DA ECONOMIA CIRCULAR À ECOLOGIA DAS REDES:
As vantagens comparativas da transformação digital para aeconomia solidária
Guilherme de Figueiredo Preger[1]
FURNAS
gfpreger@yahoo.com.br
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Resumo
Este artigo aborda a mudança de paradigma para a noção de trabalho na sociedade impactada pela transformação digital. Reformulando o conceito de trabalho como transformação conservadora de energia, de acordo com a primeira lei da termodinâmica, para o entendimento do trabalho como redução da entropia, conforme a segunda lei, é possível compatibilizá-lo com os conceitos de informação e de comunicação. O artigo sugere que esta reformulação já estava implícita na teoria marxista e a diferencia do modelo ricardiano clássico. A transformação digital é pensada como corte epistemológico no modo de produção, que traz consequências para o sistema funcional da economia. Neste, o modo dominante da economia capitalista (o capitalismo de plataforma) é confrontado com modos alternativos como o da Economia Solidária. O artigo examina se a transformação digital traz vantagens comparativas para a Economia Solidária e conclui positivamente neste sentido.
Palavras-chave: Transformação digital. Trabalho neguentrópico. Economia solidária.
FROM THE CIRCULAR ECONOMY TO THE ECOLOGY OF NETWORKS:
The comparative advantages of digital transformation forsolidarity economy
Abstract
This article addresses the paradigm shift for the notion of work in society impacted by digital transformation. It proposes a reformulation of the concept of work from a conservative energy transformation, according to the first law of thermodynamics, to a new understanding of work as entropy reduction, according to the second law. As so, it is possible to make it compatible with the concepts of information and communication. The article suggests that this reformulation was already implicit in Marxist theory and differentiates it from the classical Ricardian model. Digital transformation is thought of as a epistemological break in the mode of production, which has consequences for the functional system of the economy. In that one, the dominant mode of the capitalist economy (platform capitalism) is confronted with alternative modes such as the Solidarity Economy. The article examines whether digital transformation brings comparative advantages to the Solidarity Economy and concludes positively in this regard.
Keywords: Digital transformation. Negentropic work. Solidarity economy.
1O CONCEITO DE TRABALHO: DA PRIMEIRA À SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICO
Para a sucesso da abordagem deste artigo, primeiro irei rever o conceito de trabalho, conforme considerado pela economia política e de sua crítica. É sabido que Karl Marx retira o conceito do valor-trabalho do modelo de David Ricardo, no entanto submetendo-lhe a uma grande transformação. No modelo ricardiano, todo o valor da economia provém do trabalho. Mas sem que isso tenha sido explicitamente formulado, tal noção repousa sobre o conceito da conservação de energia. Conforme a máxima de Lavoisier, no final do século XVIII, nada se ganha, nada se perde, tudo se transforma. Ou ainda de forma mais precisa: “Em uma reação química feita em recipiente fechado, a soma das massas dos reagentes é igual à soma das massas dos produtos”[2]. A primeira lei da termodinâmica diz precisamente que a energia final é igual à inicial. O trabalho é então entendido como transformação de energia. Por exemplo: a energia física do trabalhador é transmitida integralmente para o produto. O valor desse produto tem relação direta (ou linear) com a transmissão de energia pela qual o trabalho é basicamente um intermediário. Curiosamente, essa concepção se assemelha a do “calórico”, a fictícia substância que transmitiria calor entre dois elementos. Tanto a concepção do trabalho como a do calórico repousam sobre a ideia da primeira lei da termodinâmica. Neste caso, o trabalho seria a substância da economia e com isso se explicava igualmente a conservação do valor durante todo o processo econômico, da produção ao consumo. E ao mesmo tempo tal concepção permitia sustentar ideologicamente a ideia do equilíbrio econômico, bem como da justeza do sistema de trocas, sobretudo entre salário e trabalho, ideologia fundamental para a teoria clássica do liberalismo.
Karl Marx, como é sabido, toma a ideia do valor-trabalho como vetor fundamental da economia, mas, no entanto, submete-o a uma torção. O trabalho já não é pensado enquanto substância, mas como relação. O trabalhador que vende sua força de trabalho ao empregador o faz dentro de uma relação num contexto específico. Esse contexto é definido pelos cercamentos de terra e pela criação da escassez dos meios de produção que obrigam o trabalhador a entrar numa relação assalariada, aceitando uma forma contratual com seu empregador. Essa forma contratual encobre a relação de exploração do acordo supostamente simétrico entre as partes. Assim o trabalho assume a forma da mercadoria (trabalho abstrato). E é por este fato histórico que o valor-trabalho se divide então entre valor de troca e valor de uso. A mercadoria é uma forma de dois lados: o lado de dentro é o valor de troca, e o lado de fora, o valor de uso. A mercadoria, enquanto forma e não substância, percorre assim todo o circuito capitalista sofrendo uma série de “metamorfoses”: máquina, mercadoria, dinheiro[3]. São todas essas as formas do capital. Mas no final do circuito não há conservação efetiva do valor do trabalho. Há o mais-valor que é valor excedente, valor que não existia antes. Por Marx sabemos que esse valor excedente é diretamente retirado do sobretrabalho do trabalhador, isto é, do trabalho que excede o “socialmente necessário”. Mas esse acréscimo de valor já é suficiente para evitar de atribuir ao trabalho a lei da conservação. O trabalho não mais conserva, mas acrescenta valor.
