AS REDES SOCIAIS COMO INOVAÇÃO NA ATIVIDADE PECUÁRIA

 

Mara Silvia Rodrigues Ramos[1]

Universidade Estadual Paulista

marasrramos@gmail.com

Cristiane Hengler Corrêa Bernardo[2]

Universidade Estadual Paulista

cristiane.bernardo@unsp.br

João Guilherme de Camargo Ferraz Machado[3]

Universidade Estadual Paulista

jg.machado@unesp.br

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Resumo

O objetivo deste artigo é identificar se o pecuarista organizado em grupos de redes sociais recorre às informações da própria rede para a tomada de decisão sobre adoção de inovação. Para tanto, foi realizado umestudo de caso do Grupo Pecuária Brasil, no Telegram. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas e questionários e analisados por meio de estatística descritiva. Ao todo, 535 pecuaristas responderam à pesquisa. Os principais resultados obtidos indicam que a própria rede social é vista como inovação e que o pecuarista consulta informações do grupo para tomada de decisão sobre a adoção de inovação, representando uma quebra de paradigma no que se refere ao perfil do pecuarista. De modo prático, pecuaristas e outros setores podem utilizar as redes sociais para melhorar a qualidade de informação recebida e reduzir a assimetria de acesso às tecnologias de informação e comunicação, desenvolvendo não apenas a gestão do negócio como também a competitividade do setor. Percebeu-se ainda que o acesso dos pecuaristas às tecnologias de informação e comunicação os coloca em outro patamar de competitividade, o que não é uma realidade para aqueles que não dispõem desse acesso.

Palavras-chave: inovação na pecuária; redes sociais; tecnologias de informação e comunicação; Grupo Pecuária Brasil.

SOCIAL NETWORKS AS AN INNOVATION IN LIVESTOCK ACTIVITY

Abstract

The objective of this article is to identify whether the rancher organized in groups of social networks uses information from the network itself to make decisions about adopting innovation. To this end, a case study of the group PecuáriaBrasil was carried out on Telegram. Data were obtained through interviews and questionnaires and analyzed using descriptive statistics. In all, 535 ranchers responded to the survey. The main results obtained indicate that the social network itself is seen as innovation; the rancher consults the group to obtain information for the adoption of innovation and decision making, what represents a paradigm break. In a practical way, ranchers and other sectors can use social networks to improve the quality of information received and reduce the asymmetry of access to information and communication technologies, developing not only business management but also the competitiveness of the sector. It is clear that the access of ranchers to information and communication technologies places them on another level of competitiveness, which is not a reality for those who do not have this access.

 

Keywords:innovation in livestock; social networks; information and communication technologies; PecuáriaBrasil Group.

LAS REDES SOCIALES COMO INNOVACIÓN EN LA ACTIVIDAD GANADERA

Resumen

El propósito de este artículo es identificar siel ganadero organizado en grupos de redes sociales utiliza información de lapropiared para tomar una decisión sobre laadopción de lainnovación. Para ello, se realizóunestudio de caso de Grupo Pecuária Brasil enTelegram. Los datos se obtuvieron a través de entrevistas y cuestionarios y se analizaron mediante estadística descriptiva. En total, 535 ganaderos respondieron a laencuesta. Los principales resultados obtenidosindican que lapropia rede social es vista como innovación y que el ganadero consulta informacióndel grupo para tomar una decisión sobre laadopción de lainnovación, lo que representa una ruptura de paradigma encuanto al perfil del ganadero. La ganadería, al igual que otros sectores, puede utilizar las redes sociales para mejorarlacalidad de lainformaciónrecibida y reducirlaasimetría de acceso a lastecnologías de lainformación y lacomunicación, desarrollando no solo lagestión empresarial sino tambiénlacompetitividaddel sector. También se notó que elacceso de los ganaderos a lastecnologías de lainformación y lacomunicaciónlos coloca enotronivel de competitividad, lo que no es una realidad para quienes no tienen este acceso.

 

Palabras clave:innovaciónenganadería; redes sociales; tecnologías de lainformación y lacomunicación; Grupo Pecuária Brasil

1  INTRODUÇÃO

A sociedade atravessa profundas transformações em seus processos de comunicação, impelidos pelas tecnologias que propiciam o estabelecimento de redes de relacionamento e favorecem o compartilhamento de informações que podem ser decisórias para a gestão de qualquer organização.

A denominada sociedade do conhecimento acarretou um crescimento exponencial das redes sociais por meio de plataformas digitais. No agronegócio, em especial na pecuária, este fenômeno criou uma nova forma de consumo da informação, de mecanismos de difusão tecnológica, bem como tem favorecido um comportamento mais inovador para o pecuarista brasileiro.

Salvo por falhas na estrutura de transmissão de dados pela Internet, os trabalhadores rurais hoje podem receber informações em tempo real, como qualquer cidadão urbano. Tal acesso possibilita maior agilidade na realização das atividades, conhecimento mais amplo e, consequentemente rapidez na tomada de decisões (Vieira; Bernardo; Sant’Ana, 2015).

Para Castells (1999), a inovação tecnológica não é uma ocorrência isolada, reflete um certo estágio de conhecimento; um ambiente específico; uma disponibilidade de talentos capazes de definir um problema e solucioná-lo, a uma boa relação custo/benefício, assim como constitui uma rede de usuários capazes de comunicar suas experiências. Experiências estas que podem ser decisivas para a adoção ou não de uma determinada inovação. 

Entende-se adoção de inovação como sendo a utilização de algum tipo de tecnologia ou de melhoria ou implementação de processo. A partir do momento em que tal adoção passa a ser praticada por um grupo de pessoas ou organizações por um período de tempo maior, passa a ser configurada como difusão de tecnologia (Schumpeter, 1984; Bernardo, 2020).

