Freeman e Soete (2008, p. 73):

A inovação reflete um determinado estágio de conhecimento; um ambiente institucional e industrial específico; uma certa disponibilidade de talentos para definir um problema técnico e resolvê-lo; uma mentalidade econômica para dar a essa aplicação uma boa relação custo-benefício; e uma rede de fabricantes e usuários capazes de comunicar suas experiências de modo cumulativo e aprender usando e fazendo.

Nesse contexto, a inovação inclusiva emerge e assume um papel fundamental. Enquanto a inovaçãogeralmente se concentra em gerar novos produtos, serviços ou processos para aumentar a eficiência, melhorar o desempenho ou atender a demandas de mercado, a inovação inclusiva vai além, abordando as necessidades de grupos menos favorecidos ou vulneráveis, como pessoas com deficiências, populações de baixa renda ou comunidades marginalizadas (Heeks; Foster; Nugroho, 2014; Burtet, 2019).

Na prática, a inovação inclusiva incorpora perspectivas de diversidade, acessibilidade e participação social, sendo frequentemente impulsionada por políticas públicas e incentivos voltados à inclusão social (Foster; Heeks, 2013).

Conforme descrito por Presser e Silva (2019, p. 1) e ilustrado na Figura 1, “embora inovação e inclusão sejam conceitos multidimensionais, a inovação inclusiva pressupõe participação ativa, criação de conhecimento e dialogicidade”. Ainda segundo os autores, essa recente abordagem da inovação “deve promover a subsistência sustentável e ser viabilizada por e para grupos marginalizados, o que a distingue da inovação tradicional (ou mainstream)”, a qual, segundo Heeks, Foster e Nugroho (2014) se concentra principalmente em ganhos econômicos e competitividade. Sem dúvida, a inovação é uma alternativa de desenvolvimento. No entanto, inovação sem inclusão, não gera desenvolvimento eficaz.

Figura 1 – Características da Inovação Inclusiva

Linha do tempo

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Fonte: Presser e Silva (2019, p. 4)

Para que uma ideia se materialize em um produto, a criatividade é o“motor” propulsor, mas não o único elemento indispensável. Num ambiente inovativo, emerge também a propriedade intelectual como uma das peças fundamentais desse universo multifacetado, trazendo a base necessária para incentivar a busca incessante por novas soluções e garantir a proteção e recompensa justa para os seus inventores (Barbosa, 2010).

A propriedade intelectual não apenas protege os bens intelectuais, mas também serve como um incentivo ao desenvolvimento tecnológico e à inovação contínua (Teece, 1986). Teece (1986) argumenta que, sem essa proteção, os incentivos para inovar seriam significativamente reduzidos, pois outras empresas poderiam copiar ou imitar as inovações sem compensar os inventores. Essa proteção incentiva o investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novos produtos, assegurando retornos financeiros e reconhecimento pelos esforços criativos dos inventores.No entanto, é importante reconhecer que a proteção da propriedade intelectual também estabelece monopólios, o que pode restringir o acesso ao conhecimento e inibir a concorrência (Barbosa, 2010). Portanto, seu impacto é amplo e complexo, envolvendo tanto benefícios quanto desafios.

No contexto dessa proteção, destacam-se os instrumentos da propriedade industrial, concedidos com o objetivo de promover a criatividade por meio da proteção, disseminação e aplicação industrial de seus resultados (OMPI; INPI, 2019). Entre esses instrumentos estão as patentes, as marcas, os desenhos industriais, as indicações geográficas e a repressão à concorrência desleal. Todos são regulados pela Lei nº 9.279/1996, conhecida como Lei da Propriedade Industrial (LPI) (Brasil, 1996). É importante ressaltar que este trabalho não tem como objetivo explorar detalhadamente cada um desses instrumentos, mas enfatizar a patente, que é o foco principal deste estudo.

A patente configura-se como um direito imaterial, um título de propriedade temporária, outorgado pelo Estado aos inventores, tendo em vista a criação de algo novo para o estado da técnica e passível de ser realizado industrialmente (Barbosa, 2010).No Brasil, encontra-se regulada entre os artigos 6º e 93 da LPI.

A duração da proteção varia conforme a modalidade da patente depositada, podendo ser uma patente de invenção ou um modelo de utilidade. A patente de invenção protege produtos, processos, métodos e sistemas, com vigência de 20 anos a partir da data de depósito, assegurando, no mínimo, 10 anos de proteção. Já o modelo de utilidade, que protege objetos com melhorias funcionais, oferece uma proteção de 15 anos a partir da data de depósito, assegurando, no mínimo, 7 anos de proteção. Após o vencimento desses prazos, a invenção se torna de domínio público, permitindo seu uso por qualquer pessoa (Brasil, 1996).