Está claro que Marx não relaciona a grandeza do trabalho à segunda lei da termodinâmica. Esta lei era conhecida desde Sadi Carnot em 1824, que através de um teorema provou que há um limite de eficiência para qualquer máquina a calor[4]. Depois, em 1865, foi Rudolf Clausius quem deu ao conceito sua forma mais acabada, incluindo o próprio nome de “entropia”. Neste termo está contida a ideia de transformação, conforme suas próprias palavras:
Prefiro ir às línguas antigas para os nomes de importantes quantidades científicas, para que possam significar a mesma coisa em todas as línguas vivas. Proponho, portanto, chamar S a entropia de um corpo, depois da palavra grega ‘transformação’. Eu propositadamente cunhei a palavra entropia para ser semelhante à energia, pois essas duas quantidades são tão análogas em seu significado físico, que uma analogia de denominações me parece útil.[5]
E foi finalmente Ludwig Boltzmann, em 1871, quem formulou matematicamente a função de entropia, fornecendo-lhe a noção estatística da distribuição de microestados de um gás. A fórmula de Boltzmann se tornou a mais conhecida descrição matemática da entropia: S= kb lnW, onde kb é a constante de Boltzmann e lnW é o logaritmo natural (de base 2) da probabilidade de determinado estado W de um gás, supondo que esses estados são finitos. Boltzmann dá assim à segunda lei da termodinâmica uma atribuição estatística[6]. É a fórmula de Boltzmann e sua atribuição estatística que permitirá depois relacionar a segunda lei, ou a entropia, ao conceito de informação. Em 1948, Claude Shannon denominou de “entropia da informação” (H), a grandeza que mede a “informação”, ou a quantidade de “surpresa” de um evento: H(X)= -Σ P(xi)log2P(xi), onde P(xi) é a probabilidade média de ocorrência de um evento xi , e o somatório Σ vai de i=1 a n, sendo n o número total de possíveis eventos[7]. Shannon denominou H de entropia precisamente pela semelhança com a fórmula de Boltzmann[8].
Em seu trabalho What is Life, publicado inicialmente em 1944, o famoso físico Erwin Schrödinger (2000) cunhou o termo de negentropy, ou neguentropia (Ɲ), como a variável que mede o negativo da entropia: quando um sistema reduz a entropia, aumenta sua neguentropia. Essa transformação é sempre relacional: a redução de entropia de um sistema significa a sua expulsão para o(s) sistema(s) de entorno. O sistema fica mais neguentrópico (ou organizado, como veremos) às custas do aumento de entropia (ΔS) de seu entorno (ou ambiente). Para Schrödinger, a vida é um tal sistema que é capaz de reduzir sua própria entropia. Ao assumir uma configuração mais neguentrópica, ou organizada, o sistema em questão se torna mais “informativo”, isto é, menos provável em relação a outros possíveis sistemas de seu entorno.
No entanto, a segunda lei da termodinâmica afirma que esta troca entre entropia e neguentropia nunca é simétrica. O diferencial de entropia expulso é necessariamente maior que o diferencial de neguentropia alcançado: ΔƝ +ΔS < 0[9] ou -ΔS>ΔƝ. A razão disso se dá porque a redução de entropia nunca é “espontânea”. É necessário um esforço, um “trabalho” para contrariar a segunda lei. Esse trabalho Ʈ é um excedente de neguentropia que o sistema precisa realizar para reduzir sua entropia. Esse excedente o sistema extrai do ambiente sob a forma de energia útil (estruturada), aumentando ainda mais a entropia do entorno. Essa energia útil estruturada é “informação” para o sistema. Assim pela segunda lei da termodinâmica, o trabalho é o custo de entropia que o sistema paga ao ambiente para aumentar sua própria neguentropia, isto é, para se organizar: -ΔS = ΔƝ + Ʈ ou ΔƝ=- (ΔS+Ʈ)[10].
Entendemos assim que há uma relação entre a organização de um sistema e o trabalho necessário para realizar essa organização. Embora em sua obra Marx não estivesse inteiramente consciente dessa relação, o filósofo alemão a intui quando descreve a necessidade do trabalho para recuperar o desgaste dos objetos:
Uma máquina que não serve no processo de trabalho é inútil. Além disso sucumbe à força destruidora do metabolismo natural. O ferro enferruja, a madeira apodrece. Fio que não é usado para tecer ou fazer malha é algodão estragado. O trabalho vivo deve apoderar-se dessas coisas, despertá-las entre os mortos, transformá-las de valores de uso apenas possíveis em valores de uso reais e efetivos. Lambidas pelo fogo do trabalho, apropriadas por ele como seus corpos, animadas a exercer as funções de sua concepção e vocação, é verdade que serão também consumidas, porém de um modo orientado a um fim, como elementos constitutivos de novos valores de uso, de novos produtos, aptos a incorporar-se ao consumo individual como meios de subsistência ou a um novo processo de trabalho como meios de produção.[11]
Portanto, a função do trabalho vivo é resistir ao desgaste causado pela entropia da segunda lei e ao mesmo tempo garantir os meios de subsistência ou de produção. Porém, Marx também observa que a reanimação pelo “fogo do trabalho” deve servir a um modo orientado a um fim, o que é outra maneira de ver uma organização social. O filósofo alemão tem noção de que o trabalho serve às organizações sociais humanas e que há um acoplamento entre o modo de produção e o modo de reprodução social. Embora ainda não fosse capaz de relacioná-lo à segunda lei da termodinâmica, cuja noção científica estava sendo forjada ao mesmo tempo em que escrevia sua obra prima sobre o Capital, Marx percebe que, ao contrário dos economistas clássicos ricardianos que acreditavam no equilíbrio da economia baseados na primeira lei da termodinâmica, o trabalho tem uma função não conservadora que acrescenta valor ao processo social. E é nesse sentido que devemos entender porque Marx associa esse valor ao tempo de trabalho, uma compreensão que é fonte interminável de polêmicas inclusive entre os próprios intelectuais marxistas. Pois o tempo é a variável entrópica por excelência: quanto mais o tempo passa, mais os objetos sofrem desgaste “espontâneo” e tanto mais as organizações, deixadas a si, se desorganizam. Num certo sentido, o tempo pode ser considerado uma grandeza marcadora da entropia: a passagem do tempo indica a tendência “espontânea” ao desgaste ou à desorganização[12]. Por sua vez, o trabalho é uma atividade que deve contrariar essa tendência, reduzindo a entropia ou gerando neguentropia.