Entre os fatores que influenciam a capacidade de aprendizado das empresas ou indivíduos para adoção e difusão tecnológica estão a facilidade de comunicação, canais eficazes de informação, transmissão de competências e a acumulação de conhecimentos dentro das organizações (OCDE, 2018).

Souza Filho et al. (2011) e Bernardo (2020) relatam que a adoção e a difusão tecnológica no campo, são determinadas pela forma de organização dos produtores rurais, variando entre o grau de organização, assim como a sua participação em grupos sociais representativos, como cooperativas e associações (e aqui se adicionam as redes sociais), determinando, desse modo, sua capacidade produtiva e uso eficiente dos recursos. 

Nesse sentido, compreender as redes sociais como formas de organização dos produtores, pode ser um caminho para a compreensão dos fatores de adoção e difusão de inovação. Assim, verificar como os integrantes de uma rede se comportam e compartilham informações sobre novas tecnologias ou processos e de que modo estes são adotados e difundidos, pode apontar caminhos para a formulação de políticas de transferência de tecnologia para campo. Quando se fala em uma rede, fala-se de um grupo de indivíduos, que se relaciona com um objetivo específico e que é caracterizado pela existência de um fluxo de informações (Alejandro; Norman, 2005).

Sabe-se que, atualmente, há diversos meios de comunicação utilizados pelos produtores rurais para estabelecer suas redes sociais. As tecnologias de informação e comunicação (TIC) favorecem com que os produtores estejam em contato mais próximo com a informação e, consequentemente, com elementos que estimulem a adoção e difusão de novas tecnologias. Rocha (2008) afirma que os indivíduos que se encontram à margem dos fluxos de conhecimento, do poder e da riqueza, tendem a estarem excluídos também de acesso à informação e, consequentemente da inovação.

A visão da inovação, em nível mais amplo, enfatiza a importância da transferência e difusão de ideias, habilidades, conhecimentos, informações e sinais de vários tipos. Os canais e redes por meio dos quais essas informações circulam estão necessariamente inseridos em um contexto social, político e cultural (OCDE, 2018). Pode-se acrescentar a esses um cenário mercadológico, com o qual o pecuarista inserido em rede precisa lidar diariamente.

Nesse contexto, este artigo objetiva identificar se o pecuarista organizado em grupos de redes sociais recorre às informações da própria rede para a tomada de decisão sobre adoção de inovação. Para tanto, realizou-se um estudo de caso junto ao Grupo Pecuária Brasil (GPB) organizado na rede social Telegram[4]

Analisar a forma como este grupo de pecuaristas brasileiros está organizado e como compartilha informações foi determinante para compreender sua motivação para inovar e para a promoção de mudanças em seus modelos de gestão, manejo e negócios, assim como o fomento à novas formas de transferência de tecnologia.

 

 

 

 

2 REVISÃO DE LITERATURA

Os modelos mais atuais de comunicação interpessoal da sociedade organizada em rede, potencializados pelas tecnologias digitais, especialmente na última década, têm alterando significativamente o modo como os grupos do setor agropecuário estão trocando informações, difundindo conhecimento e, assim determinando novos rumos para seus negócios, por meio da inovação (Lejano; Ingram; Ingram, 2015).

Nesse sentido, pode-se conceber a sociedade em rede como sendo o novo sistema nervoso central da sociedade. Organiza-se numa formação social na qual a arquitetura em rede constitui a principal maneira em que a sociedade se organiza para se comunicar nos níveis individual, grupal, organizacional e social (Moreno, 2015). Tal comunicação é mediada por ferramentas tecnológicas cada vez mais rápidas e acessíveis.

Vieira, Bernardo e Lourenzani (2015) descrevem que o atual momento de desenvolvimento tecnológico indica que se torna crescente a necessidade de acesso à informações atualizadas para que o produtor rural encontre alternativas que possam suprir suas demandas e se atualizem tecnologicamente. Desse modo, o produtor pode encontrar nos grupos organizados em redes sociais uma solução de acesso à informação confiável, em tempo real e a um custo muito baixo.

Já era esperado que a comunicação rural do terceiro milênio usaria essas ferramentas tecnológicas, objetivando a democratização do acesso e uso dos elementos necessários para produzir comunicação, reduzindo a assimetria das informações e transformando os produtores rurais em sujeitos ativos da comunicação e não apenas meros receptores (Braga; Carvalho, 2011).

Nessa direção, Bezerraet al. (2017) aventam grandes possibilidades que podem advir da inclusão ou até da alfabetização digital do produtor rural, trazida pelas TIC para o espaço agrário. Dentre as possiblidades indicadas pelos autores, pode-se destacar a ampliação dos horizontes de negócios, a formação de redes de comercialização, maior acesso às políticas públicas, prognósticos, serviços bancários, educação a distância, cotações, previsões do tempo, assistência técnicas, entre outras coisas que já constituem uma realidade no cenário das redes sociais.

Nesse sentido, há alguns fatores que podem motivar a implantação de inovações entre os proprietários rurais. Tais fatores referem-se às vantagens que a inovação pode propiciar; se ela é compatível com a realidade do produtor; a imagem da inovação em seu grupo social; os resultados práticos que podem ser obtidos, a possibilidade de experimentar e a facilidade de uso. Essas variáveis podem definir a abertura, ou não, para um comportamento mais ou menos inovativo (Ribeiro et al., 2011).

Tal comportamento está alinhado ao que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) já indicava ao se referir à competitividade da economia brasileira, o que afirmarem que esta dependia diretamente das vantagens obtidas com o investimento em capacitação tecnológica e do fomento ofertado pelos sistemas de inovação (2007).