Com base nesses aspectos, a próxima seção visa oferecer uma visão prática e aplicada sobre o tema, detalhando as características da tecnologia inclusiva desenvolvida para a alfabetização de pessoas com deficiência visual, a qual foi objeto de depósito de patente.

 

O CASO DA PATENTE DE PALETA GIRATÓRIA COM TINTAS AROMÁTICAS PARA APRENDIZADO DE DEFICIENTES VISUAIS

Estudos e métodos têm sido desenvolvidos para auxiliar pessoas com deficiência visual no reconhecimento de cores por meio do tato (Hersh; Johnson, 2008; Cavadiniet al., 2017). Um desses métodos associa a percepção de texturas a diferentes cores, baseando-se na acuidade tátil e na utilização de informações em braille. Outras técnicas utilizam formas geométricas que, ao serem tocadas, sãoarbitrariamente associadas a cores específicas. Entre os estudos que exploram essas soluções, destacam-se os de Silva (2015), Shin,Cho e Lee (2020), Park et al. (2023) e Dini, Ludovico e Gisbert (2024).

Os sentidos químicos, como olfato e paladar, oferecem experiências sensoriais particularmente intensas para pessoas cegas. Quando substâncias químicas são detectadas nas cavidades oral e nasal, os sentidos olfato e paladar interagem, frequentemente ativando memórias de maneira instantânea. Além disso, esses sentidos podem ser aprimorados em indivíduos cegos por meio de associações sinestésicas e reações sensoriais intensificadas, como resultado da plasticidade neural – uma adaptaçãoque ocorre devido à reconfiguração cerebral para compensar a falta de visão. Estudos indicam que pessoas cegas frequentemente apresentam uma amplificação em outros sentidos, como audição, tato e olfato, o que lhes permite experiências sensoriais ricas e alternativas (Marin, 2015; Bauer et al., 2017; Kandel et al., 2021). A Figura 2 ilustra esquematicamente as conexões neurais aprimoradas no cérebro de pessoas cegas.

Figura 2 - Conexões Neurais Aprimoradas no Cérebro de Pessoas Cegas

Uma imagem contendo muitos, mesa, diferente, grupo

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Bauer et al. (2017)

Na patente analisada, constatou-se que o olfato foi selecionado como o sentido principal para associarcores a estímulos sensoriais. Essa escolha deve-se à capacidade do olfato em identificar uma ampla gama de substâncias químicas presentes no ambiente, tornando-o adequado para diferenciar cores por meio de aromas específicos. Além disso, o olfato está intimamente ligado a áreas neurais relacionadas às emoções, o que pode intensificar a resposta sensorial (Kandel et al., 2021).

A invenção apresentada consiste em uma paleta móvel de cores aromatizadas, denominada “Paleta Giratória de Tintas Aromáticas para Aprendizado e Uso por Deficientes Visuais”. Depositada como patente de invenção no INPI em 1º de fevereiro de 2024, sob o número BR 10 2024 002162 2, a paleta foi projetada para alocar líquidos aromáticos para o aprendizado de cores e atividades manuais por pessoas com deficiência visual (Lima, 2024).

Este dispositivo associa aromas específicos a cada cor, utilizando fragrâncias distintas para facilitar a identificação das cores e aprimorar a experiência sensorial por meio da sinestesia olfativa (Lima, 2024). Diferente da sinestesia grafema-cor (SGC), que associa grafemas (letras e/ou algarismos) às cores (Reis, 2018), na sinestesia olfativa as cores são associadas a aromas sintetizados. Por exemplo, o aroma da laranja é associado à cor laranja, o aroma do maracujá à cor amarela, o aroma da menta à cor verde e o aroma marine (brisa do mar) à cor azul.

Assim, a patente em questão protegeumatecnologia que permitirá que pessoas com deficiência visual identifiquem cores usando o sentido do olfato. Considerando a expressiva população com deficiência visual no Brasil, acredita-se que essatecnologia possa otimizar o processo de alfabetizaçãodesses indivíduos, com potencial para ampla adoção em instituições de ensino.

Além disso, a patente da tecnologia em questão possibilitará aseu titular a garantia de explorar economicamente sua invenção por meio da arrecadação de royalties(quantia paga ao titular pelo direito de usar, explorar ou comercializar o produto) e permitiráque a sociedade se beneficie de um produto de interesse coletivo, considerando sua aplicação tecnológica e social.

Conforme ilustrado na Figura 3, a paleta, em sua perspectiva superior, é composta por uma base poligonal pequena (uma das possíveis formas) fixadaa um conector giratório. Este conector se liga a uma base poligonal maior, comcavidades circulares (C) ao longo do seu perímetro. Nessas cavidades, podem ser fixados frascos de tintas (B) ou as tintas podem ser adicionadas diretamente, sem o uso de frascos (E). Adicionalmente,há orifícios (A) para frascos diferenciados (D) destinados ao armazenamento de líquidos aromáticos (Lima, 2024).