De modo geral, a tradição marxista não entendeu a relação entre tempo de trabalho e organização, preferindo encarar o valor como pertencente intrinsicamente à própria mercadoria enquanto produto objetivo do trabalho. Uma exceção a essa tendência foi a obra do russo bolchevique Alexander Bogdanov, Tektology (1912), na qual tentou descrever teoricamente o conceito de organização como um princípio universal baseado em leis que produzem unidades de “complexos”[13]. Tektology foi uma obra pioneira da teoria dos sistemas e da cibernética e antecipou em algumas décadas muitas das ideias dessas duas teorias. Porém, devido a uma polêmica com Lenin, que considerava Bogdanov um idealista kantiano do grupo dos “machistas”, e também pela rivalidade política pela liderança do Partido Bolchevique, o nome de Bogdanov entrou em ostracismo durante décadas e sua teoria foi esquecida[14]. Pela razão das disputas políticas internas, a cibernética surgiu antes nos EUA, com Nobert Wiener, do que na URSS, onde Bogdanov já havia introduzido o novo paradigma sistêmico da teoria baseada em informação, na construção de sistemas e nos mecanismos de retroação (feedback).
Está claro, entretanto, em Marx, que a mercadoria é antes de tudo uma forma social e, portanto, um elemento relacional do sistema econômico, e assim se explicam as muitas metamorfoses por quais a mercadoria passa (máquina, mercadoria, dinheiro, etc.). Além disso, o trabalho não faz parte da substância da mercadoria, mas através do tempo gasto para elaborá-la, há geração de neguentropia, ou a própria organização do sistema capitalista, e de entropia, isto é, todo o desarranjo social produzido por um sistema submetido à lei de autovalorização; esta é a entropia despejada no “mundo da vida” dos trabalhadores, bem como nos ecossistemas naturais, dos quais também fazem parte os próprios corpos dos trabalhadores e pela qual a remuneração salarial procurar mitigar (ou “pagar”). Voltarei a isso adiante.
Assim como Marx distinguiu entre trabalho vivo (o trabalho entregue pelos trabalhadores) e trabalho morto (capital investido em máquinas), Dantas (2022) distingue entre trabalho entrópico (ou redundante) e trabalho neguentrópico (ou aleatório). O primeiro está associado a tarefas de produção repetitiva, na qual o trabalhador funciona como um apêndice da máquina, realizando tarefas a partir do conhecimento dado (redundante) e que tem como efeito a mera reprodução do sistema a partir da elaboração de seus produtos, isto é, de mercadorias. Na verdade, este é um trabalho de consumo produtivo, pois consome em termos de uso máquinas ou outras mercadorias utilizadas no processo de produção. Este trabalho equivale à força de trabalho enquanto valor de troca e pode ser medido de forma equivalente pelas horas gastas pelo trabalhador na sua consecução. Por sua vez, o trabalho neguentrópico, segundo Dantas, é o trabalho informativo enquanto tal, pois, de modo aleatório, introduz informação no sistema, não sendo redundante. Este trabalho é aleatório pois depende de atividades de processo semiótico na busca de soluções imprevistas para problemas inesperados. Este trabalho não pode ser quantificado em termos regulares de tempo, pois sua realização ocorre num período impossível de prever. Daí que esse trabalho produza um valor não equivalente e não fungível (intercambiável). É por este trabalho “criativo” que o valor é inserido no sistema, numa relação não conservadora nem equivalente, produzindo um sistema que está “longe do equilíbrio”, ao contrário do que afirma a teoria neoclássica ou neoliberal, que insiste na relação simétrica (“justa”) entre todas as trocas[15].
Essa relação entre trabalho e informação é crucial para a discussão a seguir, sobre as transformações trazidas pela digitalização, datificação e informalização dos processos produtivos. Conforme já observei em outro artigo (2022), a transformação digital reformula os próprios modos de produção do capitalismo, colapsando a distinção entre produção e reprodução. Para entender melhor esta evidência, é preciso considerar o trabalho como um redutor de entropia, uma atividade essencial para produzir a organização social. Essa redução de entropia é obtida através da aquisição de informação pelo sistema (e não apenas energia e matéria). Em outros termos: a função do trabalho para o sistema econômico na era digital não é a produção de “produtos”; o trabalho produz a organização social nas quais os produtos são “objetos”, “marcadores”, ou “invariantes” de uma determinada organização social que se reproduz então em torno deles. A mercadoria é um objeto em torno do qual se organiza a sociedade capitalista. Em vez de olhar para a mercadoria como objeto, devemos observar a forma social que seu movimento propicia.