Nesse sentido, as redes servem como facilitadores para disseminação da informação entre produtores, fornecedores, técnicos entre outros usuários, sediados em diferentes instâncias. Tais informações permitem processos decisórios mais amparados em experiências e conhecimentos do grupo (Ramos; Teixeira, 2016). 

As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) assumem, desse modo, um protagonismo para a estruturação do processo de comunicação nas redes sociais, aproximando as distâncias geográficas, as características do mercado, a tempestividades e até um imediatismo de acesso à informação, fatores altamente fortalecidos pela confiança que são estabelecidas pelo comportamento da rede (Ramos, 2020).

Matos e Afsarmanesh (2008) afirmam que as interações ocorridas nas redes são várias e se configuram de diversas formas. Assim também como há distintos modelos de rede. Os autores as dividem em Redes de Organizações, também conhecidas por Networking; Rede Coordenada; Rede de Cooperação e Rede de Colaboração.

As Redes de Organização são fundamentadas nas interações dialógicas ocorridas para compartilhamento de informações com objetivos comuns entre os membros. As Redes Coordenadas não necessariamente dispõem de objetivos comuns, no entanto, ocorre a coordenação para que as atividades se alinhem e possam apresentar resultados mais eficientes. A Rede de Cooperação é aquela em que ocorre a divisão de atividades entre os participantes da rede, mas inclui o compartilhamento de recursos visando atingir metas pré-estabelecidas. E, por fim, nas Redes de Colaboração os membros trabalham em conjunto, objetivando atingir objetivos comuns, além do fortalecimento das capacidades individuais (Matos; Afsarmanesh, 2008).Destaca-se que todos os modelos de rede podem ser beneficiados com o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC).

Para entender melhor o papel das TIC no desempenho dos negócios rurais vale destacar alguns dados revelados em 2017 pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), tendo como foco aspectos de acesso à internet e posse de telefone móvel celular, com detalhamento geográfico para Brasil.

Em 2016, a Internet era utilizada em 69,3% dos domicílios brasileiros e este percentual subiu para 74,9%, em 2017. O crescimento do uso da Internet nos domicílios da área rural foi mais acentuado que na área urbana. Em área urbana, o percentual de domicílios em que a Internet era utilizava estava em 75,0%, em 2016, e aumentou para 80,1%, em 2017. Já na área rural, subiu de 33,6% para 41,0%, sendo que o mesmo tipo de evolução foi observado em todas as regiões do país (IBGE, 2017).

De 2016 para 2017, o número de pessoas que tinha telefone móvel celular para uso pessoal, apresentou expressivo crescimento entre o grupo que dispunha de aparelho com a funcionalidade de acesso à Internet. Na área rural, 64,1% das pessoas possuem telefone móvel celular para uso pessoal com acesso à Internet. Tal acesso poderá significar maior acesso à informação e melhorar as competências do produtor rural ou mesmo propiciar que o produtor possa contar com competências de outros sujeitos. De acordo com a noção de competência proposta por Zarifian (2012), quando uma situação de trabalho é complexa, as competências de um único indivíduo não são suficientes, surge então a necessidade de articulação de uma rede de atores.

Assim, competência pode ser entendida como a habilidade de mobilizar redes de atores em torno das mesmas situações, compartilhar desafios e assumir responsabilidades. Essa mobilização exige que cada indivíduo perceba que necessita de competências que não possui, mas que podem ser adquiridas a partir da solidariedade, tornando coletivas as situações de trabalho. E é possível encontrar movimentos nesse formato quando o trabalho é organizado em equipe, em rede ou por projetos.

Como indicam Souza Filho et al. (2011), o grau de organização dos produtores, assim como sua participação em grupos sociais representativos podem ser determinantes para sua capacidade produtiva e uso eficiente dos recursos. Considerando-se que o setor agropecuário não é passivo em relação à inovação tecnológica, pode-se dizer que este é influenciado por fatores que podem acelerar, retardar ou inviabilizar a adoção da inovação.

Kimura, Kayo e Perera (2011) alertam que há estímulos que podem aumentar a disposição de um indivíduo para a adoção ou não de uma dada tecnologia. Tais estímulos podem ter origem externa, advindos do relacionamento com outros indivíduos ou grupos ou ainda provenientes da sua própria percepção sobre determinada tecnologia. Desse modo, os autores refletem que a interação nas redes sociais podem ser um estímulo importante para a adoção e difusão de tecnologia.

Acrescenta-se que, no mundo contemporâneo, a informação na ‘palma da mão’, representa um dos fatores específicos capazes de acelerar a adoção da inovação na pecuária brasileira, especialmente se este acesso ocorre por meio de um grupo que compartilha valores e responsabilidades que geram relações de confiança.

O acesso à informação confiável, o que pode ocorrer mais facilmente dentro das redes, pode colaborar para que o produtor rural tome decisões sobre inovação com maior segurança. Calazans (2006) e Kay, Edwards e Duffy (2014) já pontuavam que um maior acesso às informações reduz as incertezas para a tomada de decisão e é essencial em ambientes competitivos. Nesse sentido, o acesso às TIC e a organização dos pecuaristas em redes sociais poderão ser determinantes para a adoção e difusão de tecnologias. 

Ramos (2020) reflete que após a compreensão de como a sociedade em rede está organizada, que ferramentas tecnológicas são utilizadas para mediar a comunicação no grupo e o papel que a informação assume, enquanto insumo da própria rede, é possível então verificar como se constitui a inovação do agronegócio e mais especificamente a pecuária.