 

 

 

 

Figura 3 - Paleta Giratória de Tintas Aromáticas para Aprendizado e Uso por Deficientes Visuais

(a)

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

 

Diagrama

Descrição gerada automaticamente
 

 

 

 

 


(b)

Menino com fone de ouvido

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa

 

Fonte: (a) Lima (2024); (b) Os autores (2024)

Neste ínterim, em consonância com o tema abordado, destaca-se a complementaridade desta tecnologia com a meta de redução das desigualdades estabelecida pela ONU em 2015, por meio dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), também conhecidos como Agenda 2030. Especificamente, o Objetivo 10 da Agenda visapromover a inclusão social, econômica e política de todos, reduzindo as desigualdades independentemente de idade, gênero, deficiência, raça, etnia, nacionalidade, religião, condição econômica ou outra característica (IPEA, 2018).

 

CONCLUSÃO

Este estudo buscou evidenciar a importância da inovação inclusiva e da propriedade intelectual associadas a uma patente de paleta giratória de tintas aromáticas, projetada como recurso de aprendizado e uso por pessoas com deficiência visual.

A paleta possibilita que essas pessoas reconheçam cores por meio da sinestesia olfativa,associando aromas específicos à cada cor. Dado o significativo número de pessoas com deficiência visual no Brasil, acredita-se que essatecnologia possa otimizar o processo de alfabetizaçãodesses indivíduos, promovendo maior acessibilidade e inclusão social.

Constatou-se ainda que a paletaatende não apenas a uma necessidade educacional,mas também contribui para os ODS, ajudando a reduzir desigualdades e a melhorar a qualidade de vida dessas pessoas.Essa solução reflete uma preocupação concreta com as questões inclusivas, ao mesmo tempo que responde à crescente demanda por inovações tecnológicas que trazem benefícios tangíveis para a sociedade.

O estudo tambémressalta o papel da propriedade intelectual. Ela é essencial para a inovação, oferecendo a base para proteger e recompensar inventores ao garantir direitos exclusivos sobre suas criações, incentivando, assim, o desenvolvimento de novos produtos.

Por fim, o estudo reforça a importância da inovação inclusiva e da propriedade intelectual como elementos-chaveno desenvolvimento de soluções tecnológicas, educacionais e assistivas, assegurando também a proteção dos direitos de seus inventores.A paleta de tintas aromáticas ilustra como inovação inclusiva e propriedade intelectual podem atuar em sinergia para gerar impactos positivos, impulsionando tanto a criação de tecnologiasvoltadas à inclusão de pessoas com deficiência visual quanto na proteção e valorização dessas criações.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

AMORIM, M. A. Da tradução intersemiótica à teoria da adaptação intercultural: estado da arte e perspectivas futuras. Itinerários, v. 1, n. 36, p. 15-33, 2013. 

BARBOSA, D. B. Uma introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

BAUER, C. M.; HIRSH, G. V.; ZAJAC, L; KOO, B. B.; COLLIGNON, O.; MERABET, L. B. Multimodal MR-imaging reveals large-scale structural and functional connectivity changes in profound early blindness. Plos One, v. 12, n. 3, p. e0173064, 2017. 

BESSANT, J.; TIDD, J. Inovação e empreendedorismo. 3. ed. Tradução de Francisco Araújo da Costa. Porto Alegre: Bookman, 2019.

BRASIL. Decreto nº 51.045, de 26 de julho de 1961. Institui o “Dia do Cego”. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 26 jul. 1961.

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 7 jul. 2015.

BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 15 maio 1996.

BURTET, C. G. (Re)pensando a inovação e o conceito de inovação inclusiva: um estudo do movimento maker no Brasil à luz da Teoria Ator-Rede. 2019. 198 f. Tese (Doutorado em Administração) – Programa de Pós-graduação em Administração, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Porto Alegre, 2019.

CAVADINI, R.; CERINA, L.; BRACCO, M. I.; SANTAMBROGIO, M. D. A wearable device for blind people to restore color perception. In: INTERNATIONAL FORUM ON RESEARCH AND TECHNOLOGIES FOR SOCIETY AND INDUSTRY, 3., 2017, Modena. Anais [...]. Modena: IEEE, 2017. p. 1-4.

DINI, S.; LUDOVICO, L. A.; GISBERT, M. J. Bridging the color barrier: a review of techniques for improving color perception in the blind and visually impaired. Color Research and Application, v. 49, n. 5, p. 515-534, 2024. 