2 A PLATAFORMIZAÇÃO DA ECONOMIA: OPORTUNIDADES E AMEAÇAS
Não entrarei aqui nos detalhes das profundas transformações que acompanham a transição digital. Estas são o tema de artigo já mencionado (PREGER, 2022). O que nos interessa neste estudo são as transformações ainda em curso que se dão no modo de produção. Como já analisado, a digitalização do processo produtivo aproxima o setor de produção, entendido como o da transformação técnica de materiais em produtos socialmente necessários, do setor da reprodução no sentido em que o sistema econômico opera cada vez mais sobre elementos semióticos. DANTAS (2022) faz uma análise completa sobre a importância do trabalho semiótico ou informativo para a economia contemporânea. A digitalização encurta os tempos de circulação econômica, fazendo-os tender a zero. Em outros termos, a produção e consumo tendem a confluir, criando a figura do “prosumidor”. O consumo agora não é apenas entrópico, gerador de desgaste dos materiais, mas também produtivo ou neguentrópico. Por exemplo, no setor de energia, as tecnologias de geração solar e eólica permitem que pequenos produtores, inclusive residenciais, não só consumam energia da rede básica, mas também possam inserir energia excedente local para o interior da rede de distribuição, que agora se torna bidirecional.
Porém, o caso mais paradigmático vem do modelo das “plataformas de serviços”, ou plataformas sociodigitais (PSD). Este parece ser o novo modelo dominante de organização da economia, seja na forma de “capitalismo de plataforma” (SRNICEK, 2016) ou de “cooperativismo de plataforma” (SCHOLZ, 2016). As plataformas digitais podem ser do tipo de redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter), ou de serviços de busca (Google, Bing), ou servidores de mídia audiovisual e entretenimento por streaming (You Tube, Netflix, Amazon Prime), ou de compra de produtos (Amazon, Magazine Luiza), ou de entrega (delivery) de produtos (Ifood, Rappi), ou ainda de transporte (Uber, 99). Cada uma dessas plataformas tem suas características específicas, mas como demonstrou Marcos Dantas, todas operam[16] na lógica de “jardins murados”, utilizando o capital cognitivo privado de algoritmos herméticos que exploram os dados fornecidos e não remunerados dos usuários comuns para extrair renda da venda de produtos de terceiros, ou da entrega de serviços ou da venda do espaço midiático em busca de atenção (economia da atenção)[17].
No sistema capitalista, as plataformas são controladas pelas “Big Techs”, grandes empresas que em geral estão aliadas ao capital financeiro (MOROZOV, 2018). O capitalismo de plataforma tem sido estudado como uma reorganização capitalista pós-fordista, ou pós-taylorista[18]. A crescente digitalização dos meios e dos processos sociais faz colapsar a diferença produção/reprodução. A digitalização acelera a reprodução das formas, a miniaturização dos equipamentos os tornam mais portáteis e socialmente difundidos. A digitalização favorece o compartilhamento e acessibilidade dos dados produzindo o colapso de noções temporais (presentismo) e espaciais (colapso de contexto).De um lado, diminui o “custo marginal” pela reprodutibilidade técnica. O “valor” do custo marginal tende a zero. Por outro lado, o “giro do capital” se torna mais curto, favorecendo investimentos financeiros de curto prazo.A automação digital no sistema capitalista reduz o “trabalho socialmente necessário”. Porém, isso não acarreta uma redução do trabalho geral mas gera crise crônica de desemprego sobretudo nas economias periféricas onde é majoritário o trabalho redundante que pode ser automatizado.O código binário 1/0 (sim/não) se generaliza socialmente, produzindo o fenômeno da “equiprobabilidade” (entropia máxima)[19]. A “algoritmização” objetiva reduzir essa equiprobabilidade, porém os algoritmos são majoritariamente opacos nos meios privados das plataformas (“jardins murados”).Crescem os efeitos de “reentrada” do código (o código dentro do código), gerando efeitos tanto de “feedback negativos” (controle retroativo) como “feedback positivos” (realimentações e enxames), causando instabilidades sistêmicas nos sistemas sociais. As redes digitais são exemplo de “causalidades circulares” que reproduzem frequentes situações paradoxais nos sistemas.
Essa reorganização do sistema capitalista parece ser uma resposta à transformação do modo de produção. Nesta, o fator técnico é o decisivo. A formação das “plataformas”, ou PSDs, parece ser uma solução do capital para as novas condições técnicas de reprodutibilidade crescente e uma reação do Capital à tendência de custo marginal zero (RIFKIN, 2016)[20]. No entanto, ainda é cedo, ou precipitado, afirmar que o modelo das plataformas corresponderá à definitiva configuração do sistema capitalista. Alguns teóricos mencionam que o sistema capitalista está regredindo a um tipo de “tecno-feudalismo”[21]. E há também aqueles que acreditam que estamos indo para um período de “pós-capitalismo” (MASON, 2017). De certo é o fato de que estamos caminhando numa direção cada vez mais irreversível: as redes digitais vieram para ficar e esta realidade traz consequências tanto positivas como negativas. Por essa razão, numa situação ainda bastante indeterminada, gostaria de citar cinco características predominantes dessa nova reconfiguração digital do sistema econômico que aparecem como as mais marcantes e indiscutíveis:
1- Uso generalizado de redes de comutação no lugar de redes interligadas: como observa Castells (2013), as redes digitais da sociedade da informação não são do tipo de estruturas interligadas, como as redes “analógicas” (de esgoto, elétricas) ou de informação (telégrafos, correios, telefonia), mas redes de comutação, que modificam suas estruturas a cada momento e que apresentam várias escalas simultâneas, gerando níveis não necessariamente hierárquicos de organização.