No entanto, é necessário considerar que “indivíduos com maior acesso a fontes de informação, tanto comerciais quanto não comerciais, estão em melhor posição de avaliar e adotar inovações” (Ribeiro et al., 2011, p.345). Tal afirmação, leva a constatação de que a inovação se dá de forma distinta entre os vários integrantes de uma rede, sendo que alguns são adotantes inovadores, alguns pioneiros, outros vanguardistas, outros tardios e outros ainda retardatários (Rogers, 1983; Bernardo, 2020).   

Nesse contexto, Freire, Santos e Sauer (2016) afirmam que a interação que ocorre entre os produtores nos ambientes de redes virtuais, torna-se decisiva para transformar o conhecimento tácito em explícito, gerando o intercâmbio criativo que pode levar à inovação. Para compreensão desse processo, explora-se como objeto deste artigo um grupo de pecuaristas organizado em rede social no Telegram e seu potencial para inovação, denominado Grupo Pecuária Brasil (GPB), cuja forma de coleta de dados e de análise dos resultados são apresentadas a seguir 

Não se deve abrir subseção numerada, única. Seções numeradas devem ser em mínino de dois itens. Assim como também não se deve abrir uma subseção sem ao menos um parágrafo que a anteceda. Como este.

 

3 METODOLOGIA

Este artigo de abordagem qualiquantitativa teve como foco um estudo de caso junto ao Grupo Pecuária Brasil. Por meio de entrevistas com os organizadores do grupo realizou-se uma reconstituição da trajetória do GPB, sobre suas atividades e sobre seu potencial de influência sobre a atividade pecuária no Brasil para a inovação, enquanto rede social.

Depois realizou-se uma coleta de dados no próprio grupo, por meio do questionário estruturado no Google forms, no período de 09 a 23 de setembro de 2019 e obteve 535 respostas, representando 70% dos pecuaristas do grupo (766 integrantes pecuaristas). Destaca-se que o grupo, composto por 1.493, não é integrado apenas por pecuaristas. A análise foi realizada por meio da estatística descritiva e analisada à luz da teoria da inovação, no que se refere à adoção de novas tecnologias.

 

4 O CASO DO GPB – GRUPO PECUÁRIA BRASIL

O Grupo Pecuária Brasil (GPB) foi constituído em 2014 com os objetivos de atuar na integração, troca de experiências e no fomento à atividade pecuária, por meio da divulgação de tecnologias de produção, incentivo à união da classe e difusão de informações de mercado.

Inicialmente denominado como Grupo Pecuária Bauru, que deu origem à sigla GPB[5], o grupo foi criado na rede social WhatsApp, por um bauruense, reunindo outros pecuaristas interessados em informações de mercado na área delimitada pelo código de área (14), região localizada no interior do estado de São Paulo. Eram todos credores de um frigorífico em fase de liquidação judicial à época. Segundo o criador do grupo, o objetivo inicial era manter os credores informados sobre os rumos do processo. A partir de então, naturalmente, o grupo começou a tratar de informações de mercado de interesse de todos.

Com o crescimento da demanda de interessados e a possibilidade de utilizar a ferramenta para abordar temas de mercado e de interesses mais amplos, foram estabelecidas regras de postagem, por ordem de relevância de temas como: cotações, negociações com frigoríficos, informações de mercado, inovações tecnológicas, manejo, notícias publicadas na mídia e eventos. O grupo até hoje restringe temas não relacionados aos objetivos, como mensagens motivacionais, políticas ou de cunho publicitário.

Em 2017, ao atingir o limite máximo de 300 integrantes imposto pela rede WhatsApp, o grupo migrou para o Telegram, que permite maior número de participantes (até 10.000), além de permitir edição do texto, fixação de diálogos no topo e melhor performance dos administradores que podem, inclusive, excluir mensagens que não estejam de acordo com as regras do grupo. Neste período, o grupo já estava com mais de 500 membros.

Até setembro de 2019, o GPB (‘Grupão’ como é conhecido pelos integrantes, uma vez que este grupo já gerou outros grupos) contava com 1.493 membros de 140 cidades diferentes, 17 estados brasileiros, Distrito Federal e mais três países, compartilhando, em média, 50 mensagens diárias. Totalizam onze, os grupos derivados do chamado ‘Grupão’, focados em interesses regionais ou por segmentos. Um dos mais expressivos é o GPB Rosa, que reúne 70 mulheres pecuaristas de todo o Brasil, representando um total de 110 propriedades.

Atualmente o GPB possui 12 comitês de trabalho e atua em parceria com a Associação dos Confinadores (ASCON), sediada no prédio da Sociedade Rural Brasileira em São Paulo. Em agosto de 2019, durante a realização desta pesquisa, o grupo foi formalizado legalmente como associação.

Em sua forma de atuação, o grupo busca: balizar diariamente os preços pagos aos pecuaristas, trazer informação em tempo real, ser um veículo diário de notícias sobre o setor, estimular o network, promover compras coletivas, compartilhar aprendizados e experiências e trabalhar para unir a classe pecuária. Além disso, mantém um banco de oferta de serviços e benefícios, presente em todo Brasil, informa preços de produtos e insumos, com dinâmicas rápidas e eficientes (Grupo Pecuária Brasil, 2019).

Com o crescimento do grupo e, consequente aumento de representatividade, seus gestores entenderam que era hora de fazer mais pela cadeia produtiva, assim foram elencados membros do grupo para a organização de ações efetivas em busca do desenvolvimento setor. Foram criados dois comitês principais, o GPB Institucional, para apoiar e direcionar as futuras decisões e o GPB Gestão & Comunicação, que desenvolve ações que buscam a comunicação efetiva ‘dentro e fora da porteira’.