FEINSON, S. National innovation systems: overview and country cases. New York: Rockefeller Foundation, 2003. 

FOSTER, C.; HEEKS, R. Conceptualising inclusive innovation: modifying systems of innovation frameworks to understand diffusion of new technology to low-income consumers. European Journal of Development Research, v. 25, n. 1, p. 333-355, 2013.

FREEMAN, C.; SOETE, L. A economia da inovação industrial. Tradução de André Luiz Sica de Campos e Janaina Oliveira Pamplona da Costa. Campinas: Editora da Unicamp, 2008.

GIL, A. C. Métodos e técnicas em pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

HEEKS, R.; FOSTER, C.; NUGROHO, Y. New models of inclusive innovation for development. Innovation and Development, v. 4, n. 2, p. 175-185, 2014.

HERSH, M. A.; JOHNSON, M. A. (eds.). Assistive technology for visually impaired and blind people. London: Springer, 2008.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa nacional por amostra de domicílios (PNAD): pessoas com deficiência 2022. Brasília: IBGE, 2023. 

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Objetivos do desenvolvimento sustentável. Brasília: IPEA, 2018. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/ods/ods10.html. Acesso em: 14 abr. 2024.

KANDEL, E. R.; KOESTER, J. D.; MACK, S. H.; SIEGELBAUM, S. A. (eds.). Principles of neural science. 6. ed. New York: McGraw Hill, 2021. 

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2001.

LIMA, J. J. R. Paleta giratória de tintas aromáticas para aprendizado e uso por deficientes visuais. Depositante: José Josafá Rebouças de Lima. Processo nº BR 10 2024 002162 2. Depósito: 1 fev. 2024. Disponível em: https://busca.inpi.gov.br/pePI/servlet/LoginController. Acesso em: 10 ago. 2024.

MARIN, A. Making sense of scents: smell and the brain. BrainFacts. Washington, 2015. Disponível em: https://www.brainfacts.org/Thinking-Sensing-and-Behaving/Smell/2015/Making-Sense-of-Scents-Smell-and-the-Brain. Acesso em: 11 set. 2024.

MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS E DA CIDADANIA (MDHC). Pessoas com deficiência. Brasília: MDHC, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2023/novembro/copy_of_Relatorio_CGIE_PCD_23.10.2023_FINAL1.pdf. Acesso em: 11 ago. 2024.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL (OMPI); INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (INPI). Curso avançado de patentes a distância: DL 301P BR. 2019. Apostila.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID). Genebra, 2023. Disponível em: https://www.who.int/standards/classifications/classification-of-diseases. Acesso em: 31 ago. 2024.

PARK, B. S.; IM, S. M.; LEE, H.; LEE, Y. T.; NAM, C.; HONG, S. KIM, M. G. Visual and tactile perception techniques for braille recognition. Micro and Nano Systems Letters, v. 11, n. 23, p. 1-8, 2023. 

PRESSER, N. H.; SILVA, E. L. Inovação inclusiva como alternativa de desenvolvimento. Navus - Revista de Gestão e Tecnologia, v. 9, n. 2, p. 1-11, 2019. 

REIS, L. P. Q. Consistência da sinestesia grafema-cor. 2018. 36 f. Dissertação (Mestrado Integrado em Medicina) – Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018. 

SEABERG, M. The synesthesia experience: tasting words, seeing music, and hearing color. Newburyport: New Page Books, 2023.

SHIN, J.; CHO, J.; LEE, S. Please touch color: tactile-color texture design for the visually impaired. In: CONFERENCE ON HUMAN FACTORS IN COMPUTING SYSTEMS, 2020, New York. Anais [...]. New York: ACM SIGCHI, 2020. p. 1-7.

SILVA, F. C. P. Percepção tátil de objetos do cotidiano: estudo de caso no reconhecimento de formas geométricas e a representação gráfica de cegos congênitos. 2015. 190 f. Dissertação (Mestrado em Design) – Programa de Pós-graduação em Design, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2015.

TEECE, D. J. Profiting from technological innovation: implications for integration, collaboration, licensing and public policy. Research Policy, v. 15, n. 1, p. 288-305, 1986.

 

 

 



[1] Doutorando em Propriedade Intelectual e Inovação na Academia do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

[2] Doutorando em Propriedade Intelectual e Inovação pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

[3] Professor permanente dos Programas de Mestrado e Doutorado Profissionais em Propriedade Intelectual e Inovação do INPI e em Desenvolvimento Local da UNISUAM.

[4]Consiste na tradução realizada entre diferentes linguagens ou sistemas de signos. Envolve a interpretação de signos verbais por meios não verbais ou a conversão de um sistema de signos para outro (Amorim, 2013).