2- Plataformas de serviços (tanto empresas como redes sociais): como mencionado, a estrutura da plataforma parece ser a dominante neste período contemporâneo e uma espécie de acomodação do sistema às tendências da transformação técnica;
3- Trabalho remoto (home office): a possibilidade de trabalhar remotamente ganhou força e visibilidade durante a recente pandemia do coronavírus e parece conectar de vez o espaço doméstico ao espaço produtivo, com consequências ainda imprevistas e não reguladas satisfatoriamente;
4- Trabalho por demanda ou por aplicativo: o trabalho por aplicativo surge como um novo tipo de trabalho, com contratos informais, ambiguidade entre contratador, trabalhador e cliente, e uma nova forma de gestão do tempo (trabalho redundante) tanto por parte do trabalhador, como do contratador;
5- Multiplicação de moedas digitais: as criptomoedas crescem de importância e de mercado, supostamente sem controles estatais, porém sem que se saiba qual a sua verdadeira utilidade ou função[22].
O estado indeterminado de crise permanente do sistema capitalista impede conclusões definitivas sobre as características acima mencionadas. Assim, a exemplo das matrizes SWOT, a Tabela 1 abaixo elenca as oportunidades e ameaças contidas em cada uma das características acima relacionadas.
Tabela 1 - Oportunidades e ameaças da transformação digital para o sistema da economia.
Característica |
Ameaça |
Oportunidade |
Redes de comutação |
A topologia em “nuvem” se baseia em concentração de dados em servidores proprietários que reclamam exclusividade no acesso à informação. |
As redes permitem conectar as camadas por comutação de pacotes e com isso são uma resposta ao “problema da escala” das economias não capitalistas e não dominantes. |
Plataformas de serviços |
As plataformas tendem a criar “jardins murados”, feudos digitais cujos algoritmos de controle do fluxo de dados são opacos. |
Há possibilidade de configurar plataformas cooperativistas cujo custo de criação é baixo, o de manutenção tende a zero e aproximar produtores diretos e autônomos com consumidores. |
Trabalho remoto |
O trabalho remoto é uma extensão do antigo trabalho fabril para o domínio doméstico e/ou público (fábrica social) e faz colapsar a distinção entre espaço econômico e mundo da vida, criando novas fronteiras para as lutas de classe. |
Além de reduzir os custos de deslocamento dos trabalhadores, o trabalho remoto torna mais nítida a função do trabalho enquanto modo de organização social e cuja função é criar vínculos informativos. |
Trabalho sob demanda |
Crescimento da precarização do trabalho e da insegurança nos rendimentos. |
Deixa nítida para o trabalhador a possibilidade de gerenciamento do tempo do trabalho e sua autonomia de decisão entre ócio e negócio. |
Moedas digitais |
Proliferação de moedas sem lastro ditas “apolíticas” (sem tributação) e sujeitas a manipulações de esquemas de pirâmide e outras fraudes. |
Possibilidade de instituir novos modelos de troca que contornam os sistemas financeiros privados. A moeda digital esclarece a função de “meio” do dinheiro e não de “fim” econômico. |
Assim, para cada uma das características há ameaças iminentes, que já se manifestam, mas também há oportunidades para uma apropriação dos trabalhadores em suas formas autônomas de organização. No item seguinte, irei discutir como a tema da Economia Solidária pode tomar posse das potencialidades abertas pela transformação digital.
3 ECONOMIA SOLIDÁRIA: PERSPECTIVA PARA NOVA POLÍTICA COGNITIVA DA ERA DIGITAL
O tema da Economia Solidária (ES) é importante para se discutir política pública em termos de solidariedade nacional após a grande crise aberta pelo acontecimento da pandemia de Covid-19 (doença do Coronavírus-19) e pelo desastre causado pelo governo de Jair Bolsonaro, eleito em 2018[23]. Essa linha de pesquisa foi aberta justamente pelo economista Paul Singer (1932-2018), que foi secretário da SENAES – Secretaria Nacional de Economia Solidária, no governo primeiro governo Lula (2003-2006). Ou seja, a ES já foi testada enquanto experiência governamental de política pública[24]. No entanto, sua teoria transcende o de uma política pública, sendo antes a introdução de um modo de produção alternativo ao capitalismo. O tema da ES (MANCE, 2008; DAGNINO, 2009) foi teorizado originalmente como uma alternativa não hegemônica à dominância do sistema capitalista para o programa funcional da economia moderna. A ES é definida como o "conjunto de atividades econômicas – de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito – organizadas sob a forma de autogestão." Compreende uma variedade de práticas econômicas e sociais organizadas sob a forma de cooperativas, associações, clubes de troca, empresas por autogestão, redes de cooperação, entre outras, que realizam atividades de produção de bens, prestação de serviços, finanças solidárias, trocas, comércio justo e consumo solidário.A economia solidária preconiza o entendimento do trabalho como meio de emancipação humana dentro do processo de democratização econômica, criando uma alternativa à dimensão alienante e assalariada das relações de trabalho capitalistas[25].