 

4.1 INSTRUMENTOS DE COMUNICAÇÃO DO GRUPO: BALIZADOR 4.0, A ESTRELA DOS INTERESSES

Apesar de todos os empreendimentos do grupo, a ferramenta de maior impacto no grupo é o Balizador 4.0 GPB, um mecanismo de acompanhamento dos negócios de compra e venda de animais, em todo o Brasil e em tempo real. O Balizador tem como principal informação o preço-balcão da arroba negociada com a indústria frigorífica, no dia da negociação e com total transparência.

“É o pecuarista colaborando com o pecuarista”, relatou o gestor do GPB durante a entrevista. Trata-se de um formulário com respostas curtas e de múltipla escolha que, juntas, aparecem de forma organizada em uma planilha Excel que pode ser visualizada por todos os pecuaristas cadastrados. O formulário é preenchido pelo próprio pecuarista cadastrado a cada negociação, por meio de um link que pode ser encontrado no topo do Telegram do Grupo, assim como em todos os outros grupos derivados.

Entre as informações solicitadas no formulário estão a categoria animal e a informação do preço-base da negociação por arroba (sem bonificações, mas com informações do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural)).

Para os pecuaristas participantes do GPB e coligados, as principais vantagens apontadas são: a transparência nas operações, o acompanhamento dos negócios realizados em todo território nacional, acesso 24 horas às informações da planilha em tempo real, visualização da quantidade de negócios realizados no dia, na semana e no mês.

O sistema é alimentado exclusivamente por pecuaristas, sem a participação das indústrias, portanto não sofre interferência de terceiros. É possível informar também as vendas realizadas para frigoríficos com inspeção estadual (SISP). Os próprios pecuaristas visualizam (auditam) suas informações logo após o envio para a planilha do Balizador, o que possibilita aos pecuaristas visualizarem a partir do preço-base como foi composto o preço final, oferecendo base para negociações com a indústria numa região próxima do pecuarista. Integra o Brasil de norte a sul e, por fim, a partir da data de negociação e data de abate, permite aos pecuaristas visualizarem as escalas das indústrias. Além disso, todos têm acesso e passam a conhecer quais são os valores pagos aos pecuaristas a título de Certificações Europa e Cota Hilton[6].

Ao se cadastrar e colaborar com informações, o pecuarista passa a ter acesso a relatórios diários com o detalhamento das 24 questões preenchidas pelos informantes. Inúmeras informações do documento podem ser extraídas para análise de mercado da arroba no dia da negociação, como estão as escalas das indústrias, médias de preços da arroba por estado, região e até município, em todos os estados do país. Também permite verificar as formas de recebimento da arroba mais utilizadas pelas indústrias no dia da informação, os prazos de pagamento no período, número de cabeças abatidas por período, por estado e região.

O relatório ainda traz a quantidade de negociações com machos e fêmeas por período, tipo de nutrição utilizada na engorda, raças mais abatidas, bonificações que pagam mais prêmios, comparação com outros indicadores do mercado, períodos em que são mais abatidos o gado de confinamento ou a pasto, critérios de descontos de Impostos (no caso Funrural), critérios de pesagem utilizada (peso vivo ou peso morto), entre outras informações que podem auxiliar a tomada de decisões em tempo real, bem como as decisões futuras e o planejamento do negócio, conforme exemplo na Tabela 1.

Tabela 1 - Balizador GPB (data da publicação no grupo 08/10/2019)

Fonte: Grupo Pecuária Brasil (2019).

Mesmo antes de sua formalização como pessoa jurídica, o GPB vinha demonstrado sua representatividade e forte influência no setor. Desde meados de 2018, o Indicador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA), um dos mais importantes do País, vem passando por reformulações, que se concretizaram em 2019, com base nas observações e apontamentos feitos pelo GPB após a implantação do Balizador, que acabou estimulando a mudança, como forma de tornar o indicador mais real e sem interferência do mercado comprador, conforme informou o coordenador do grupo.

Desde o início, os organizadores do grupo incentivam a participação dos pecuaristas para o envio de informações para formação dos indicadores CEPEA. Ter os apontamentos do GPB levados em conta na revisão do formato de um importante indicador de mercado nacional, demonstra a influência e relevância do grupo em seu segmento.

Ao se analisar as informações e história do GPB, são encontrados indicadores de organização e orientação da cadeia produtiva, amparada por instituições e indivíduos que promovem a atividade pecuária, especialmente nas questões de manejo e acesso à informação. A partir da análise dos dados desta pesquisa, pôde-se compreender melhor o perfil, a motivação e os principais interesses do grupo.

Considerando-se um número total de 1.493 membros, entre os quais 747 (50%) são pecuaristas, público ao qual se dirigia a pesquisa, tem-se uma amostra representativa de 535 respondentes, de cerca de 71% dos pecuaristas. O perfil dos entrevistados é constituído, em sua maioria, de público masculino, entre 30 e 50 anos, com graduação ou pós-graduação; pecuarista; com propriedades acima de 1 mil hectares; dedicados principalmente a dois tipos de produção - ciclo completo e/ou recria e engorda - e que possuem entre 500 e mais de 2 mil cabeças.

Percebe-se que a maioria das propriedades está localizada no estado de São Paulo (32%), seguido pelo Mato Grosso do Sul (17%), Mato Grosso (13%) e Goiás (12%), sendo esses os estados mais representativos da amostra. Porém, vale destacar que a heterogeneidade do grupo também se confirma quando se depara com produtores respondentes de outros estados da federação (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Estados da federação de localização das propriedades

Fonte: elaborado pelos autores.

Neste aspecto, vale considerar a premissa levantada por Souza Filho et al. (2011) de que a adoção de inovação ainda é bastante heterogênea no setor pecuário brasileiro, uma vez que o Brasil é um país de dimensões continentais e cada região apresenta sua própria realidade. Porém, o fenômeno das redes sociais pode trazer um novo olhar para essa questão, conforme verificado no decorrer da análise, quando se percebe a unidade de interesses, mesmo com grandes diferenças de uma região para outra. 

