Chamada de artigos do dossiê "Segurança Cibernética - Integridade da Informação e Soberania Nacional: os casos do Brasil e da China"
A integridade da informação é uma expressão que tem sido empregada por entes estatais e interestatais, como a ONU, em contraponto à noção de desinformação. Pesquisadores, gestores públicos e diversos atores da sociedade civil organizada, que têm se dedicado nos últimos anos a diagnosticar, projetar e executar ações de combate à desinformação, têm recentemente promovido a integridade da informação como uma dessas frentes de ação.
Essa abordagem, por assim dizer, positiva da problemática, no sentido de promover algo íntegro e não apenas combater algo corrupto, já faz parte do rol de ações de combate à desinformação em curso, como, por exemplo, a reivindicação de medidas que favoreçam a existência de mídias plurais e de um jornalismo sério, comprometido com a verdade factual e o interesse público. Ao enfatizar o elemento positivo da dialética entre informação íntegra e desinformação, um novo conjunto de reflexões e possibilidades de ação talvez comece a se delinear com mais clareza.
Originalmente restrita ao campo da computação e, posteriormente, ao ambiente corporativo, a noção de integridade da informação vem sendo gradualmente empregada no campo acadêmico, jurídico, governamental e na sociedade civil organizada como uma questão vital para enfrentar, por exemplo: i) o negacionismo científico, especialmente nas áreas ambiental e de saúde pública; ii) a perseguição a minorias, como indígenas, quilombolas e a população LGBTQIA+, ou a maiorias minorizadas, como mulheres e negros; iii) e a ascensão de projetos políticos demagógicos, antipopulares, fascistas e autoritários.
No que diz respeito à produção da informação, a integridade refere-se, basicamente, à veracidade do produto informativo. No campo da distribuição, ela diz respeito à necessidade de democratização do ambiente informacional. Na esfera da circulação, diz respeito à mediação sociotécnica dos fluxos de informação. Na esfera da recepção, consumo e uso da informação, envolve a credibilidade atribuída às fontes de informação, bem como a relevância conferida à informação circulante.
Além das esferas de produção, distribuição, circulação e consumo da informação, há ainda uma questão sensível: a preservação e custódia da informação, que envolve sua representação e organização eficientes em termos de armazenamento e produção de metadados, de modo a facilitar sua recuperação.
Diante da imensa quantidade de informação em circulação na contemporaneidade e das particularidades sociotécnicas das plataformas digitais, que se tornaram onipresentes e essenciais para a maioria das atividades ligadas à produção, distribuição, circulação, consumo, preservação e custódia da informação, esse conjunto adquire uma dimensão política e geopolítica que pode afetar a soberania da maioria das nações, incluindo o Brasil. Isso se deve à concentração da propriedade física e jurídica de plataformas digitais e data centers capazes de realizar tal armazenamento em poucas e gigantescas corporações privadas com fins lucrativos, a maioria delas situada nos Estados Unidos, cujos acionistas majoritários são magnatas desse país.
Nesse contexto, e sem jamais perder de vista a relação necessária entre integridade da informação e veracidade, o quadro geral mostra-se ainda mais complexo, pois o controle dos fluxos informativos, bem como de seu armazenamento e custódia, está subordinado a interesses corporativos estadunidenses, que nem sempre convergem com o interesse público de outras nações ou do próprio povo estadunidense.
A China, por outro lado, é, senão a única, a mais importante exceção nesse cenário, dada a independência de suas plataformas, sistemas de busca e data centers.
Diante desse contexto, a Liinc em Revista abre esta chamada de trabalhos para pesquisas teóricas e aplicadas de todos os campos do conhecimento científico que discutam as seguintes questões, sempre em articulação com o tema geral da chamada, Segurança Cibernética - Integridade da Informação e Soberania Nacional: os casos do Brasil e da China.
- Análise crítica de projetos e experiências no Brasil.
- Análise crítica de projetos e experiências na China.
- Implicações culturais e ideológicas da insegurança cibernética.
- Ameaças à soberania nacional resultantes da ausência de soberania digital.
- Potencial de desenvolvimento econômico e social sustentável da soberania digital.
- Obstáculos políticos, econômicos e tecnológicos para a soberania digital do Brasil.
- Novas propostas cientificamente fundamentadas para a promoção da integridade da informação, articulando as esferas de produção, circulação, consumo, preservação, custódia e recuperação da informação.
- Dimensões éticas da integridade da informação e da soberania nacional.
- Regulação das plataformas digitais e direitos difusos.