Assim, a ES é uma forma de organização alternativa das relações econômicas, de base cooperativista, que tende a um alcance que transcende a base econômica, para um novo modelo de interpretação da função do trabalho e da dominância da economia sobre os demais domínios da vida social.A ES utiliza o conceito de “tecnologia social” numa crítica direta à tecnologia empresarial capitalista (convencional) voltada para o lucro. O conceito de tecnologia social (ou solidária) desenvolvido por Renato Dagnino (2009) pensa o uso da tecnologia para a reprodução da forma de organização social e não voltada para a produção de mercadorias (produtos). Assim, a tecnologia social visa o uso de meios públicos compartilhados ou coletivos, e não os meios privados. Este conceito leva à crítica do modelo de inovação assumido pelos programas de P&D+I utilizados em vários setores da indústria brasileira. Os setores privados das economias periféricas observam a inovação como meios de “poupar empregos” e, portanto, a inovação funciona, nas economias periféricas, em nome da “mais-valia” absoluta: não para tornar mais produtivo o trabalho, mas para reduzir a mão de obra empregada, gerando desemprego crônico.Por isso, Renato Dagnino (2020) defende passar do paradigma da relação emprego/salário para a relação trabalho/renda. Isso significa, segundo o estudioso, uma mudança de paradigma, da “distribuição (ou transferência) de renda” das políticas compensatórias sociais para a “geração de renda” diretamente pelos trabalhadores: a geração de renda pelos mais pobres e não para os mais pobres.
A ES utiliza uma base cooperativista sobre meios coletivos ou compartilhados de produção e pretende ocupar as “fendas” (MANCE, 2008) do sistema capitalista, em especial utilizando meios “alheios” (não próprios) ou desprezados do sistema. Por exemplo: a economia da reciclagem com a coleta de lixo ou de materiais de alumínio. Assim, a ES tem uma participação minoritária no sistema capitalista, majoritariamente formado sobre meios privados de produção. Um meio privado é aquele retirado da circulação para a produção “exclusiva”. Já a ES é inclusiva, porém, assim como o cooperativismo, sofre do problema de escala: seu alcance é local e não alcança uma dimensão que permita a superação do modelo dominante.Se quiser competir com o modelo capitalista, a ES fatalmente não obtém vantagens comparativas. Assim, a ES torna-se dependente de subsídio estatal, pois as empresas privadas não se interessam por financiar tais iniciativas solidárias. Entretanto, os recursos de Estado são também disputados acirradamente pelas próprias empresas capitalistas[26].
Por outro lado, a transformação digital permite recolocar os problemas da ES em novo enquadramento. Por exemplo, o problema da escala: a passagem de soluções na escala local para a global pode ser realizada com o auxílio das redes de comutação e do cooperativismo de plataforma. As redes de comutação permitem atravessar, em curto-circuito, da escala micro para a escala macro, interligando diretamente produtores a consumidores. E podem ser criadas plataformas cooperativistas nas quais se associem produtores locais a possíveis consumidores (SCHOLZ, 2016). De fato, o que as plataformas capitalistas fazem é, através de algoritmos, tornarem-se atravessadoras dessa associação e cobrar “pedágio” pelo atravessamento. No entanto, programadores radicais podem desenvolver plataformas para associações de produtores por custo muito baixo e sem necessidade de cobrança pela intermediação. Essa cobrança, em verdade, por parte das plataformas capitalistas, é bastante injusta e contraproducente. O custo de manutenção dessas plataformas é muito baixo e pode perfeitamente ser rateado entre os produtores. A própria linguagem de programação necessária para a configuração das plataformas é conhecida e acessível. E o negócio dos programadores radicais tornar-se-ia assim solidário às iniciativas cooperativistas. Trata-se de um típico trabalho semiótico ou cognitivo que pode se valer da compilação de rotinas já elaboradas e de acesso público a um custo próximo a zero (marginal).
A condição para que tal situação emerja é uma mudança de paradigma que Renato Dagnino denomina de “nova política cognitiva”. Nas palavras do estudioso, em sua crítica à noção de “empreendedorismo” que atualmente é hegemônica sob a égide do neoliberalismo:
Eles [os desafios ambientais] vêm causando um generalizado questionamento do perfil de consumo. O que tem levado à consciência crescente da necessidade de mudar do perfil da produção de bens e serviços. E, contrariando a ingênua expectativa de muitos, à percepção de que não está ao alcance da empresa mudar a forma como são produzidos. Seu comportamento, além de basear-se num cálculo individual de rentabilidade microeconômico, está subordinado à lógica do mercado; e uma tentativa de contrariá-la levaria à sua falência. ...
A inadequação da empresa para promover a mudança no perfil da produção vem gerando a proposição de arranjos econômico-produtivos alternativos como os associados à Economia do Comum, e a Economia de Francisco (e, na América Latina, à Economia Social, Popular ou Solidária) (DAGNINO, 2021).
A mudança de perfil de consumo mencionada pelo estudioso tenta responder à crise ambiental causada pelo excesso de entropia produzido pelo sistema capitalista. Assim, esta nova política cognitiva solidária começa transformando a própria noção de trabalho, tal como vim desenvolvendo até aqui: o trabalho entendido através da noção de redução da entropia e como produtor, não de produtos, mas da organização social. Nesse novo arranjo,a ES permite enfrentar os problemas ecológicos do aquecimento global que se referem à exaustão dos recursos e ao estresse ambiental.Esses problemas são causados pelo circuito entrópico linear da economia capitalista de dimensão global: produz→consome → descarta.Este circuito sem retorno observa a “natureza” como fornecedor de recursos e como depósito de materiais (lixo); ou seja, a natureza é um reservatório para o despejo da “entropia” do sistema.A experiência da economia da reciclagem e da economia circular permitem observar como positivos os retornos da natureza sobre o sistema de produção, pois trabalham em termos de ciclos completos de reuso de materiais e do aproveitamento coletivo mais eficiente dos recursos com redução de entropia também na produção. Enquanto o modo capitalista opõe a produção ao consumo, a economia circular permite pensar o trabalho como gerando a forma social do nexo entre os dois momentos.Além disso, a ES não visa a acumulação do lucro (mais-valia), mas sim a redução do trabalho socialmente necessário e o bem-estar social.