Em relação ao comportamento e interação do usuário dentro do GPB observou-se que, apesar do início das atividades ter ocorrido em 2014, os dois últimos anos registraram o maior crescimento, fruto de sua consolidação e forma de atuação no mercado, conforme explicado por seus gestores. Aproximadamente 1/3 (32,6%) participam do grupo desde o início; outros 35,9% entre dois e três anos (32,6%) e o restante (36,4%) estão há menos de um ano. Conforme já explanado, o maior crescimento se deu a partir de 2017, quando o grupo migrou para o Telegram. Outro dado importante é que 69,2% acessam o grupo diariamente, sendo que 20,6% desses acessam mais de uma vez por dia. Apenas 5,8% apontam acessarem as informações eventualmente.

Entre os temas de maior interesse dos usuários (Gráfico 2), os relacionados ao mercado do boi obtêm maior relevância, com 285 ocorrências entre as 535 respostas. A soma total de ocorrências ultrapassa o número de questionários respondidos, uma vez que os respondentes poderiam citar mais de um tema.

Gráfico 2 – Principais temas de interesse dos pecuaristas

Fonte: elaborado pelos autores.

Mesmo estando com categorias temáticas diferentes, alguns assuntos podem ser compreendidos como busca por informações relacionadas à inovação, tais como: Tecnologia, Manejo, Pastagens, Nutrição, Gestão de Fazendas, Trocas, Compartilhar. Somadas estas ocorrências chegam a 122.

Em relação ao comportamento do usuário na hora da tomada de decisão, 67,1% declararam terem consultado o GPB antes de decidirem sobre um negócio. Tal afirmação demonstra, positivamente, a influência e importância da rede para a tomada de decisão nos empreendimentos.

Os principais temas buscados são apresentados no Gráfico 3. Dentre eles, destacam-se asinformações sobre mercado, cotações, preços, balizador e negociações, refletindo uma mudança de paradigma para o pecuarista. Historicamente, segundo informou o gestor do grupo, o pecuarista sempre atuou de forma muito solitária em suas negociações com frigoríficos. Nesse sentido, percebe-se que o novo modelo de Balizador lançado pelo GPB vem alterando a forma como o produtor se relaciona com o mercado e não o faz mais sem informações compartilhadas.

Gráfico 3 – Quais temas são mais abordados?

Fonte: elaborado pelos autores

Ao serem questionados se implantaram alguma inovação de manejo, gestão ou comercialização depois de iniciar participação no GPB, 63% dos participantes responderam que sim. Destaca-se que, no que se refere aos tipos de inovações implementadas, apenas 176 responderam e, se percebe que o balizador foi a principal inovação adotada (Gráfico 4).

 

 

 

 

 

Gráfico 4 –Tipo de inovação implementada

Fonte: elaborado pelos autores.

Em relação a forma como o pecuarista enxerga a inovação trazida pela rede social, a grande maioria acredita no potencial da rede para contribuir com o fortalecimento da cadeia da carne e que esta é relevante para os seus negócios. Essa crença vai ao encontro do momento vivido pelo grupo, que foi formalizado como entidade de classe, sem fins lucrativos, com estatuto próprio, aumentando sua representatividade junto à classe, aos órgãos públicos e governos, além da capacidade de influência na definição de políticas públicas para o setor, em especial, ao promover maior transparência nas relações comerciais com frigoríficos por meio do Balizador.

Essa transparência nas relações está fortemente associada à questão da confiança promovida pela rede. Para Granovetter (2007), as relações sociais, mais do que dispositivos institucionais ou morais, são as principais responsáveis pela produção de confiança na vida econômica.

Na economia clássica e neoclássica, as relações sociais são abordadas, como um obstáculo que inibe a competição de mercados. Granovetter (2007), no entanto, enfatiza o papel das relações pessoais e das redes na origem da confiança e no desencorajamento da má-fé. Assim, a preferência dominante em fazer transações com indivíduos de reputação conhecida implica que poucos estão realmente dispostos a confiar na moralidade generalizada ounos dispositivos institucionais para evitar problemas. Assim, a rede representa um incentivo para não enganar, já que há um alto custo dos danos à reputação pessoal.

Granovetter (2007) afirma também que no ambiente de rede essas informações ganham ainda mais força por quatro motivos essenciais: é de graça; as pessoas confiam mais na informação que colheu pessoalmente; os indivíduos com os quais se tem uma relação duradoura têm uma motivação econômica a mais, para não desencorajar transações futuras; e as relações econômicas contínuas trazem um conteúdo social de grandes expectativas, confiança e abstenção de oportunismo.

Cardenas, Pacheco e Lopes (2015) avaliam que a resistência a mudanças nesse setor pode significar o fim de um negócio. Assim, pecuaristas brasileiros rompem o paradigma da gestão e visão tradicional do negócio, num modelo de produção que pouco se alterou ao longo dos séculos e que hoje começa a dar espaço para uma visão mais ampla, para a qual o uso da rede social é a porta de entrada.

No ambiente mais competitivo do mercado atual, a manutenção de processos produtivos antigos e tradicionais tornam-se uma ameaça. Especificamente no caso da cadeia bovina, incorporar novos conhecimentos e inovação é essencial para assegurar competitividade do setor, que foi acentuada em decorrência da intensificação do processo de internacionalização e globalização (Cardenas; Pacheco; Lopes, 2015).

Assim, torna-se importante conhecer o quão aberto o pecuarista brasileiro está para a inovação. Nesse sentido, a percepção dos pecuaristas respondentes é que, em grande parte, estão sempre prontos para a inovação (68%) ou na maioria das vezes (25%), embora se perceba que um percentual significativo ainda prefere aguardar outros inovarem primeiro (7%).

É interessante ainda destacar que os pecuaristas (96%) consideram que o próprio GPB seja uma inovação e não apenas um canal para tal. Vale aqui relembrar Ribeiro et al. (2011), que aventaram a hipótese que relaciona rede social e inovatividade de forma positiva. Os autores afirmam que nos grupos considerados mais inovadores (os chamados pioneiros), a rede social em si não chega a ter impacto, por serem eles os próprios agentes de influência da rede. Os dados do GPB mostram que a grande maioria está aberta à inovação e não vê impacto negativo em serem agentes de influência, uma vez que se sentem motivados a compartilhar informação e contribuir com a difusão e adoção tecnológica.

Para 60% dos pecuaristas entrevistados, os grupos organizados em redes sociais são a principal fonte de recebimento de informações, seguidos de 22% por meio de sites e blogs especializados. Ou seja, mais de 80% do acesso à informação se dá por meio da internet e da tecnologia digital.  Os outros 20% se dividem entre jornais, revistas e televisão.

Vale relembrar que dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) mostram que, em 2017, o celular se consolidou no Brasil como o principal meio de acesso à internet, alcançando um percentual de 98,7%, no final do ano. A pesquisa indica ainda que a principal finalidade de acesso à internet no Brasil é enviar mensagens de texto, voz ou imagens por aplicativos diferentes de e-mail. Ou seja, o principal objetivo de quem se conecta à rede é o uso das redes sociais como FacebookInstagramWhatsApp e Telegram. Em seguida, a outra principal finalidade é a realização de chamadas de voz ou vídeo (IBGE, 2017). Tais dados fortalecem as redes sociais como um canal importante para o acesso à informação.

Outras formas de acesso à informação mencionadas pelos entrevistados incluem as conversas com amigos e participação em eventos. Porém, mesmo os que optaram por outras formas de acesso, na hora de responder acabaram apontando os mesmos canais já elencados na questão optativa. Assim, a rede social continua como a primeira posição no acesso às informações sobre seus negócios.

Mais do que nunca, a tecnologia da informação é uma fonte de inteligência social com a qual os indivíduos interagem por meio da rede, conforme apontam Santos, Rossini e Silva (2011). Assim, o uso dessas ferramentas tem efeito não só sobre algumas tarefas, mas também sobre o modo de pensar, conhecer e aprender o mundo, como se pode ver na forma como os pecuaristas se utilizam dessa tecnologia para buscar informação e inovação para seus negócios.

Apesar do Censo Agropecuário 2017 ter apontado para uma queda de 4% na participação do produtor rural brasileiro em entidades representativas como sindicatos, associações ou cooperativas, essa pesquisa indica para um número expressivo de pecuaristas engajados em atividades associativas, com 61% das respostas.

De acordo com Souza Filho et al. (2011), o acesso à informação de qualidade é um dos fatores que determinam o processo de adoção de tecnologia. Entre os principais mecanismos de acesso à informação, estão o associativismo, cooperativismo ou participação em entidades de classe, que têm sido considerados fundamentais nos estudos de adoção de tecnologia no Brasil e em outros países.

O principal capital social da ação cooperativa consiste nas relações entre pessoas e organizações que proporcionam aos seus participantes acesso a informações privilegiadas, recursos e esforços conjuntos para o desenvolvimento dos negócios, o que motiva a participação. No caso do GPB, em diversas postagens os gestores estimulam a participação em entidades locais, como forma de contribuir para o fortalecimento do setor.

Os resultados desta pesquisa reforçam que o uso da rede social, por meio das TIC, alterou a forma como o pecuarista recebe informações sobre inovações na pecuária. Os modelos antes restritos à extensão rural ou à busca individual por novas tecnologias, ganharam nova e ampla forma de divulgação e, consequentemente, de adesão por meio das redes sociais.

Essa afirmação encontra base no fato de que, entre os entrevistados, 92% afirmam que a rede social mudou a forma como recebem informações para a inovação na pecuária. Se a rede é o principal canal de acesso à informação, é possível reafirmar a influência da rede na adoção de inovação, onde, além da informação em si, o pecuarista tem a oportunidade de compartilhar a experiência da adoção, discutir soluções para equacionar processos e divulgar seus resultados para outros futuros adotantes da mesma inovação.

Partindo desta constatação, passa-se à análise da percepção e entendimento do pecuarista quanto ao conceito e uso da inovação. Das 535 respostas obtidas, 93,7% concordam ou concordam totalmente estar sempre pronto a adotar inovações, apenas 2,4% discordam e 3,9 não souberam responder.

Destaca-se, no entanto, que apesar da disposição não é tão simples assim. É preciso lembrar o complexo sistema de fatores que leva à inovação. A OCDE (2018) chama isso de ‘dínamo da inovação’ e reconhece a importância da propriedade para que um modelo seja realmente inovador. E, enfatiza que há diferenças de tipo de inovação entre as instituições de ciência e tecnologia e as que se verificam nas empresas ou propriedades rurais inovadoras. Essas diferenças são significativas e estão relacionadas às motivações de cada uma dessas comunidades.

Num mercado altamente competitivo como o da pecuária, fortemente empenhado em cumprir regulamentações para atender mercados externos e cada vez mais exigentes, é fundamental acompanhar as tendências.

Nesse sentido, pode-se dizer que os fatores de transferência de informação e tecnologia para a inovação são fundamentais na geração de lucro e aumento de produtividade. Entre esses fatores, questões como a ética, sistemas de valores da comunidade, confiança e abertura reforçam a eficácia das redes, elos e outros canais de comunicação como sustentáculos de estruturas comerciais, parâmetros e regras de comportamento dentro dos quais podem ocorrer a comunicação e a troca de informações (OCDE, 2018).