Para Dagnino, a nova política cognitiva é a passagem da distinção emprego/salário para trabalho/renda. Esta renda objetiva não à acumulação privada, mas à autonomia de vida dos trabalhadores. O trabalho não é “vendido”, mas se torna a fonte de renda direta para o trabalhador. Este tem desse jeito capacidade maior de gerenciamento do tempo de sua vida.Esta solução se oferece como alternativa eficaz em contraposição ao conceito de “empreendedorismo”, pois este termo remete à filosofia individualista condizente com a ideologia neoliberal (indivíduo como empresa) que ainda opera com a distinção emprego/salário.O sistema capitalista é baseado na exploração do trabalho e na acumulação dos excedentes produtivos sob a forma do Capital. O sistema capitalista digitalizado está se tornando cada vez mais rentista, com a renda sendo gerada pelo próprio giro de capital de curto-prazo; a ES propõe, por sua vez, que a renda seja gerada diretamente pelo ganho produtivo do trabalho e da organização social na qual está inserida. Isso a difere da solução socialista tradicional, vigente desde o século XIX. O socialismo foi pensado historicamente como a luta pela redistribuição dos excedentes produtivos. Porém, na ES o excedente é imediatamente redistribuído pela própria organização da produção sob a forma de renda direta.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A transformação digital é baseada numa lógica recursiva que permite lidar melhor com as circularidades econômicas quando o retorno ambiental é levado em conta[27]. Como observei em trabalho anterior (2022), o instrumental recursivo dos sistemas digitais permite trabalhar com as causalidades circulares que desafiam o capitalismo. Se o trabalho for pensado enquanto redutor de entropia (neguentrópico) daí se estabelece sua relação direta com a informação. E neste caso, o trabalho informacional se torna equivalente à comunicação.
Um exemplo é o caso do MST, o conhecido Movimento dos Sem Terra. Recentemente foi anunciado que o MST se tornou o maior produtor brasileiro de arroz orgânico[28]. Porém, o MST é um movimento social histórico que luta pela reforma agrária e pela distribuição das terras ociosas ou improdutivas. Essas terras são ocupadas pelos famosos acampamentos que são sobretudo núcleos de organização social. No novo paradigma que propomos, podemos entender que o MST não é uma empresa do tipo capitalista e que a produção de arroz, conquanto benéfica, não configura o objetivo do grupo. De fato, o principal “produto” do movimento é o próprio MST. A finalidade do MST não é a produção de alimentos, mas a reprodução do próprio movimento social, na sua capacidade de organização e reprodução. O MST não se reproduz para poder produzir, mas produz para poder se reproduzir enquanto organização social.
Desta forma, finalizo com a seguinte proposta para um conceito de trabalho adequado à sociedade baseada na comunicação: trabalho é o que dá liga. Liga entendido como conceito para nexo, relação. Dar liga: conferir robustez e solidez: solidariedade. Esse é o sentido da Economia Solidária: dar liga, organizar-se e reduzir a entropia.
REFERÊNCIAS
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[1] Engenheiro, Mestre em Eletromagnetismo Aplicado (PUCRJ) e Doutor em Teoria da Literatura e Literatura comparada (UERJ). Autor de Fábulas da Ciência (editora Gramma, 2021). Atualmente trabalha como engenheiro em FURNAS.
[3]Essas três metamorfoses se referem consecutivamente à divisão do circuito econômico em três partes, proposta por David Harvey (2005): produção, circulação e realização.
[7]https://pt.wikipedia.org/wiki/Entropia_da_informa%C3%A7%C3%A3o#:~:text=Para%20a%20%C3%A1rea%20de%20Teoria,presente%20que%20flui%20no%20sistema.
[8]Antes de Shannon, ainda no século XIX, James Clerk Maxwell formulou o experimento mental do “Demônio de Maxwell”, no qual um homúnculo num compartimento fechado dividido em duas seções seleciona entre as moléculas mais quentes e as mais frias de um gás entre dois lados de uma divisória (diafragma) que abre e fecha, fazendo com que a distribuição do gás contrarie a segunda lei da termodinâmica. Esse experimento permitiu compreender a passagem da termodinâmica à teoria da informação (PREGER, 2021, P.410), uma vez que o homúnculo (demônio) tem capacidades “seletoras”.
[9]Neste caso, o gradiente de entropia ΔS é considerado negativo (entropia final menor que inicial).
[10]O somatório negativo – (ΔS+ Ʈ) é o tanto de entropia que o sistema “exporta” para o ambiente para poder se organizar. ΔS é o diferencial “espontâneo” de entropia gasto e definido pela segunda lei. Ʈ mede o diferencial de “esforço” do sistema que se acrescenta ao primeiro. Marx chamava este segundo termo de “trabalho vivo” ou “atividade metabólica”.
[11]Karl Marx. O Capital. Crítica da economia política. Livro I. Tradução de Regis Barbosa e Flavio Kothe. Retirado de DANTAS et alli, 2022, p. 37.
[12]Foi preciso esperar até a década de 70 do século XX com os trabalhos do químico ganhador de Nobel Ilya Prigogine para entender o conceito de “flecha do tempo” e das estruturas dissipativas dos sistemas “longe do equilíbrio”. Pela segunda lei, o tempo é um marcador da “irreversibilidade” dos processos que produzem assimetria temporal (a distinção antes/depois). Sobre a relação entre a variável do tempo e a segunda lei da termodinâmica, conferir PRIGOGINE, 1996 e ROVELLI, 2018.