Tal afirmação é corroborada com os resultados da maioria dos entrevistados (83,4%) que concorda que a inovação é capaz de aumentar a produtividade e gerar lucro. Apesar disso, ainda há um grupo não reconhece a inovação como fonte de produtividade e lucro (5,6%) e não souberam responder 11%.

A noção de que inovação está necessariamente associada a investimentos é comum para 61,3% dos pecuaristas, no entanto, observa-se que 29% não concorda que inovação dependa de investimento e 9,7% disseram não saber responder.  Nesse sentido, Durango, Soares e Arteaga (2011) corroboram com os resultados desta pesquisa ao apresentarem a necessidade de investimento para inovações, em virtude do contexto altamente competitivo do agronegócio.

Cabe destacar aqui que o desempenho e prontidão para a inovação também estão relacionados à localização geográfica e facilidades oriundas dessa inovação. Considerando o GPB um grupo heterogêneo em termos de localização geográfica, é possível afirmar que este entendimento possa estar relacionado à localização geográfica e a disponibilidade financeira do pecuarista entrevistado.

A necessidade de mão de obra especializada é outra percepção importante para 71,6% dos entrevistados, que concordam que a inovação exige necessariamente profissionais especializados. A variável da mão de obra é levada em conta na hora de adotar inovação, seja pela busca de profissionais capacitados, seja na capacitação de serviço próprio.

As respostas obtidas, estão em acordo com a OCDE (2018), quando afirma que a capacidade tecnológica de uma empresa está também em sua força de trabalho. Ter uma equipe capacitada é possuir um recurso-chave para ser inovador. Sem mão de obra capacitada a empresa não consegue dominar novas tecnologias e, muito menos, inovar. Trata-se, portanto de uma preocupação legítima. Há uma ampla rede de fornecedores de insumos e serviços na cadeia produtiva da carne com a qual o produtor poderá contar, se dispuser de recursos próprios ou por meios de políticas de financiamento públicos.

Ainda que a necessidade de investimento ou mão de obra especializada seja evidente, quase 90% dos pecuaristas entrevistados entendem queo investimento vale a pena, ao passo que a inovação melhora o desempenho da atividade.  

Para o pecuarista, a percepção de que a inovação agrega valor em seus negócios é alta, mais de 75%, ainda que nem sempre haja disposição total para experiências inovadoras.  Nesse contexto, observa-se que as inovações na gestão, produção e comercialização formam o tripé de temas primordialmente presentes na rede GPB e que mais geram envolvimento do grupo, que entende a informação como insumo fundamental que a adoção, ou não, de inovações.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A adoção do modelo de rede por pecuaristas brasileiros segue a tendência de todas as áreas do saber humano no mundo contemporâneo. A grande novidade está na quebra de paradigmas e na aceitação da tecnologia como forma e meio pelo qual será possível permanecer na atividade, numa cadeia produtiva altamente competitiva e com grande necessidade de adequação aos padrões e regulações internacionais. A tecnologia das redes sociais é em si o canal e a própria inovação para grande parte dos pecuaristas integrantes do GPB.

A tecnologia digital permitiu a formação de grupos e horizontalizou as relações, nas quais todos são, ao mesmo tempo, emissores e receptores, e mais, são produtores de conteúdo numa alteração drástica no processo de informação que permite a participação de todos.

O modo como o GPB evoluiu, como um grupo organizado em rede social, partindo de 30 integrantes em 2014 para 1.493 em 2019, tendo se organizado formalmente como entidade de classe (Associação GPB) no decorrer de 2019, demonstra a imensa capacidade de aglutinação da rede em torno de interesses comuns, movidos por afinidades nos negócios e a possibilidade real de desenvolvimento e progresso, tanto individual quanto coletivo, contribuindo para a redução da assimetria de informação entre pecuaristas, fornecedores e compradores, muitas vezes dotados de mais informações e poder de negociação.

Aquilo que a ciência vem discutindo há tempos, sobre o poder de articulação e de apropriação da própria história dos grupos organizados em redes, se apresenta no cotidiano de pecuaristas do GPB como a ferramenta que alterou a forma de enxergar e gerir os negócios na pecuária.

Buscar e adotar esse conjunto de tecnologias inovadoras para aumentar a produtividade, buscar preços e equilíbrio da criação, requer do pecuarista um olhar atento para compreender a dinâmica de crescimento e mudanças nas demandas do mercado interno, assim como a influência dos mercados globais de commodities. Num mundo em constantes e rápidas transformações, com a tecnologia cada dia mais presente no cotidiano das propriedades, é imprescindível o acesso à informações e inovações que assegurem a permanência no mercado.

 

 

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[1] Mestre em Agronegócio e Desenvolvimento pela Unesp e graduada em Jornalismo

[2] Livre Docente em Comunicação (Unesp). Doutora em Educação (UFMS), Mestre em Comunicação (Unesp) e Graduada em Jornalismo (PUCCAMP). Professora da Faculdade de Ciências e Engenharia da Unesp

[3] Livre Docente em Marketing (Unesp), Doutor e mestre em Engenharia da Produção e graduado em Zootecnia. Professor da Faculdade de Ciências e Engenharia da Unesp

[4]Serviço de mensagens instantânea baseado na nuvem. Funciona de modo semelhante ao Whatssap, no entanto, comporta um número maior de integrantes para formação de grupos.

[5] Mais tarde a sigla foi utilizada para se transformar no Grupo Pecuária Brasil.

[6]Tipos de certificações que validam a qualidade da carne para exportação.

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