[14]Sobre a polêmica entre Bogdanov e Lenin, conferir ROVELLI, 2021.
[15]DANTAS, Marcos. Informação, trabalho e capital. In: DANTAS, Marcos et alii, 2022.
[16]Isto é, aquelas associadas ao capitalismo de plataforma. As relativas ao cooperativismo de plataforma possuem lógica distinta.
[17]Dantas mostra como o circuito econômico das PSD é o de D-M...I-ΔD, onde D é dinheiro, M é a mercadoria produzida como interface (aparelhos, dispositivos, computadores, servidores), I é o trabalho informacional e ΔD é o acréscimo de valor produzido pela informação. O importante é compreender que o trabalho informacional I produz diretamente mais-valor, sem passar pela mediação de uma mercadoria. É esse o valor não remunerado somado pelas plataformas ao valor remunerado dos engenheiros programadores dos algoritmos que se acrescenta como mais-valor na economia digital. Assim, as plataformas geram capital de forma semelhante aos agentes financeiros, isto é, capital gerado da renda por empréstimo ou por juros de capital privado fixo (o substrato técnico e material das plataformas).
[18]De acordo com a Escola de Regulação francesa (BOYER, 2021), o sistema econômico capitalista, em suas diversas fases, pode ser entendido em termos da associação entre um modo de regulação e de um regime de acumulação. Na etapa contemporânea podemos considerar o neoliberalismo como o modo de regulação e o regime das plataformas (“uberismo”) como o regime de acumulação. É importante observar que nessa concepção, o modo de regulação é “conservador”, ou seja, é baseado em mecanismos de retroação “negativos” (sobretudo institucionais) para regular o sistema, enquanto o regime de acumulação gera “excedentes”, ou seja, realimentações positivas que no capitalismo se traduzem como formas de acumulação.
[19]Esta entropia máxima é equivalente ao lançamento de uma moeda na aposta “cara ou coroa”. Cada lado tem 50% de chances de ocorrência.
[20]E nesse aspecto também é preciso se referir à polêmica previsão de Marx sobre a baixa tendencial da taxa relativa de lucro. Embora a abordagem de Rifkin seja distinta e baseada na Teoria Clássica, a redução do custo marginal está ligada à redução da taxa de lucro pelo fato dos custos marginais empregarem cada vez menos trabalho concreto na sua realização.
[21]No sentido em que as plataformas digitais são territórios virtuais “regidos” por algoritmos opacos e onde os capitalistas não ganham mais dinheiro produzindo e vendendo, mas extraindo renda a partir da soberania fechada das plataformas “muradas”. Conferir VAROUFAKIS, Techno-Feudalism Is Taking Over (Project Syndicate jun/2021, acesso em https://www.project-syndicate.org/commentary/techno-feudalism-replacing-market-capitalism-by-yanis-varoufakis-2021-06. Outra referência é a de Cedric Durand, O tecnofeudalismo é uma espécie de capitalismo canibal, acesso em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/616087-o-tecnofeudalismo-e-uma-especie-de-capitalismo-canibal-entrevista-com-cedric-durand. Para um crítica da “desrazão feudal”, o artigo de Eleutério Prado “Sobre o tecno-feudalismo”, acesso em https://aterraeredonda.com.br/sobre-o-tecno-feudalismo/.
[22]Sobre as criptomoedas, remeto a meu artigo no site A Terra é Redonda: https://aterraeredonda.com.br/o-futuro-das-criptomoedas/.
[23]Para a discussão dos cenários pós-pandêmicos, remeto ao meu artigo “Cenários especulativos pós-pandêmicos. A catástrofe sanitária e as redes solidárias”. PREGER, 2020.
[24]As diretrizes de política pública da ES ainda estão disponíveis na página do Ministério da Cidadania: https://www.gov.br/cidadania/pt-br/acoes-e-programas/inclusao-produtiva-urbana/economia-solidaria. Acesso em 13/10/2022.
[25]Conceitos retirados de duas referências canônicas: https://aventuradeconstruir.org.br/o-que-e-economia-solidaria/?gclid=CjwKCAjw7p6aBhBiEiwA83fGupaKGPXpsEfA7nQz9HC9pgZXTJs--xBLONUB7QHTIK8t IEFRUQeEFRoCZgYQAvD_BwE. E igualmente https://pt.wikipedia.org/wiki/Economia_solid%C3%A1ria.
[26]Conferir DAGNINO, Economia solidária pode ajudar a reindustrializar o país (2022). Acesso em https://operamundi.uol.com.br/20-minutos/74252/economia-solidaria-pode-ajudar-a-reindustrializar-o-pais-diz-renato-dagnino.
[27]Os sistemas digitais operam por recursividade. Segundo o teórico das técnicas Yuk Hui, “Recursividade não é mera repetição mecânica; é caracterizada pelo movimento repetitivo de retornar a si próprio para se determinar, enquanto todo movimento é aberto à contingência, que por sua vez determina sua singularidade”. Cf. HUI, Yuk. Um devir psicodélico. Trecho extraído de seu livro Recursivity and Contingency (2021). O trecho em português foi retirado desta referência: https://www.academia.edu/43052274/Cap%C3%ADtulo_de_Yuk_Hui_Recursividade_e_Conting%C3%AAncia_Introdu%C3%A7%C3%A3o_Um_Devir_Psicod%C3%A9lico_.
[28]https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62746336. Acesso em 17/10/2022.